Diário
Director

Independente
João de Sousa

Terça-feira, Julho 16, 2024

Perda de direitos e rendimentos dos trabalhadores

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

Os trabalhadores estão a perder o emprego, direitos e rendimentos e a crise económica e social está-se a agravar, embora o “coronavírus” seja a causa próxima, ele está a servir para justificar e ocultar a destruição de direitos e rendimentos dos trabalhadores e a desorganização da Administração Pública

Neste estudo analiso com base nos dados dos quadros de pessoal divulgados recentemente pelo Ministério do Trabalho, a evolução das remunerações médias mensais no período 2008/2018, mostrando que apenas os trabalhadores com um nível de escolaridade inferior ao 1º ciclo do ensino básico é que tiveram aumento no seu  poder de compra, tendo-se verificado uma estagnação no poder de compra dos trabalhadores com o ensino básico, e uma redução acentuada dos trabalhadores com o secundário e  com o ensino superior (muito maior nestes últimos).

O crescimento económico e o “desenvolvimento” frágil e distorcido dos últimos anos tem sido conseguido com trabalhadores de baixa escolaridade e de baixos salários apesar do seu poder de compra ter aumentado,  e na sobre exploração dos trabalhadores com níveis de escolaridade e de qualificação mais elevada, o que levou centenas de milhares de trabalhadores mais qualificados a abandonarem o país procurando em outros condições de remuneração e de vida que lhe eram negados no seu próprio país. Tudo isto também resultou do baixíssimo investimento quer privado quer público feito nos últimos anos em Portugal que nem foi suficiente para compensar aquele que foi destruído ou se desgastou pelo uso ou pela obsolescência, como mostramos no estudo.

Esta sobre exploração e expulsão dos trabalhadores mais qualificados associado ao baixo investimento fragilizou enormemente o país tornando muito mais difícil enfrentar a grave crise económica e social em que está atualmente mergulhado, causada pelo “coronavírus, crise essa que continua a agravar-se face a um governo desorientado que está a permitir a desorganização da Administração Pública, cujos serviços são essenciais para a população (saúde, educação, transportes, etc.). Enquanto tudo isto acontece, o governo continua à espera do milagre dos milhões de euros da União Europeia, como fosse aquilo que vai salvar o país.

Tudo isto é analisado neste estudo, utilizando apenas dados oficiais, que pretende apenas ser um alerta e um contributo para a reflexão e para o debate coletivo visando definir uma estratégia e uma vontade coletiva que permita ao país sair da profunda crise sanitária, social e económica em que está mergulhado.

 

Espero que este estudo possa ser útil para a reflexão e para o debate fundamentado sobre a grave situação económica social que o pais enfrenta, em que é necessário falar com verdade, e tomar medidas adequadas, rápidas e firmes para a ultrapassar e não adiar e criar ilusões.

 

 


Estudo

Os trabalhadores estão a perder o emprego, direitos e rendimentos e a crise económica e social está-se a agravar, embora o “coronavírus” seja a causa próxima, ele está a servir para justificar e ocultar a destruição de direitos e rendimentos dos trabalhadores e a desorganização da Administração Pública

Para se poder compreender a dimensão da perda de direitos e de rendimentos que estão a sofrer a esmagadora maioria dos trabalhadores, é importante conhecer o que aconteceu em relação à situação dos trabalhadores nos últimos anos em Portugal, sob a capa do “saneamento financeiro e da recuperação económica” tão apregoada pelos governos de Passos Coelho/Portas e de António Costa/Centeno e pelos seus defensores na comunicação social. O Ministério do Trabalho acabou de publicar os dados dos quadros pessoal, que abrangem os trabalhadores do setor privado, referentes ao período 2008/2018. E a realidade verificada neste período, quanto a salários e condições de vida dos trabalhadores, é bem diferente daquela que o governo e seus defensores pretendem fazer passar junto à opinião publica.

 

Os salários dos trabalhadores portugueses diminuíram em 2008/2018, com exceção dos salários mais baixos o que revela bem o tipo de desenvolvimento nesses anos

Os dados do quadro 1 sobre a evolução das remunerações base nominais dos trabalhadores do setor privado são do Ministério do Trabalho, dados oficiais que ninguém pode acusar de serem inventados.

