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Sábado, Novembro 2, 2024

Planeamento de efectivos na Administração Pública

Nuno Ivo Gonçalves
Nuno Ivo Gonçalves
Economista, Mestre em Administração e Políticas Públicas, Doutor em Sociologia Política. Exerceu actividade em Gestão Pública, Recuperação de Empresas, Auditoria e Fiscalização e foi docente no ISE e no ISG. Investiga em História Contemporânea.

Ainda há relativamente pouco tempo um tal Compromisso Portugal exigia, se ainda se lembram, o despedimento com indemnização dos funcionários públicos a mais. Eram 100 mil eram 200 mil?

Vendia-se o ouro, propunha Miguel Cadilhe, e Manuel Jacinto Nunes explicava pacientemente por que razão não podia ser. Chegou-se a Sócrates e ao Teixeira dos Santos dos “cortes para sempre”, chegou-se à troika, chegou-se a Vítor Gaspar, que parecia acreditar nos números do Compromisso Portugal, mas que felizmente era apoiado por um Secretário de Estado da Administração Pública – Hélder Rosalino – que teve a coragem de dizer na Ordem dos Engenheiros, que não se sabia onde havia funcionários a mais ou a menos.

Hélder Rosalino

Mesmo assim, incluiu ou deixou incluir numa Lei do Orçamento do Estado uma norma que obrigava a não renovar o contrato de uma parte dos contratados a termo na Administração Pública, ou seja dos trabalhadores que estavam em situação precária, mas que o estavam de forma regular: sabia-se como tinham sido admitidos, o que faziam, em que data cessava o contrato. Com o fim do ciclo político destaparam-se dezenas de milhares de contratações ocultas, atípicas ou mesmo ilegais, e abriu-se um PREVAP para vincular os interessados através de concursos com vencedores conhecidos à partida. Entretanto faltam funcionários noutros sectores, como no processamento de pedidos de pensão, dos subsídios de funeral, na ADSE e nos registos. Sabe-se disso desde há anos, e há alguns concursos abertos mas paralisados por falta de funcionários para assegurar a sua tramitação. E não saímos disto. Antes que venha uma nova troika, é preciso aprender a fazer planeamento e gestão de efectivos.

Ponto prévio: Empresas públicas

As entidades com estatuto empresarial ou para empresarial que se regem pelo Código do Trabalho devem voltar a decidir, em plena responsabilidade, sobre a contratação do seu pessoal, sem necessidade de autorização casuística de ministros. Admitam pessoal em regime de contrato por tempo indeterminado e contrato a termo certo ou incerto nos termos da lei, fiquem obrigados a reconhecer os vínculos laborais gerados irregularmenente. Extingam postos de trabalho com indemnização, se for caso disso, observando o disposto na lei. E os seus administradores que respondam perante a tutela através dos instrumentos de prestação de contas legalmente consagrados.

Sei evidentemente que uma parte das empresas públicas e entidades criadas com regime de direito privado estão no perímetro de consolidação da Administração Pública porque não reúnem as condições necessárias. Mas isso não tem de querer dizer que fiquem sujeitas às regras da Administração Pública. Se necessário é o seu regime jurídico que deve ser alterado.

Ponto Um: Elaborar mapas de pessoal plurianuais de horizonte deslizante.

É importante, com um horizonte de vários anos, prever, ano a ano, quem vai sair, quantos – número e qualificações – precisarão de ser admitidos, e refazer todos os anos esse exercício, ou seja, trabalhar com um horizonte deslizante.

Depois de preenchidos os mapas a informação deverá ficar acessível aos organismos central orçamental, central de gestão de recursos humanos e seus homólogos de âmbito ministerial.

Os dirigentes máximos devem obrigatoriamente, em função dessa informação, formular propostas aos membros do Governo que em relação aos respectivos organismos disponham de poderes de hierarquia, superintendência ou tutela.

Ponto Dois: Realizar contratações de pessoal apenas nos limites dos mapas, publicitando-as integralmente no Diário da República.

Ou seja, é de reverter a esperteza “desburocratizadora” que desobrigou as entidades empregadoras públicas de publicar as contratações a termo no jornal oficial.

Aprovados os mapas, dispensar-se-á qualquer autorização casuística para o lançamento de procedimento concursal ou oferta pública.

