Poema, em dez andamentos, de João de Almeida Santos
para um Rosto – Desenho inédito de Filipa Antunes
PERCO-ME, SE TE ENCONTRO…
I.
Que estranho
Encontrar-te
E não te ver,
Ó deusa!Penumbra
Das minhas palavras,
Passas
Por mim
Como estranha
Passageira
Nesse mundo
Irreal
Do desencontro…
II.
És tão bela!
Mas este véu
Translúcido
Que nos separa
Cai
Sobre mim
Quando te vejo,
Esbate
O teu perfil
E converte-o
Em palavras
Que te tornam
Ainda mais
Ausente
Nessa ilusão
Da tua presença
Corporal…
III.
Caíste
Sobre mim,
Ontem,
Imponente,
Austera,
Áspera,
Naquele
Escadario
Sem fim
Que me esmagou
No momento
Fatal
Desse duro
Desencontro…
IV.
Defendo-me
De ti
Para me perder
Ainda mais
Com palavras
No regaço
Da tua alma
Atormentada…E não me ajeito
Com o corpo
Quando te vejo
Ou te toco
Simplesmente
Com o olhar…Olho-te,
Sim,
De lado
Para só
Te pressentir…
V.
É belo
Não te ver
Ou fingir
Que não te vejo
Para te sentir
Melhor
Por dentro…
……………..
De mim!
VI.
Já só sei
Ver-te
Em palavras
Como tu
Só sabes
Ver-me
Em riscos
E cores
Ou fugas
Nessas ruas
Por onde caminham
Tuas mãos
À procura
Não sei de quê…
Ou talvez
Do infinito!
VII.
Vejo-te
Belíssima,
Numa rua,
Numa praça,
Numa igreja,
Numa esquina,
Ou, então,
Sim,
Nesse infinito
Onde sei
Sonhar-te
Com a força
Do meu desejo…
…………………..
De ti!
VIII.
Já só vives
Nos meus poemas,
Irreal,
Rosto longínquo,
Eco perdido
De mim
E das palavras
Que lanço
Ao vento
Como boomerang
Que nunca volta…
IX.
Mas tu voltas,
Sim,
Implacável,
Invisível,
Silenciosa
E cresces sempre,
Colonizas-me
A alma
Em ausências
Tão prolongadas
Que tornam
A minha memória
De ti…
Vida vivida,
Nesse futuro
Que não conhecemos…
X.
A revolta
Deste teu rosto
Que ofereces
Ao poema,
Sobrolho franzido,
Olhar carregado,
Intimida
E então
Fujo ainda mais
De ti…
Para o interior
Dos meus versos
Onde posso
Encontrar-te
E amar-te
Na intimidade
Do meu silêncio
E da minha solidão!
Ilustração: Rosto, desenho inédito de Filipa Antunes (Julho de 2017. Desenho a Lápis Aguarelável)