 

Quadro 1 – Remuneração nominal base média mensal de acordo com nível de escolaridade – 2008/2018

Entre 2008 e 2018, o salário base médio nominal, portanto antes de quaisquer descontos ou da dedução do efeito corrosivo do aumento de preços, dos trabalhadores com ensino secundário (1,4 milhões) praticamente estagnou (tteve um aumento ridículo de +0,5%) e os com o ensino superior (1,38 milhões) até diminuiu (-5,3%). Apenas aumentaram as remunerações base dos trabalhadores com menos escolaridade e menos qualificação (até ao 1º ciclo do ensino básico: +20,1%; e do ensino básico: +14,5%).

Tem-se falado muito em recuperação de rendimentos, mas como os dados do próprio Ministério do Trabalho mostram a realidade é bem outra: a maioria dos trabalhadores portugueses do setor privado, nomeadamente os com o nível de escolaridade mais elevada, e naturalmente com maior qualificação sofreram uma estagnação ou mesmo uma redução nas suas remunerações base médias nominais. Esta é a verdade que os próprios dados divulgados pelo Ministério do Trabalho revelam.

E se a análise for feita não com base na remuneração base média nominal, como foi aquela que realizamos, mas sim com base no “Ganho médio mensal nominal”, as conclusões não são diferentes. Segundo as estatísticas também divulgadas pelo Ministério do Trabalho, que estão acessíveis aos leitores que as queiram consultar em Gabinete de Estratégia e Planeamento, entre 2008 e 2018, o Ganho médio mensal nominal, que inclui tudo aquilo que o trabalhador recebe, e não apenas a remuneração base,  aumentou 21,6% para os trabalhadores com 1º ciclo básico ou menos; subiu 16% para os trabalhadores com o ensino básico, mas para os trabalhadores com o ensino secundário cresceu apenas 1,1% em 10 anos, e para os com o ensino superior diminuiu em 4,2%.

 

A redução das remunerações médias base foi muito maior em termos reais, ou seja, a perda de poder de compra no período 2008/2018 foi elevada

Mas a realidade nesta campo, cujas consequências foram e são dramáticas para o país, têm uma dimensão muito mais grave se a analise for feita tendo como base as remunerações médias liquidas, ou seja, aquilo que os trabalhadores levam para casa para viverem, e se entrarmos também com efeito do poder corrosivo da inflação, ou seja, se analise for feita em relação à evolução do poder de compra da remuneração base média mensal liquida neste período (2008/2018). O quadro 2 permite ficar a saber o que aconteceu neste período nesse campo. O cálculo é feito com base em dados do Ministério do Trabalho e do INE.

 

Quadro 2 – Variação do poder de compra da remuneração base média liquida entre 2008 e 2018 segundo o nível de escolaridade em Portugal

Entre 2008 e 2018, o poder de compra da remuneração base média liquida dos trabalhadores com o 1º ciclo do ensino básico ou menos aumentou 6,4%; os com o ensino básico cresceu 0,8%, mas os trabalhadores com o ensino secundário viram o poder de compra das suas remunerações liquidas diminuir 9,8%, e os com o ensino superior sofreram uma redução no seu poder de compra de 18,4%. O gráfico 1 reforça essa conclusão da promoção de uma política de baixos salários pelo patronato e governo.

 

Gráfico 1 – Percentagem de trabalhadores a receber em Portugal apenas o Salário Mínimo Nacional Fonte: Ministério do Trabalho

Entre 2008 e 2011, a percentagem de trabalhadores a receber apenas o Salário Mínimo Nacional aumentou de 11,9% para 16%. Durante o período da “troika” e do governo PSD/CDS (2011/15) subiu para 19% apesar de ter sido congelado durante vários neste período, e com a entrada em funções do governo PS/Costa a subida tornou-se ainda mais rápida atingindo 25,6% em 2019 e é de prever que, em 2020, com a subida do Salário Mínimo Nacional para 635€, aquela percentagem suba muito mais.

