A autoridade parental é indispensável para a construção do caráter e da personalidade dos filhos. Crianças criadas sem consciência de limites se tornam adultos frustrados e infelizes. Muitos pais, porém, têm medo de desempenhar seu papel de educador, confundindo autoridade com autoritarismo.
Há pouco as televisões mostravam pela enésima vez imagens chocantes de alunos quebrando os móveis da sala de aula e agredindo fisicamente o professor. Saí à rua para umas comprinhas e testemunhei mais uma cena de criança desabusada, desta vez uma menina pequena que gritava feito louca e dava chutes na canela da mãe. Professores são substitutos dos pais, quando eles não estão presentes. Desrespeitar um professor é o mesmo que desrespeitar o pai ou a mãe.
Na nossa sociedade repleta de traços esquizóides, existe, na atualidade, com toda a clareza, uma crise da autoridade parental. Da mesma forma que existe, na outra ponta dessa mesma sociedade, uma crise de autoritarismos patológicos. Quando refletimos sobre isso, a primeira coisa a fazer é compreender que autoridade e autoritarismo são coisas muito diferentes. Ambas as palavras têm o mesmo radical: autor. Mas, enquanto a primeira pode ser entendida como o poder de impor limites necessários para a convivência em sociedade, a segunda indica uma exacerbação desse poder, realizado pela simples imposição de uma ideia sem possibilidade de contraposição.
Talvez seja exatamente por confundir e misturar os significados de autoridade e de autoritarismo que tantos pais, hoje, têm medo de exercer qualquer forma de poder sobre seus filhos – seja ele justo e necessário à boa educação da criança ou um poder ilícito e prepotente, ditado apenas pelo desejo arrogante de se impor a qualquer custo.
Autoritarismo estúpido X Autoridade necessária
Em qualquer tipo de relação humana, o autoritarismo é sempre estúpido e nefasto. Mas, em relações do tipo professor/aluno e, sobretudo, nas relações entre pais e filhos, a autoridade é indispensável para a construção sadia da criança.
A autoridade enfrenta séria crise na sociedade contemporânea. Levadas ao exagero, sentenças do tipo “é proibido proibir”, que se transformaram em palavras de ordem nos anos hippies das décadas de 1960 e 1970, fizeram muito mais estragos do que se poderia supor naqueles momentos de farra libertária. Plantaram nas mentes e nos corações a convicção falsa e perigosa de que, na vida, tudo são direitos e nada é dever. Boa parte dos pais de hoje (eles mesmos mal-educados) simplesmente não sabe o que fazer para controlar a rebeldia dos filhos, perdendo-se no interior de situações esdrúxulas nas quais quem deveria ser comandado comanda, e quem deveria mandar comete um desmando atrás do outro. Ou vocês, caros leitores, acreditam que o sucesso de séries televisivas tipo Supernanny se deve a um simples modismo?
A crise da autoridade parental é real e se reflete em projeções danosas em todos os demais aspectos da sociedade. No Brasil, basta prestar atenção ao que acontece atualmente em todas as esferas do poder governamental, seja ele executivo, legislativo ou judiciário. Há total confusão entre autoridade e autoritarismo, gerando situações de descalabro caótico, de sambas do crioulo doido nos quais o grampo e a espionagem campeiam soltos e ninguém leva a legalidade realmente a sério. O problema é exemplar e vem do berço. Quem não aprendeu desde cedo a ter consciência de limites tenderá a viver e a manifestar até o fim a sua patologia de descomedimentos.
Voltemos ao tema: a crise da autoridade parental. Quem, ao visitar algum casal amigo com criança pequena e preferir, às 10 horas da noite, dizer “tchau” e ir embora – já que a conversa era impossível com aquele pirralho que não parava de gritar -, não ouviu desculpas do tipo: “Ele não quer ir dormir”, “é um inferno toda vez que chega a hora de fazer os deveres da escola”, “ele faz tudo o que lhe dá na cabeça”…
Nos consultórios, os psicólogos especializados em problemas de família ouvem esses mesmos desabafos todos os dias. Qual é a causa dessa grande desordem familiar? A ausência da autoridade, dizem os especialistas. Esses pais, que pensam cuidar bem de seus filhos e procuram ser o mais zelosos e atentos possível, não impõem aquilo que deveriam impor. Seja porque rejeitam, “por princípio”, toda posição de autoridade, seja porque, embora querendo manifestar sua autoridade, não conseguem mantê-la por mais de alguns instantes.
Sabemos todos, no entanto (e os educadores que trabalham em comunidades periféricas carentes melhor que ninguém), que é a falta de educação e, portanto, de autoridade – familiar, escolar ou social – que fabrica a delinqüência. Educar uma criança significa ensiná-la a se tornar um ser civilizado. Isso pressupõe, no que diz respeito aos pais, firmeza, constância e, sobretudo, a convicção de que essa autoridade é legítima porque sem ela não é possível uma construção correta da criança.
Para que isso realmente aconteça, é preciso, em primeiro lugar, que os pais superem as suas próprias resistências internas, às vezes muito sólidas, que se opõem a esse exercício. Para a moderna psicologia, são os medos dos pais que os impedem de se posicionar de modo correto. Claude Halmos, importante psicanalista francesa, explica quais são esses medos e como se livrar deles em seu livro L’Autorité expliquée aux parents (A autoridade explicada aos pais), lançado há pouco na França pela Editora Nil.