Ponto Três: Punir mais eficazmente quem promova admissões de pessoal irregulares, designadamente através de aquisição de serviços quando a relação seja de facto de trabalho subordinado, ou que não faça publicar a admissão no Diário da República.

A lei já prevê desde 1998, e a sua generalizada não-aplicação explica a amplitude do PREVPAP, que as contratações em regime de aquisição de serviços que encubram relações de trabalho subordinado são nulas, sem prejuízo dos efeitos produzidos até à sua cessação, que deverá ser imediata. O que implica salvaguardar remuneração e contagem de tempo de serviço.

A lei também prevê a responsabilidade financeira e disciplinar dos dirigentes máximos, coisa a que ninguém liga e a que os ministros fecham os olhos.

Ora exercer funções públicas sem se ter sido regularmente admitido é uma indignidade e um escândalo. Já que anda tudo a ser criminalizado, proponho que quem exerça funções sem ser regularmente admitido e quem seja responsável pela admissão ou seu cúmplice por encobrimento passe a responder por crime de usurpação de funções.

Garanto que depois dos primeiros processos os casos cairão a pique.

A chaga das admissões irregulares vem desde os tempos de Salazar e tenho o gosto de elogiar aqui Fernando Santos e Castro, que ainda antes de ser (um notável) Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e posteriormente Governador-Geral de Angola criticou fortemente esta prática numa reunião da Comissão Interministerial de Planeamento e Integração Económica realizada em Outubro de 1966 para debater o Relatório Preliminar do Grupo de Trabalho nº 14 – Reforma Administrativa, o qual também fazia reparos às situações de precariedade, que continuaram a ser reeditadas até aos nossos dias e não devem ser sanadas através de concursos com fotografia, que mais não são do que fraudes legalizadas.

Ponto Quatro: Permitir que qualquer trabalhador possa mudar de organismo por sua iniciativa sem necessidade de autorização do dirigente máximo do organismo a que pertence.

Durante muito tempo acreditou-se, e propalou-se, que os funcionários não transitavam entre organismos por estarem habituados à comodidade dos seus lugares de quadro e serem avessos a mudanças

Na altura da elaboração do Orçamento do Estado para 2006 alguém percebeu enfim que as principais “forças de bloqueio” eram os dirigentes máximos dos organismos de origem e fez incluir no diploma que regulava o regime jurídico de emprego público o seguinte:

Artigo 27.º-A

Recusa de requisição ou transferência

  1. A requisição e transferência de funcionários e agentes no âmbito da administração central só pode ser recusada pelo seu serviço de origem quando fundamentada em motivos de imprescindibilidade para o serviço de origem.
  2. A recusa a que se refere o número anterior depende de despacho de homologação do membro do Governo que tutela o respectivo serviço, devendo ser comunicada ao serviço e ao funcionário ou agente interessados no prazo de 30 dias contados a partir da data de entrada do pedido no serviço de origem do funcionário ou agente.
  3. A falta de comunicação da recusa dentro do prazo determina o deferimento do pedido.»

Infelizmente com o regime de contrato de trabalho em funções públicas aprovado posteriormente veio a ser restringida a mobilidade voluntária.

Ponto Cinco: Agilizar o processo de transição de efectivos entre organismos de modo a não implicar a cessação transitória de funções.

A criação a partir da Revolução de Abril de quadros de adidos visou recolocar efectivos de entidades na altura em processos de extinção, como as federações de municípios, e, posteriormente, das administrações coloniais, num quadro geral de adidos que seria extinto em 1984.

Alexandra Leitão

Todavia, a partir de 1982, começaram a ser publicados pacotes de legislação sobre função pública que quase invariavelmente incluíam um diploma sobre constituição de excedentes, efectivos interdepartamentais, disponíveis, supranumerários, em mobilidade especial, em requalificação, etc. De modo geral a constituição de excedentes passava pelo recurso à prévia extinção ou reestruturação de organismos por via legislativa muito embora a lei tenha passado a admitir também a selecção de excedentes por acto de gestão, numa espécie de “concurso de expulsão”.

O pessoal desta forma desocupado ficava, enquanto não fosse recolocado, numa espécie de “quadro” por onde eram pagos os vencimentos, com reduções progressivas que a legislação de Pedro Passos Coelho quis fossem até à desvinculação, medida que esbarrou no Tribunal Constitucional que já obrigara em 1992 a reformular um diploma de Braga de Macedo, e com Passos Coelho foi coerente uma vez que só deixara passar a lei de vínculos, carreiras e remunerações com que José Sócrates convertera a quase totalidade das nomeações em contratos de trabalho em funções públicas porque estava garantida em regime transitório a estabilidade de emprego inerente às antigas nomeações.