O que se tem promovido em Portugal é um crescimento económico e um “desenvolvimento” ilusório e pouco sustentado, baseado em baixos salários, e na sobre-exploração dos trabalhadores com níveis de escolaridade e de qualificações mais elevadas pelas entidades patronais, sobre-exploração essa consentida e mesmo promovida pelos próprios governos de que são exemplos comprovativos os cortes, os congelamentos e os aumentos de miséria das remunerações dos trabalhadores das Administrações Públicas como foi o aumento de 0,3% em 2020, e a ameaça de novo congelamento das remunerações em 2021.

Daí a fuga maciça para o estrangeiro de trabalhadores com o nível de escolaridade e qualificações mais elevadas, o que levou centenas de milhares de trabalhadores com o ensino superior, e não só, a abandonarem o país e a irem para outros países na procura de condições da vida que lhe eram negadas no seu próprio país. Daí também os graves problemas que o país que enfrenta agora, pois ficou extremamente fragilizado com tal politica de rendimentos e de crescimento económico não sustentável, e confrontado com  uma grave crise económica e social causada  pelo  “coronavirus” já que não se encontra minimamente preparado, em que a desorganização económica e social é preocupante e assustadora face a um governo que se tem revelado incapaz de definir uma estratégia clara e mobilizadora, e que está à espera do milagre dos milhões € da União Europeia..

 

A crise económica e social é profunda e não pára de se agravar, a desorganização e a quebra da atividade na Administração Pública é grande por falta de orientações claras do Governo, e o coronavírus está a servir para ocultar tudo isso

O frágil e insuficiente crescimento da economia portuguesa, assim como o seu “desenvolvimento distorcido” baseado fundamentalmente em baixos salários e na sobre exploração dos trabalhadores com qualificações mais elevadas, o que obrigou a centenas de milhares a abandonar o país, resulta do baixo investimento, tanto privado como público, que não foi nem é suficiente para compensar aquele que é destruído pelo uso e pela obsolescência (o chamado “Consumo de Capital Fixo”).

O quadro 3, construído com dados do INE, mostra o resultado de uma política de investimento tanto privada como pública suicida que contribuiu para conduziu o país à situação em se encontra e explica a política de baixos salários e de sobre exploração dos trabalhadores mais qualificados.

 

Quadro 3 – Investimento Total (Publico e Privado) e Investimento Público Total, e Consumo de Capital Fixo Total e Público – 2012/2018

A nível do país, em 4 anos de governo PSD/CDS (2012/2015), o Investimento Total (inclui Privado e Público) foi inferior ao “Consumo de Capital Fixo”, ou seja, àquilo que desapareceu pelo uso e pela obsolescência, em 15.317 milhões €. E nos 3 anos seguintes de governo PS/Costa/Centeno, aconteceu o mesmo embora com menor dimensão. Entre 2016 e 2018, o novo Investimento (privado e público) somou em todo o país 97.622 milhões € , enquanto o “Consumo de Capital Fixo” foi de 101.512 milhões €. A destruição, a não renovação e a não modernização do aparelho produtivo nacional foi enorme tanto com o PSD/CDS como com o PS.

Na Administração Pública a situação ainda foi mais grave. Entre 2012 e 2015 (4 anos de governo PSD/CDS), o Investimento Público somou 15.351 milhões € e o Consumo de Capital Fixo atingiu 20.243 milhões €, o que significa 4.891 milhões € de equipamentos degradados ou destruídos não foram substituídos. Entre 2016 e 2018, (3 anos de governo PS), o Investimento Público foi apenas de 10.166 milhões €, enquanto o Consumo de Capital Fixo público atingiu 15.699 milhões €. Assim, 5.533 milhões € de equipamentos públicos degradados ou destruídos (escolas, hospitais, pontes, transportes públicos, etc.) não foram nem renovados, nem substituídos.