“Tenho medo que meu filho deixe de me amar”
Para Claude, esse é o medo que vem em primeiro lugar. O medo de ser rejeitado leva o genitor a dizer sempre “sim” e a proibir o menos possível. Esse medo, no entanto, parte de uma idéia falsa, segundo a qual uma criança seria feliz “sem limites”. Ora, uma criança deixada entregue a suas próprias pulsões e seus desejos não poderá ser feliz. Ela estará limitada, incapacitada para a vida social, a escola, pois não saberá respeitar as regras que possibilitam a convivência. Estará despreparada para a vida a dois, pois esperará que seus companheiros lhe permitam tudo, como faziam seus pais.
A criança “sem limites” vive constantemente angustiada, pois não encontra nenhuma barreira que a proteja de si mesma e do mundo exterior.
Toda criança começa por recusar os limites, mas essa recusa esconde, na verdade, uma procura deles, pois ela sabe que são necessários. Por isso, a autoridade é uma prova de amor, e não de desamor. Podemos dizer-lhe: “Se eu não o amasse, não me importaria com aquilo que você vai se tornar e o deixaria fazer tudo o que lhe desse na telha.”
A autoridade parental é indispensável para a construção do caráter e da personalidade dos filhos. Crianças criadas sem consciência de limites se tornam adultos frustrados e infelizes. Muitos pais, porém, têm medo de desempenhar seu papel de educador, confundindo autoridade com autoritarismo
Certas formas de autoridade – que deveríamos chamar, mais apropriadamente, de autoritarismo – podem efetivamente “quebrar” a personalidade de uma criança. A “autoridade de domador”, por exemplo, que pretende submeter a criança ao poder arbitrário do adulto: “Eu sou seu patrão, você tem de me obedecer!” Mas a autoridade verdadeira a que se refere Claude em seu livro é diferente por duas razões.
“A primeira é que ela se dirige a uma criança que ouvimos e respeitamos. A segunda é que não exigimos uma submissão da criança ao adulto, mas uma submissão à regra enunciada por este último, à qual todos estamos submetidos (não bater nos outros, não roubar, etc.).” Essa autoridade verdadeira, além de não arranhar a personalidade da criança, favorece o seu florescimento. Quando evolui num universo devidamente sinalizado no qual a interdição é claramente colocada e compreendida, a criança se sente em segurança e encorajada para a criatividade.
“Tenho medo se ser um pai violento”
Bastaria uma única palavra, um único tapa para traumatizar uma criança para todo o sempre; é necessário, assim, engolir o sapo e permanecer impassível diante de uma criança em crise de birra desenfreada. “Essas falsas convicções, devidas em grande parte a uma leitura equivocada da psicologia da criança, constituem a raiz desse medo”, explica Claude. Esse medo, no entanto, é perigoso, uma vez que, ao proporcionar aos pais uma imagem muito negativa da sua agressividade, inibe-a totalmente. Ora, segundo Claude, quando somos levados ao desespero por uma criança que grita, dá chutes e quebra as coisas, é legítimo e desejável exprimir a própria cólera, mesmo se os meios pelos quais nós a expressamos não sejam sempre aqueles que teríamos gostado de usar. Assim, a criança compreenderá que seus pais, e a outra pessoa em geral, são, como ela, sensíveis às agressões. O respeito pelos outros começa pelo respeito aos próprios pais. Mas o respeito nunca transita em mão única. Para ensinar a uma criança o que é o respeito ao próximo, é preciso primeiramente mostrar que você a respeita.
“Tenho medo de punir”
Fica subentendido: “Prefiro conversar.” Como se a punição fosse um insulto à inteligência da criança… Para Claude, a punição, quando não é humilhante e é proporcional à falta cometida, não constitui uma forma de maus-tratos. “A punição é indispensável. A proibição deve ser ensinada à criança. Se ela transgride uma primeira vez, um chamado à ordem pode bastar. Mas se ela continua a transgredir, a punição é indispensável, e cada genitor deve inventar a punição que lhe parecer mais adaptada à criança e à gravidade da transgressão. Como uma criança poderá compreender a importância de uma regra se uma punição não sanciona a sua transgressão?”
Na opinião da psicóloga, é bem mais prejudicial para a criança e a sociedade que ela cresça com a ideia falsa e perigosa de que pode fazer o que bem entende, inclusive cometer atos maldosos, e gozar de toda impunidade. Sem contar que o genitor que se limita a falar em vez de repreender acaba por perder toda credibilidade aos olhos do seu filho. A punição serve também para fazer com que as palavras dos genitores sejam respeitadas, dando a elas peso e sentido e evitando que sejam transformadas num blablablá inofensivo.
“Tenho medo de conflitos”
A vida da família deve se desenrolar num clima de bom humor e serenidade… Essa fantasia utópica é sedutora e amplamente compartilhada, porém impraticável. O conflito é inevitável pelo simples fato de que a criança sempre se opõe aos limites, pelo menos nos primeiros tempos, e que o enfrentamento contribui para o fortalecimento da sua estrutura, embora muitas vezes consuma uma enorme quantidade da energia dos pais. Uma criança pequena não é um ser civilizado: ela é dominada pelas suas pulsões, pelo “princípio do prazer” e pelo sentimento de onipotência; para que ela se torne um ser civilizado, deve transformar o seu funcionamento inicial. Para que isso aconteça, a autoridade de seus pais é indispensável. Uma criança se constrói ao se opor. Essas divergências criam inevitavelmente fricções. Para Claude, assumir essas fricções, sem procurar a qualquer preço preservar a paz do momento, significa simplesmente cumprir com o seu dever de educador.
por Luis Pellegrini | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial Brasil247 / Tornado
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