A moradora de 17 anos de Minneapolis mostrou habilidade ao registrar a tragédia de George Floyd para a posteridade
A cinegrafista mais influente do momento pode ser uma garota de 17 anos sem formação audiovisual do qual você provavelmente nunca ouviu falar: Darnella Frazier. Movimentos de combate ao racismo e comentaristas já a consideram uma das grandes influências do século XXI, e provavelmente estejam certos.
Ela não apenas conheceu um momento único da história – a morte de George Floyd na esquina de Minneapolis no crepúsculo de 25 de maio – como também a gravou em uma cena única. Mesmo com tantos pretos sendo assassinados do mesmo jeito, mesmo com muitos desses momentos tendo sido filmados, foi o vídeo dela que expressou o horror em todo o planeta, acendendo a centelha na pradaria.
Os Estados Unidos pegaram fogo por mais de uma semana, desde que ela postou seu vídeo de 10 minutos e seis segundos em sua página do Facebook, às 2:26 da manhã, após a morte de Floyd. Desde aquele momento, milhões de americanos começaram a protestar contra a brutalidade policial em todo o país, o policial Derek Chauvin de Minneapolis foi demitido e acusado de assassinato, enquanto seus três colegas policiais foram acusados de cumplicidade. E o presidente Donald Trump foi visto fugindo de seu bunker da Casa Branca para posar com uma Bíblia ao lado de uma igreja. Ele apela para a Bíblia toda vez que está em desespero.
Mas não foi prestado respeito suficiente a Frazier e à habilidade que ela demonstrou ao registrar essa tragédia para a posteridade. Usando seu iPhone com zoom óptico de 2x, Frazier se moveu sutilmente dentro de um quadro caótico para capturar os últimos suspiros de Floyd e, somente quando solicitada, afastou sua câmera de Floyd para capturar o desânimo dos espectadores. Ela captou o completo mistério do estoico Chauvin, e os pequenos detalhes do estrangulamento, desde o joelho até o pescoço de Floyd. A mão dela estava firme enquanto esses espectadores e Tou Thao, o ajudante inerte de Chauvin, ocasionalmente bloqueavam sua visão. Por fim, Frazier encontrou uma maneira de manter seu rosto no quadro – mesmo quando ela tinha apenas uma mira de dez centímetros de largura – até o momento em que os paramédicos levaram Floyd para fora.
E ela fez tudo isso de uma só vez – o tipo de trabalho cinematográfico vistoso que ganhou fama por Orson Welles em “Touch of Evil”, Martin Scorsese em “Goodfellas” e Alfonso Cuarón em “Children of Men”. O que teria acontecido se Frazier fizesse uma pausa de cinco segundos, especialmente nos primeiros sete minutos e 40 segundos de seu vídeo que pegou Chauvin triturando Floyd até ficar inconsciente antes de tirar o joelho do pescoço dele? A resposta é simples: a lacuna no vídeo resultaria em gritaria de “Fake news!”
É claro que Frazier não receberá um Oscar por seu filme. Mas mesmo no panteão de jornalistas famosos, provavelmente haverá obstáculos em que Frazier se junte às fileiras de Abraham Zapruder, que filmou o assassinato do presidente John F. Kennedy em 1963 e George Holliday, que capturou o espancamento de Rodney King pela polícia de Los Angeles em 1991.
Zapruder era um homem branco, assim como Holliday. Zapruder recebeu mais de US$ 16 milhões em taxas por uma simples tomada da esquerda para a direita da comitiva presidencial e Holliday ainda recebe licenciamento de seu vídeo do tipo “aponte e dispare” em seu site, quase 30 anos depois.
Frazier era a jornalista cidadã certa na hora certa, não seja reconhecida por suas imagens, que mostraram à América o quão pouco as coisas mudaram para os cidadãos negros. Na verdade, ela pode até sofrer represálias, como Ramsey Orta, o homem meio-preo e meio-porto-riquenho que gravou corajosamente a morte do tipo “não consigo respirar” de seu amigo Eric Garner em Staten Island em 2014. Cumpriu uma sentença de quatro anos por acusações de armas e drogas, quando alegou ter sofrido assédio sistemático na prisão pelos policiais.
Advertência: Mais evidências em vídeo do assassinato de Floyd estão surgindo diariamente, desde imagens de câmeras de policiais até gravações de câmeras de segurança de empresas próximas ao incidente. E Frazier não capturou as ações dos outros dois policiais indiciados no local da morte, nem os momentos imediatos antes de Floyd ser preso na calçada.
Desde a publicação do vídeo, as notícias sugerem que Frazier já recebeu sua fatia de ódio supremacista branco. Mas mesmo que a America branca volte a dormir sobre o movimento Black Lives Matter (Vidas Pretas Importam), mesmo que outro policial branco desligue a câmera do corpo durante um violento encontro com um suspeito, o vídeo de Frazier continuará como a mais irrefutável evidência de um assassinato medonho.
Enquanto o olho humano reconhecer uma imagem, o nome de Frazier não deve ser esquecido.
Traduzido e adaptado do texto de Ross Johnson, para The Wrap | Texto original em português do Brasil
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