Um blog informativo – AICL Colóquios da Lusofonia – resolveu relembrar as palavras do decano da ciência meteorológica em Portugal em declarações públicas datadas de 2016 (e que relembram outras mais circunstanciadas de 2008) sobre o que se tornou a monomania mundial nas últimas duas décadas: a chamada catástrofe do aquecimento global mais recentemente rebaptizada de forma menos sensacionalista de ‘mudanças climáticas’.Começando pelo elementar, o Professor João Corte Real relembra o que a ciência sabe há muito tempo: a composição da atmosfera tem um impacto essencial na absorção da radiação reflectida pela terra. A vasta alteração dessa composição por efeito da emissão das actividades humanas nos últimos séculos tem um grande potencial de aquecimento da terra e de alteração climática.
É uma das muitas preocupações com o impacto do modelo de crescimento que a comunidade científica tem trazido a lume. No início dos anos 1990, com a Cimeira do Rio, a questão estava devidamente equacionada, lado a lado com muitas outras, incluindo as que têm a ver com a capacidade da humanidade para ultrapassar situações de pobreza em que possa equacionar o seu bem-estar à custa do ambiente.
Aquecimento global
Depois disso, a problemática do ‘aquecimento global’ não só se desintegrou do seu contexto ambiental como passou a alimentar dois movimentos aparentemente diferentes mas que tinham em comum a dissociação das emissões atmosféricas de actividades humanas de uma agenda ambiental integrada.
No Parlamento Europeu, em especial nos sectores tidos como mais preocupados com o ambiente, habituei-me a ver alguns colegas anglo-saxónicos a invocar emissões de carbono de manhã à noite, numa contabilidade abusivamente apelidada de ‘pegada ecológica’ num discurso cada vez mais unidimensional.
Por outro lado, colegas tradicionalmente mais conservadores e pouco sensíveis a temas ambientais aderiam frequentemente à onda, adaptando-a agilmente à sua agenda. Na Comissão das Pescas do Parlamento Europeu vi assim os meus colegas menos sensíveis a preocupações ambientais a tornar-se indefectíveis adeptos da preocupação com o aquecimento global. A resposta para a exaustão de recursos piscícolas tinha deixado de ser sobre-pesca, utilização de artes e métodos predatórios, pressões insustentáveis na cadeia alimentar, rarefacção do oxigénio marinho por efeito da poluição de origem agrícola e outra e passado a ser um refrão único: ‘aquecimento global!’
Como fenómeno global que mexe com todos nós, o aquecimento global é a panaceia ideal para desresponsabilizar todos das suas acções e permitir que continuem a maltratar o ambiente como se nada pudessem fazer para o evitar. Como seres vivos, produzimos CO2, e o que quer que seja que façamos, implica necessariamente a sua produção, em maior ou menor escala.
Rapidamente dei-me conta que não era só no mar que podíamos observar o fenómeno. Secou o mar de Aral na Ásia Central, o lago Poopó na Bolívia – alvo de uma recente e excelente reportagem pelo Guardian – ou o lago Orumieh no Irão? Não o problema não foi o desvio dos cursos de água para rega de culturas intensivas, o problema é o ‘aquecimento global’! E entre nós, incêndios devastadores? A questão não é ausência de registos de propriedade, incúria na prevenção de incêndios, ausência de planeamento rural e florestal, lógica predatória do território e do ambiente, o problema é o ‘aquecimento global’!
Desertificação por efeito de todas estas práticas? Não, é tudo ‘aquecimento global’!
Pior ainda, dei-me conta que as verdadeiras medidas para combater as mudanças atmosféricas – fundamentalmente investigação e desenvolvimento em energia e alimentação inteligentes – estavam e estão extremamente secundarizadas nas convenções e acordos internacionais e substituídas por sofisticadas mas pouco fiáveis equações de toneladas de carbono ou carbono equivalente emitidas traduzidas em graus de temperatura. Tudo isso foi em seguida transformado em compromissos internacionais que requerem uma pesadíssima mas ineficaz máquina de contabilização e controlo de emissões, e serviu e serve para a produção de esquemas bolsistas e de subvenções cruzadas minados pela corrupção e de duvidosos impactos nos efeitos atmosféricos.
