Dada a sua enorme relevância, justeza e profundidade, propomos a leitura da carta que acompanhava dia 31 Julho de 2018 a entrega da Petição “Pela Liberdade Imediata para Maria de Lurdes Lopes Rodrigues“, nos Serviços de Expediente da Assembleia da República.
Senhor Presidente da Assembleia da República
Senhores Deputados
Apresentam os signatários à Assembleia da República a presente
Petição
Porquanto
A cidadã Maria de Lurdes Lopes Rodrigues foi presa a 29 Setembro de 2016, para cumprir uma pena de prisão efectiva de 3 anos a que foi condenada, alegadamente por crimes de difamação e injúria!
Num Portugal do Século XXI não podemos aceitar que haja crimes desta natureza que dêem lugar a penas de prisão efectiva. Se o caso que suscitou esta Petição – “Pela libertação imediata de Maria de Lurdes Lopes Rodrigues”, que conta com 9093 assinaturas – no imediato, foi o desta cidadã, rapidamente se deram conta os subscritores da mesma de que não era caso único e de que a causa era muito mais abrangente. Assim sendo,
Peticionam os signatários,
- A constância dos tribunais portugueses na violação do art.º 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem tem estado na origem de condenações sucessivas do Estado Português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ante as quais não pode deixar de se exigir o integral respeito pelas decisões condenatórias.
- O respeito do Estado pelas decisões condenatórias, previsto no art.º 46º da Convenção, tem o sentido e alcance fixado pela jurisprudência (vinculativa) daquele Tribunal e abarca a eliminação do problema que deu origem à condenação.
- Mantendo-se os tribunais, como se mantêm, no papel persecutório das liberdades públicas, entre as quais a de protesto, notam os signatários que deste malsão propósito são instrumentos muitas normas. sendo as mais correntemente mobilizadas as formuladas sob os art.ºs 180º – 189º CP que integram o inteiro Capítulo VI do Código Penal.
- Não há pois uma boa legislação e uma má prática, mas uma prática que revolta e formulações legais que envergonham.
- Tais formulações, aliás, foram declaradas incompatíveis com qualquer forma de democracia pela própria senhora Condoleezza Rice na visita que fez a Timor, onde se apercebeu da agitação que gerava a projectada adopção do Código Penal Português quanto ao qual os jornalistas locais e os australianos entendiam inaceitáveis os preceitos incriminadores de qualquer crítica, qualquer protesto, de qualquer coisa que se diga ou escreva e que constam nos art.ºs 180º- 189º CP.
- Na sequência da intervenção da própria senhora Condoleezza Rice, o Estado de Timor pôde libertar-se dessas formulações indecorosas, através de cuja vigência o Estado Português continua a recusar o respeito devido às decisões condenatórias de que foi alvo em Tribunal Europeu.
- É preciso notar que tais fórmulas vêem escoradas no art.º 37º/ 3 da Constituição da República onde se adopta fórmula de tal modo incompatível com os Princípios Gerais do Direito, que ali se admite a existência de “infracções cometidas no exercício destes direitos” (os da Liberdade de Expressão), sendo evidente que em nenhuma Faculdade de Direito do mundo se aceitará alguma vez que um Direito Fundamental comporte infracções em si mesmo, ou que haja crimes (ou infracções) em direitos.
- Os processos instaurados ao abrigo destas indecorosas disposições – elas, sim, infracções em si mesmas – têm durado, em muitas das experiências conhecidas, até ao limite prescricional, limite hoje anómalamente ampliado por suspensões e interrupções da prescrição – de tal modo que processo se faz mal em si mesmo, punição em si próprio, e, por isso, modo apto ao mais odioso controlo repressivo da liberdade de expressão, designadamente para aqueles que fazem profissão de informar a opinião pública, ou de arguir os direitos violados de outros.
- Os jornalistas e os advogados têm sido vítimas habituais desta odiosa acção repressiva em favor de todas as prepotências, como o têm sido os militantes dos Direitos do Homem, mas também – e até – os pais em defesa dos direitos dos filhos, nas escolas, como de resto consta nas compilações jurisprudênciais, não falando já do que consta em arquivos judiciais,
- O caso do Prof. Doutor Andrade Dores, Professor agregado de Sociologia do ISCTE, perseguido a mando – hoje fortemente indiciado – do Director-Geral dos Serviços Prisionais, pela defesa dos direitos dos presos, actuação que assumiu ao longo de vinte anos, suportando torpe perseguição na qual um director-geral combinou com funcionários a instauração desses processos, sempre inviáveis, mas mantidos em tramitação ao longo de anos, mandando-os retirar quando se lhe tornavam inconvenientes, como resulta de declarações públicas de dirigentes sindicais da guarda prisional;
- E, em consequência disso, este Universitário teve de fazer face, entre outras incomodidades, a seis processos criminais (tanto quanto foi noticiado) ao longo de doze anos (até agora) nos quais foi sempre absolvido, mas pelos quais foi durante doze anos condicionado na sua liberdade de movimentos e na sua agenda profissional.
