Adejam as mãos e a gravata vai como pêndulo, por vezes com uma nódoa mais ou menos explosiva de molho de tomate. À hora de almoço são chusmas que se sentam em frente à feijoada de chocos, num tasco, barba imberbe ou escanhoado ferido. Têm o imponente ar do mundo adulto.
Fardados pelo costume, mudam de postura se almoçam com uma colega de trabalho. Se é feia, descuidam os seus movimentos. Se são muitas, sentem-se no harém da avenida onde trabalham. Se é bonita ou com ar de inatingível, são uns cordeiros de regresso aos seus 14 anos, sem saber como falar com uma rapariga. Amiúde deixam cair comida da boca, limpam-se mal com o guardanapo e fica um rasto de refogado no canto da boca.
Os homens de gravata à hora de almoço têm o seu momento de felicidade. Podem finalmente expôr, da sua torre de narciso, a diferença. No banco, na empresa, na consultora, são iguais, iguais à farda. Na tasca, no restaurante, eis o momento da afirmação.
Tentam por tudo chamar a atenção. Querem sair da concha e chamam o empregado com maus modos, para manter a sua superioridade trajante. Uns levantam o braço e esticam dois dedos, flectindo-os, num “anda cá, rapaz”. Falam alto para que os oiçamos. Dizem disparates, claro. Convencidos da sua claridade política, futebolística, contemporânea, disparam ao berros:
“O Maxi! O Maxi esteve mal, não achas, Vera?”
A Vera, de saia travada e olhar maçado, diz baixinho “não vi o jogo”, e ele insiste, porque lhe falta assunto
“Uma miséria. Então como estão os teus projectos lá do departamento”?
Ela desdenha os assuntos, mas compreende que a gravata apenas aponta para o pélvis e que este ainda é o menos chato de todos os colegas, que nunca tentou fazer piadas ordinárias a ver se a “come” ou não lhe conta misérias de aventuras juvenis, do tempo sem gravata, a ver se ela se impressiona.
Numa mesa ao lado um bando de gente normal algazarra sobre temas variados e dispara innuendos como se fossem segredos de cama, dos quais se riem. Essa gente de camisola e camisa aberta, aos olhos das gravatas e das Veras, devem ser o perigo final para a sociedade. Aparentam uma falta de regras impossíveis.
Quando, no entanto, há sete Veras à mesa, o chilreado passa sempre pela bimby, os filhos, a televisão, os rabos deles (mas em surdina) ou os costumes dos maridos, quando os há, ou a venturosa inveja da solteira ou divorciada. Ou piadas, da net. Ou o que se viu no facebook. Gravatas nas Veras, no fundo.
João Soares e Vieira da Silva bem podiam começar a distribuir um pacote do Inatel dedicado a esta boa gente. Livros do Alberto Pimenta e do Luís Pacheco, viagens aos bas fonds decadentes, visionamentos da Montanha Sagrada e do Rocky Horror. Ou, se tiverem passado por tudo isto e continuam de gravata e de Vera, então o problema é simples: são prisioneiros de uma vida que lhes deve custar horrores.
Aí, só podemos dar-lhes o plano da fuga do Joaquim Serra ou do Álvaro.
Pode ser que saltem para o barco ou fujam na bagageira.