Esta técnica apresentava e continua a apresentar dois grandes tipo de inconvenientes:

  • por um lado estigmatiza o pessoal colocado em mobilidade, que, mesmo que não tenha havido selecção interna, surge aos olhos dos dirigentes dos potenciais serviços empregadores como presumivelmente incompetente;
  • por outro dificultava a gestão dos quadros de “excedentes” cujos serviços gestores perdiam de facto o contacto com os interessados, mostrando os números que foram vindo a público nos últimos anos em que um sistema deste tipo funcionou que muitos acabavam por se aposentar.

Sei do que estou a falar: entre 1993 e 1994 exerci funções como Subdirector-Geral no Ministério da Educação, que recorria cronicamente a destacamentos e requisições de professores para os seus serviços centrais e consegui, com alguma resistência, duas listas para entrevistas – a de cento e tal colocados no quadro de efectivos inter-departamental “gerido” pela Direcção-Geral da Administração Pública, sujeitos a cortes de vencimentos, e de umas dezenas de efectivos de serviços já extintos do Ministério da Educação que continuavam a receber por inteiro pois pertenciam ao Quadro Único deste.

Encontrei uma série de quadros que estava já dedicada a outras actividades (privadas) e sem desejo de voltar ao activo e recuperei, muito contra o interesse do próprio, um deles, excelente profissional de economato. Encontrei alguns que desejavam voltar a trabalhar e dei essa oportunidade a uma psicóloga clínica que foi trabalhar para o Núcleo de Educação Especial. E dos que compareceram às entrevistas, recordo dois casos de gente psiquicamente desequilibrada. Será que preciso dizer mais?

Que fazer?

Jorge Coelho

Neste momento não está em vigor legislação do tipo que referi, como aliás sucedeu, em resultado das mesas de negociação entre Jorge Coelho e os sindicatos, no ciclo de Guterres.

No entanto os ajustamentos na distribuição de efectivos, que são necessários, não ocorrem espontaneamente. Pode ser que a questão seja ultrapassada se, removidos os prémios de permanência inerentes ao regime tradicional de função pública, vier a instaurar-se uma verdadeira circulação de pessoal entre o Estado e os empregadores privados . Porém, duvido, e parece-me de apostar num quadro de previsão plurianual da evolução de efectivos, como indiquei, em incentivos à mobilidade interna geográfica, de que já temos experiência, e em incentivos temporários, tipo uma majoração nos três primeiros anos de vencimento à mobilidade interna profissional para organismos sensíveis.

Está o actual governo em condições de pensar um tal sistema de gestão de efectivos? Talvez, já são três cabeças em lugar de uma: onde havia antes uma secretária de estado, há hoje uma ministra, uma secretária de estado adjunta e um secretário de estado. Pelo menos, mostrem que se sabem gerir a si próprios.

 

 


Previa também inicialmente a lei que os sindicatos tivessem acesso às contratações em regime de prestação de serviços, para as fiscalizarem. Que eu saiba só o Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) pediu esta informação a todas as instituições de ensino superior, sendo que a maioria não respondeu. Uma Universidade da periferia apresentou uma lista de colaboradores que envolvia um capelão, um cozinheiro e dezenas de técnicos superiores mas nenhum dos docentes a recibos verdes que sabíamos existirem. A lei já foi alterada suprimindo a previsão de intervenção dos sindicatos, que não protestaram.

Pai de José Duarte Ribeiro e Castro, meu colega no Liceu Nacional de Padre António Vieira.

DL 427/89. de 7 – 12.

O primeiro foi o DL 167/82, de 10-5.

Na fase final os serviços do INA desenvolveram um esforço meritório. Tentei pessoalmente indagar junto do Ministério de Vieira da Silva como foi conduzido por Pedro Mota Soares do processo de colocação em requalificação de mais de mil funcionários mas o seu Gabinete nem sequer me respondeu.

Director Adjunto do Departamento da Educação Básica

Obviamente no interesse dos próprios: lembro-me de uma professora colocada como efectiva em Bragança, que uma “Coordenadora de Núcleo” amiga e um Director-Geral complacente chamaram nos serviços centrais.


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