- Mas tais processos não conhecem sempre desfechos pretensamente benévolos, dando-se a circunstância de todos conhecida de estar presa Maria de Lurdes Lopes Rodrigues, uma investigadora a quem um antigo ministro da cultura, hoje cadastrado por crimes gravemente desonrosos, retirou bolsa de estudo que lhe cabia por direito, tendo o desfecho do protesto da lesada sido a condenação em prisão efectiva, por via das alegadas injúrias e pretensas difamações,
- O caso de Maria de Lurdes Lopes Rodrigues suscita também a mais intransigente repulsa, até e ainda porque a mentalidade asilar dos funcionários carcerários, lhe persegue a normalidade, não cessando de a humilhar, suscitar agressões contra ela, correndo-se o risco do próprio cárcere gerar procedimentos que conduzam a novas condenações penais a fim de se eternizarem as retaliações contra quem proteste em defesa dos seus direitos,
- Importando sublinhar que se morre mais nas prisões portuguesas que nas turcas e que o Estado Português, repetidamente confrontado com relatórios onde se lhe sublinham tratamentos de evidente carácter degradante – entre os quais o abuso de medicação psiquiátrica – continua a expor os cidadãos a tais perigos, designadamente e como se vê em razão do consentimento à perseguição da liberdade de expressão.
- Nas anomalias assinaladas e em curso livre há-de destacar-se o nefastíssimo papel do Ensino do Direito que consegue trazer às fórmulas jurisprudênciais frases sem nexo, como “a honra é a essência da personalidade humana”,
- Disparate que no plano prático virá a encontrar outras anomalias, verdadeiras aberrações, como a “maior probabilidade de condenação do que de absolvição”, usada por fundamento de remessa acusatória a juízo e que os juízes de instrução formulam também, sem pejo, para remeterem a julgamento casos onde se ofenderá, com gravidade variável, a liberdade de expressão,
- Esta expressão de minuta, aberrante na pena de um juiz, ofende evidentemente e imediatamente a presunção de inocência, sendo certo que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem deixou clara a violação da presunção de inocência se e quando o juiz enuncia, por qualquer modo, qualquer convicção sua de culpabilidade do arguido, o que não impede os juízes de o continuarem a escrever, nem impede os “doutrinadores” das Faculdades de Direito de o “ensinarem”, para cúmulo;
- Fácil é verificar que a conjunção das duas fórmulas sem nexo (como as referentes à honra e ao prognóstico de condenação pelo juiz de instrução) em minutas sem tino (q.e.d.) permitem remeter não importa quem a juízo criminal por nada e condenar por coisa nenhuma.
Por quanto se expressa, os signatários,
ao abrigo do Direito de Petição à Assembleia da República e requerendo apreciação pelo Plenário Parlamentar,
Vêem peticionar diante da Assembleia da República
- A revogação do Cap. VI do Código Penal, mais se peticionando
- A revogação de quaisquer normas processuais e administrativas que se mostrem aptas à prossecução do mesmo malsão propósito de inviabilizar a defesa de quaisquer direitos pela vulneração da Liberdade de Expressão, seja em protesto, seja em Juízo,
- Como é o caso do disposto no art.º 9º/2 do Código de Processo Civil e que, por isso, deve igualmente ser revogado já que o Direito de Acesso aos Tribunais não pode ser condicionado por tal modo que o simples arbítrio possa desencadear, como se propicia em tal fórmula, perseguição penal e disciplinar em razão da formulação de qualquer peça processual.
Peticionando-se, ainda,
- Inquérito Parlamentar à formação teórica e prática dos juristas, com levantamento das fórmulas incompatíveis com o Direito Europeu dos Direitos do Homem que em compêndio se detectem e bem assim, o levantamento e edição, com menção da identidade dos membros dos colégios decisores, das decisões jurisdicionais (e disciplinares contra juízes e advogados) desde o início do novo milénio e que também se mostrem incompatíveis com o Direito Europeu dos Direitos do Homem (tenham ou não sido objecto de queixa contra o Estado)
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