Um estudo publicado este ano por Geiger & MacKerron no jornal “Social Science & Medicine”, vem trazer-nos alguns aspectos interessantes na abordagem que se faz ao álcool e ao sentimento de felicidade que os alcoólicos lhe associam.
Na verdade, a felicidade a longo prazo não é muito afectada pela ingestão normal de álcool, escrevem neste estudo. O que quer dizer que deixar de consumir não vai deixar as pessoas infelizes, ao contrário do que julgam acontecer – e com convicção.
O que o álcool consegue fazer de facto, é fazer as pessoas sentirem-se felizes num curto espaço de tempo. Porém, todos esses episódios de felicidade juntos não somam uma diferença mensurável a longo prazo.
O efeito a longo prazo do álcool na sua felicidade pode surpreendê-lo. Na verdade o que os pesquisadores descobriram – verdade que qualquer alcoólico sabe, mesmo que não o assuma – é que as pessoas com um problema com o álcool tornam-se gradual e progressivamente menos satisfeitas com a vida, ao longo do tempo de consumos.
Esta conclusão vem do estudo que analisou a felicidade das pessoas ao longo de mais de uma década e a ligou à sua ingestão de álcool.
Não é muito difícil entender o que se passa. De facto, ao ingerir álcool a satisfação imediata apodera-se do cérebro. Os momentos seguintes serão mais ou menos “felizes” conforme o tempo de uso da substância na pessoa. Um alcoólico com vários anos de consumo vai precisar de quantidades cada vez maiores para conseguir ter um tempo cada vez mais limitado de “prazer”. É um facto recorrente e clínico em todas as adicções a substâncias. Isto deve-se ao facto da doença ir ganhado resistência ao longo do tempo – ou seja, passa a haver uma maior tolerância.
A procura de felicidade imediata, ou prazer imediato, é idêntica em qualquer situação de dependência química.
O problema começa quando, ao ingerir álcool, esse prazer passa a ser cada vez mais diminuto. Ao longo de tempo, desaparece por completo. Contudo, o doente continua a beber, mesmo sentindo que já não é por prazer – ou pelo menos não aquele prazer que sentia inicialmente – e, pior, muitas vezes até com esforço. Os primeiros copos vão alienar essa indisposição. Rapidamente parece que tudo “volta ao normal”. E assim se fecha o ciclo vicioso.
Dados os sinais físicos que se vão manifestando – e são muitos – os doentes apercebem-se de que as coisas estão a correr mal. Contudo não vai ser isso que os irá demover de continuar o seu processo de auto-destruição. Sabendo e sentindo, continuam a obedecer às ordens severas do cérebro doente, que incita sem dó nem piedade a continuar a beber.
Usando múltiplas desculpas (mecanismo de defesa que, a par da negação caracteriza um adicto no activo) – quer para si próprio, quer para os que lhe são próximos, o alcoólico continuará a caminhar rapidamente para o fundo do túnel, até à morte se for preciso, excepto se apanhar um “susto” grave e com uma força ainda maior do que a sua doença.
Não deixar de beber não é uma fraqueza do alcoólico – e este aspecto tem que ser reforçado muitas vezes, dado que em Portugal temos ainda sérios equívocos e reservas relativamente ao alcoolismo. O alcoolismo é uma doença. E mesmo com os melhores tratamentos existentes mundo fora, morre-se muito por sua causa. Muito mais do que se rabisca nas estatísticas, onde as causas de morte saem enviesadas (ataques cardíacos, úlceras, cirroses, diabetes, quedas graves, etc). Tudo doenças mortais que muitas vezes se devem ao abuso do álcool, agravando-se ao longo do tempo.
O álcool continua ainda a ser associado desde muito cedo a celebrações, festa, felicidade, companhia, encontros românticos, encontros de trabalho, encontros de qualquer tipo. É a garrafa de vinho que se leva quando se é convidado para jantar em casa de amigos. É a cerveja que patrocina Festivais de Música, todos os eventos para jovens afins. É o whisky que aconchega as conversas mais interessantes ou diletantes.
Associado aos momentos de felicidade e aos momentos de tristeza, para o alcoólico – que já não precisa de razões – o facto é que esta é a única substância pela qual se pode morrer de ressaca.
Há que dar a palavra aos milhões de alcoólicos em recuperação que existem mundo fora, que nos podem contar como aquele falso sentimento de felicidade ou conforto não era mais do que a doença a falar com ele.
Sendo muito difícil sair-se do ciclo da adicção, o facto é que é possível. Mesmo que se torne muito difícil entender, em fases já avançadas da doença, que aquilo que sentem já não é felicidade. Já não é conforto. Já não é mais do que a subida ao altar da auto-destruição, que leva quase sempre consigo uma boa dose de co-dependentes : família, amigos, colegas que quiseram ajudar e não conseguiram. Porque não sabem como fazer.