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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Por que a reforma trabalhista de Temer deu errado

Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Carolina Maria Ruy, em São Paulo
Pesquisadora, coordenadora do Centro de Memória Sindical e jornalista do site Radio Peão Brasil. Escreveu o livro "O mundo do trabalho no cinema", editou o livro de fotos "Arte de Rua" e, em 2017, a revista sobre os 100 anos da Greve Geral de 1917

A economia é tema central nas eleições presidenciais e a reforma trabalhista de 2017 é um grande alvo de disputas. Lula e Ciro, candidatos da esquerda, denunciam, com razão, o caráter escravocrata da medida imposta de forma arbitrária e unilateral.

A reforma foi aprovada em um contexto de avanço da extrema-direita, dentro de um grande processo que fez o mundo girar algumas décadas para trás.

Para falar sobre isso, voltamos para a crise de 2008, com seu impacto global comparável ao causado pela grande depressão de 1929 que, por sua vez, pavimentou a ascensão do nazismo.

Seguiram-se à crise de 2008, manifestações como a Primavera Árabe (a partir de dezembro de 2010), o Occupy Wall Street, em 2011, e o junho de 2013 no Brasil (além de outras pelo mundo, como na Ucrânia em 2014).

Manifestações aparentemente populares, mas que escondiam um lado forte de despolitização já que eram essencialmente antissistema e insufladas pelas redes sociais.

Cabe aqui pontuar que naqueles mesmos anos ocorreu a disseminação de smartphones e das redes sociais, um fenômeno que impactou fortemente na maneira como as populações lidaram com a crise.

No Brasil, junho de 2013 foi um marco na história recente. Um marco a partir do qual foi deflagrada uma ofensiva antipolítica, e também contra a esquerda e os movimentos sociais.

Da crise de 2008 e da catarse social de junho de 2013 no Brasil, nasceram as condições para se viabilizar a Lava Jato, o governo Temer, a ampla retirada de direitos sociais e a eleição de um deputado federal que se vendeu como antissistema.

A reforma trabalhista foi um dos grandes golpes da elite do mercado financeiro contra o povo trabalhador. Foi o maior desmonte da CLT de uma só vez desde seu advento em 1943. E ela chegou com um discurso de “modernização” e geração de empregos.

Não houve resistência no parlamento capaz de conter a reforma e a resistência popular foi baixa já que os movimentos vinham de um processo de perdas e de desmobilização.

Mas hoje, depois de 5 anos de reforma, vemos claramente a falsidade do discurso que permeou sua implantação. O Brasil descambou para a marca de mais de 9 milhões de desempregados, avanço do trabalho informal, precário, como o trabalho de entregadores por aplicativos, para o rebaixamento do rendimento médio da população, para a disseminação da fome e da exclusão.

Isso porque, ao contrário de seu marketing falacioso, ela é um retrocesso e não uma modernização.

O caráter escravocrata da reforma trabalhista

No artigo A velha exploração do trabalhador nas novas relações de trabalho, publicado em julho de 2020, levantei a desproporção do tempo de existência da CLT com a duração da escravidão no Brasil a fim de demonstrar como a mentalidade escravista está enraizada e é resistente à avanços sociais.

Apontei, neste sentido, que são apenas 79 anos em que o trabalhador tem acesso a segurança e proteção social contra mais de 300 anos em que o trabalhador não apenas não tinha nenhum direito, como era uma propriedade do patrão.

E ainda, considerando que nestas quase 8 décadas da CLT tivemos períodos de ditadura e governos repressivos, como o fim do Estado Novo, o governo Dutra e os 20 anos de ditadura militar, temos um período muito curto de evolução da cidadania no Brasil.

A conclusão é que CLT não é velha. Ao contrário, ela é resultado da organização de trabalhadores em torno da defesa de direitos e marca um processo de industrialização, de urbanização e modernização do país.