Na União Europeia chegou-se ao ponto de criar, lado a lado da Direcção Geral do Ambiente, uma outra para as alterações climáticas que rapidamente absorveu a atenção (e os recursos) de que a sua predecessora usufruía.
Como me dizia a Embaixadora de um dos mais importantes países do mundo que representou o seu país na Comissão das Nações Unidas que seguiu as mudanças climáticas ‘é difícil acreditar em previsões científicas obtidas por negociação política’.
Tudo isso foi substancialmente agravado por um debate de adivinhos que a cada descida ou subida de temperatura, a cada ciclone ou golpe de calor, proclamavam a verdade das suas previsões, como se uma matéria desta natureza pudesse ser tratada desta forma.
Acordo de Paris
O ‘Acordo de Paris’ foi um momento culminante neste estado de coisas. Não sendo um tratado, nem impondo medidas a quem quer que fosse, a garantia de limitação da temperatura global pelo cumprimento do acordo não tem qualquer base científica. Como facilmente entende quem se der ao trabalho de ler com conhecimento e sentido crítico as intenções da Presidência francesa, a salvação da sua ameaçada indústria nuclear é uma preocupação prioritária dos promotores do acordo. A energia nuclear – como nos lembra na citada entrevista o Professor João Corte Real – é provavelmente um problema mais preocupante para a humanidade do que o aquecimento global que pretende remediar.
A posição do Presidente Trump de não ratificar o acordo de Paris – tema ideal para a sua campanha populista de reeleição em 2020 – foi aqui providencial para o clube do aquecimento global, permitindo-lhe passar a dispor de um mau da fita, condição essencial para o sucesso de qualquer fita.
À conta do aquecimento global promoveram-se culturas ou florestas dedicadas a material combustível, com efeitos reais negativos nas emissões atmosféricas, e muito mais negativos ainda na biodiversidade, e fez-se do gás natural a fórmula mágica anti-emissões, até nos darmos conta que a sua extracção provoca frequentemente emissões superiores à da queima do carvão.
Ao mesmo tempo que se fez a hipertrofia do aquecimento global, escamotearam-se todos os outros elementos fundamentais da agenda do que foi o desenvolvimento sustentável traçada no Rio, a começar pela pobreza, tema a que já dediquei um extenso artigo aqui no Tornado.
Sobre esta, por exemplo, como compatibilizar a proclamação das Nações Unidas de que a pobreza extrema atinge agora apenas 14% da humanidade com a sua estimativa de que um terço da humanidade não dispõe de condições sanitárias mínimas?
Ausência de condições sanitárias mínimas não será uma situação de pobreza extrema? A realidade é que a monomania do aquecimento global marginalizou, quando não perverteu a agenda ambiental.
Desertificação, salinização, deflorestação, desoxigenação das águas, poluição difusa, destruição da biodiversidade, poluição radioactiva são exemplos de ameaças ambientais que têm todas de ser tidas em conta, lado a lado com as alterações atmosféricas, por uma política ambiental integrada com o combate à pobreza como única forma de progredirmos.
O puritanismo fanático de origem anglo-saxónica, como todos os fanatismos, não é a forma aconselhável de olharmos para o assunto e esconde facilmente interesses que nada têm a ver com a defesa do ambiente. A dedicação de recursos públicos, o incentivo ao uso de recursos privados, um quadro legal tão eficaz, simples e partilhado quanto possível, uma estratégia comunicacional ponderada que recorra à informação objectiva, apele à reflexão e que seja independente de interesses particulares, são elementos essenciais de uma estratégia ambiental integrada de sucesso.