Mesmo os fundos comunitários que podiam ser utilizados para colmatar a falta de investimento nacional não foram utilizados. Segundo o nosso estudo 28-2020 (Crise económica ignorada pelo Governo), a U.E. disponibilizou fundos comunitários para utilizar, no período 2014/1º Trim. 2020, no total de 24.793 milhões €., mas Portugal, até ao 1º Trim. 2020, utilizou 12.054 milhões € (48,6% do total). E 2020 é o último ano do “Portugal 2020”. Uma das razões para isso acontecer é a falta de investimento nacional publico e privado, pois para utilizar os fundos comunitários é preciso que os patrões privados e o Estado entrem com a sua parte nacional. Como não entram, os fundos ficam por utilizar. Eis a explicação para o milagre de “contas certas” de Costa/Centeno (cortes no investimento público) e dos patrões portugueses no trabalho barato e na sobre exploração dos trabalhadores qualificados.

 

Um Governo desorientado, que multiplica subsídios e moratórias, criando bombas ao retardador, que permite a desorganização da Administração Pública e continua à espera do milagre dos milhões € da U.E., e patrões que querem viver à custa do Estado e da destruição dos direitos dos trabalhadores

A recuperação da economia, com o medo que se instalou na sociedade portuguesa devido ao “coronavírus”, em que muitos portugueses receiam sair de casa e ir trabalhar, vai ser muito mais lenta e difícil que as previsões oficiais otimistas previam. Basta percorrer as lojas e restaurantes de Lisboa, a maioria abertos mas sem clientes.

A “Síntese INE@COVID-19” de 14 de julho confirma também isso. Vejamos alguns dados de Maio/2020, divulgados nessa publicação do INE, que compara com o período homologo de 2019:

  • Volume de negócios da industria: -31,2%;
  • Investimento total (ano) -10%;
  • Volume de negócios serviços: -31,3%;
  • Alojamento e restauração: -73,1%;
  • Transportes e armazenagem: -44,7%;
  • Exportações: -39%;
  • Importações: -40,2%.

É o descalabro económico e social se isto continua. A juntar a isto verifica-se uma desorganização na Administração Pública, onde por falta de orientações claras e assertivas do governo, as chefias fazem o que querem, implementam o teletrabalho de uma forma desorganizada, mandando para casa, muitas vezes onde se incluem eles próprios, muitos trabalhadores sem instituir qualquer instrumentos de controlo para garantir o funcionamento da Administração Pública e os serviços à população e para incutir nela (AP) um sentimento de confiança no futuro com um comportamento de segurança.

Mesmo no SNS, retirando o que com dedicação e risco dos profissionais combatem o COVID 19, no resto acumulam-se centenas de milhares de consultas, de exames e de cirurgias que nem se marcam ou ficam por fazer (Em março, abril e maio, registaram-se menos três milhões de consultas nos cuidados primários (uma quebra de 57%), menos 900 mil consultas nos hospitais (menos 38%), menos 900 mil cirurgias, e uma redução de 44% no acesso às urgências, e milhares de exames de diagnóstico ficaram por realizar, segundo a Ordem dos Médicos,-JE, 18/7/2020 ). Tudo isto é escondido pelo COVID19.

O governo aprova um orçamento suplementar que ignora a profunda crise que o país está mergulhado. O teletrabalho, o “lay-off”, a redução do horário de trabalho com a diminuição do salário são utilizados, nesta crise, para reduzir os rendimentos aos trabalhadores, para destruir direitos (à privacidade, à vida familiar, a um horário de trabalho), para criar a insegurança e os levar a aceitar tudo. Com o pretexto da crise e da conciliação do trabalho com a vida familiar tudo isto está a ser destruído, aproveitando o medo e a insegurança em que estão mergulhados os trabalhadores.

Mais importante que debater “O Teletrabalho e a automação”, o que era necessário era debater como é que esta crise causada pelo “coronavírus” está a ser utilizada para instalar o medo entre os trabalhadores, para os isolar e os fragilizar, e levá-los à aceitar a destruição de direitos, pois o “teletrabalho e  a automação” são apenas um instrumento utilizado com aquele objetivo mais amplo, e responder a tudo isto.



 

 


Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante  subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

 

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

Uma Aventura | Na Caixa

Mentores espirituais

Manuel de Azevedo

Auto-retrato, Pablo Picasso

- Publicidade -