E que a conquista de direitos trabalhista a partir de 1930 e da CLT em 1943, forçou a sociedade a desenvolver uma nova visão sobre o trabalhador, que passou a ser visto como cidadão, representando, desta forma, uma ruptura radical com a mentalidade escravocrata que se perpetuou para além de 1888.

Se por um lado a CLT proporcionou a formação de uma classe média consumidora de produtos e serviços, por outro, seu desmonte congregado principalmente na reforma trabalhista fez o caminho inverso, retirando a população da classe média e a jogando-a na pobreza.

O mote “Modernização trabalhista, direitos garantidos e novas oportunidades”, sob o qual a reforma trabalhista foi sancionada, traduz justamente o inverso do que aconteceu nos últimos anos.

A reforma produziu um efeito contrário à modernidade que pregava. A começar pela industrialização brasileira, que perdeu fôlego e ficou ainda menor no cenário mundial como mostram diversos estudos. O Brasil neste período vem reforçando sua posição de exportador de matéria prima e importador de tecnologia e perdendo competitividade global.

A realidade impõe a emergência de um novo tempo

Todo esse movimento que se desenvolveu desde a crise de 2008, teve uma base robusta com capilaridade em vários países conseguindo favorecer um projeto de poder.

Mas ele tem um limite que é a realidade que se impõe, as dificuldades que surgem e que são piores justamente por causa dos entraves que ele criou.

Uma pesquisa recente, que mostrou que 33 milhões de pessoas passam fome no Brasil, explica que as dificuldades advindas da pandemia e da má gestão do governo Bolsonaro foram agravadas pelas reformas liberais como a reforma trabalhista, a reforma da previdência e a PEC do teto de gastos.

Ou seja, a destruição de políticas públicas iniciada em 2016 tornou mais difícil lidar com a pandemia e com a crise econômica de 2020 a 2022.

É uma realidade que coloca em xeque toda a sustentação ideológica que deu suporte à reforma trabalhista.

O crescimento da extrema-direita e de uma política neoliberal não conseguiu dar respostas aos problemas mais básicos e imediatos da população. Ao contrário, agravou os problemas. E hoje vemos o retorno de ideias mais progressistas no centro do debate público.

Se em 2018 o discurso antiesquerda, antissistema, antimovimentos sociais e, portanto, antissindical, era forte e mobilizava boa parte da população, hoje esse discurso perdeu força e volta a estar em alta um discurso mais social, de proteção aos trabalhadores.

Hoje vemos o presidente Joe Biden dos EUA, eleito em 2020, defendendo abertamente os sindicatos. E na Espanha, uma revisão da reforma liberal que eles tinham feito em 2012, revogando vários pontos.

Vemos também uma alta do discurso progressista no Brasil.

Uma pesquisa divulgada pelo Datafolha no início deste mês mostra que a identificação dos brasileiros com a esquerda cresceu e alcança hoje 49%, enquanto a direita caiu e representa 34%.

Em 2014, quando esse processo de expansão da direita e de megamanifestações insufladas pelas redes sociais estavam no ápice, 45% eram identificados com a direita e 35% com a esquerda.

A pesquisa também mostra que subiu de 38 para 47% as pessoas que acham que os sindicatos são importantes para defender os interesses dos trabalhadores. Ou seja, depois da reforma, melhorou a imagem dos sindicatos.

Isso não quer dizer que está tudo resolvido. Mas sim que há uma tendencia geral sobre a qual precisamos trabalhar. Reafirmar o papel do movimento sindical como uma das forças mais modernas e civilizatórias da sociedade, que é capaz de engajar, politizar e conscientizar o trabalhador.

Reforçar essa ideia em um processo de superação da fase de retrocessos que vivemos desde 2008 e de retomada do desenvolvimento do país para reconectar a política, o movimento sindical com os anseios populares e com aquilo que de fato mobiliza o povo.


Texto em português do Brasil

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