Correu célere o anúncio de um pacote de medidas de apoio às famílias, decidido pelo governo em resposta à perda de poder de compra imposta pela vaga inflacionista, onde se desataca:
- pagamento de uma única prestação de 125 euros para salários até de 2700 euros, acrescido de 50 euros por descendente até aos 24 anos;
- pagamento de uma única prestação extra de meia pensão para reformados;
- redução do IVA na electricidade, e só na electricidade, para 6%;
- limitar o aumento das rendas da habitação a 2%;
- manutenção até ao final do ano dos apoios aos combustíveis em vigor;
- congelamento dos preços dos transportes públicos;
do mesmo modo que foram rápidas as críticas, com a oposição a alinhar quase unanimemente na denúncia da demora, onde a direita destacou o ilusionismo do pagamento extra aos aposentados e a esquerda escolheu criticar a falta de políticas de controle dos preços e taxação sobre os lucros excessivos.
A opção pelo pagamento de prestações suplementares únicas a trabalhadores e pensionistas e o prolongamento até final do ano dos apoios em vigor aos combustíveis parecem claros sinais que o governo continua apostado na ideia que este ciclo inflacionista é pontual e deverá ser de curta duração, quando a realidade parece apontar cada vez mais na direcção inversa e até o ministro das Finanças já admitiu que a inflação não vai regressar aos 2% com rapidez. A própria insistência na ideia de não querer alimentar a espiral inflacionista e que a inflação se deve ao conflito ucraniano sé se pode entender numa perspectiva de grande optimismo político e absoluta incompreensão económica de um fenómeno que não é ditado por desajustamentos na oferta ou na procura, mas sim por uma escalada especulativa dos preços da energia e, por arrasto, dos bens de consumo.
Sendo inegável que o pagamento extra de meia pensão irá reflectir-se rapidamente no menor aumento das pensões já em 2023 (o “aumento” pontual de Outubro, apresentado como parte da actualização a realizar em 2023 acabará, na prática, por reduzir o cálculo das actualizações a partir de 2024, representando afinal uma nova forma de controlar as actualizações das reformas e reduzir os custos para o erário público), nem por isso deixará de constituir um visível aumento do rendimento disponível. É uma “esperteza” que a maioria dos quase 3 milhões de pensionistas receberá sem a merecida contestação.
Francamente mais grave parece-me o facto de a redução do IVA ter deixado de fora o gás (uma importante componente no consumo de famílias e empresas), resumindo-se à electricidade e na manutenção da lógica da actual redução de 23% para 13%, apenas para potências contratadas até aos 6,9 kVA e para os primeiros 100 kWh, quando os valores de consumo mais próximos da realidade apontam para uma média que andará entre os 200 e os 250kWh.
Ainda pior é o completo silêncio sobre o que poderiam ser efectivas políticas de combate a uma inflação que é principalmente originada e suportada por um aumento dos custos energéticos, profundamente alimentados pelos mecanismos especulativos que rodeiam o mecanismo da formação dos preços da electricidade. Recusar liminarmente qualquer hipótese de controle dos preços e de taxação dos sobrelucros especulativos (na energia e em todas as actividades que estejam a alavancar a inflação mediante uma repercussão mais que proporcional do aumento dos custos sofridos) não pode ser visto como mero reflexo de uma estrita aplicação dos conceitos liberais de supremacia do mercado, antes como mais um passo na intencional concentração de riqueza, ainda e sempre em prejuízo da vasta maioria das populações.
Quase concomitantemente com o anúncio daquele pacote de medidas de apoio às famílias, e, contrariando abertamente a ideia da transitoriedade do ciclo inflacionista, surgiu um estudo do banco de investimento Goldman Sachs que estima para o início do próximo ano um agravamento na factura média de energia das famílias europeias da ordem dos 500 euros por mês, valor que representa um aumento de cerca de 200% face a 2021 e deveria ser entendido como aquilo que verdadeiramente é: a confirmação da preparação de um novo futuro de dependência energética da Europa.
Privada do abastecimento do gás natural russo (que o “amigo” americano nos proibiu de comprar e que a Rússia se recusa agora a vender-nos), sem capacidade de rápida conversão para energia de outras fontes de origem (mesmo o milagroso, mas caro, gás de fracking americano implica uma demorada conversão dos equipamentos de queima) a Europa assistirá impotente à subida dos preços da energia, à fragilização e à redução da competitividade do seu tecido produtivo, restando-lhe esperar que o pior não esteja ainda para vir.