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Quarta-feira, Julho 17, 2024

Por um Serviço Nacional de Justiça

Carlos de Matos Gomes
Carlos de Matos Gomes
Militar, investigador de história contemporânea, escritor com o pseudónimo Carlos Vale Ferraz

Os partidos já entregaram os seus programas e apresentaram os seus candidatos. Boa ocasião para apresentar um desejo não contemplado, que tenha visto. Um assunto que não pode estar fora da acção dos executivos: o exercício da justiça.

O exercício da justiça devia mesmo ser um ponto central dos programas do governo. Como se propõem os governos garantir aos cidadãos o serviço da justiça?

Silêncio! Os juízes e os procuradores são perigosos quando ameaçados no território que conquistaram! Silêncio dos partidos. Cumplicidades. Eu assumo o meu cartão de cidadão. Soberano. Uma soberania de 1 a dividir por 10 milhões, mais ou menos. Mas não abdico dessa fracção de soberania, nem de ser cidadão de parte inteira.

Existem nos programas de governo dos partidos propostas para garantir o acesso dos cidadãos a serviços essenciais. Alguns exemplos:

O serviço nacional de saúde, da responsabilidade do respectivo ministério. Se um doente é mal atendido num hospital, se cai da maca, se não tem lugar, se a consulta ou a intervenção cirúrgica demora mais do que o estabelecido no protocolo, o ministro é chamado a responder. Os jornais acusam o governo de mortes e sofrimentos. Faltam pastilhas nas farmácias, alarme nos noticiários e chamada de governantes. E lá estão os utentes de cartão de saúde, os bastonários de médicos e enfermeiros de dedo em riste em hospitais e centros de saúde a reclamar contra maus diagnósticos, faltas ao trabalho de profissionais, más práticas, tudo culpa do governo, do ministro!

O serviço nacional de educação, da responsabilidade do respectivo ministério. Falta giz, ou apagador, faltam assistentes operacionais ou professores para alunos com necessidades especiais, os livros estão em mau estado, as notas são muito altas, muito baixas, não há vagas, há vagas a mais, as matérias são desadequadas ao momento e à cultura actual, os exames são justos, são injustos, realizam-se a horas, os professores são bem ou mal avaliados. À comunidade escolar, docentes, discentes, encarregados, auxiliares a todos o governo tem de responder pelo resultado do serviço nacional de educação que é da responsabilidade do governo que elegemos. Que o diga o Mário Nogueira, que até pela manga puxa a ministra, ou o chefe do governo. Sai um ministro ao redondel!

O serviço nacional de mobilidade, da responsabilidade de um ministério que já teve várias designações, obras publicas, transportes, comunicações, infra-estruturas, mas que tem à sua responsabilidade a construção e a utilização de vias ferroviárias, rodoviárias, aeronáuticas, estradas, pontes e auto-estradas, os pisos em bom ou mau estado, a sinalética, o traçado, a manutenção, os custos, os tempos de execução das viagens, os abastecimentos de combustível e outras matérias, se não há combustível, se cai uma ponte, se uma barreira desaba, se um comboio descarrila, se os aviões se atrasam, sai um ministro, um secretário de estado a responder pelo serviço nacional de mobilidade. Ministros ao quadro! Ou ao patíbulo.

Os serviços nacionais de segurança e defesa, polícias, guardas, militares de terra, mar e ar, com ministérios da administração interna, da defesa. Falta uma sentinela num paiol, cai um ministro! Só não aconteceu com os submarinos. Somos claramente um país de marinheiros. Mas havia um ministro para as questões, a justiça dita independente é que parece que não tinha perguntas…

O serviço nacional do ambiente, com ministério para assegurar condições de vida aos cidadãos, atmosfera respirável, água bebível, produtos comestíveis. O ministro sempre em bolandas por causa de esgotos a céu aberto, de um processo de extracção de areias numa ribeira. De um pássaro que perdeu penas, de um javali que atravessou um batatal.

Os serviços nacionais da economia e do trabalho, que, entre outras funções regulam a produção, o comércio, o trabalho. Se há especulação, ou falta de produtos, se existem condições iníquas de pagamento de assalariados, e há um governante a ser chamado a explicar a justificar o mau funcionamento dos serviços a cargo do governo, do executivo.

O serviço nacional de finanças, que cobra impostos e taxas, que procura (mal, segundo os pagantes) adequar a redistribuição da riqueza através da imposição de impostos, passe o pleonasmo. E vá de exigir explicações a ministros e secretários sobre IVA, IRS, IMI e tudo o mais que nos é imposto. Mas sempre uma responsabilidade do executivo que saiu de eleições e da soberania popular. O ministro e os secretários vão mais vez ao parlamento explicar escalões dos impostos à bica e às bebidas açucaradas que o Marques Mendes à TV fazer profecias.

Haverá, segundo a apreciação de cada um, ainda mais serviços nacionais. Até autoridades para a comunicação social, ou a igualdade de género, todos eles com a função de prestar serviços e assegurar que os cidadãos são servidos, se bem, se mal, é outra questão. Os serviços existem e respondem. Os governos existem para os garantir. Residindo a soberania no povo, a responsabilidade pela execução dos serviços que servem (o tal pleonasmo) o povo, os cidadãos, é do executivo, do governo que resulta da vontade da maioria.

É assim, excepto para um serviço essencial à vida da sociedade: a administração da justiça! Alguém explica alguma coisa aos cidadãos sobre a justiça? É uma matéria esotérica? Falam outra língua, como o franglais nos antigos tribunais ingleses, um patuá apenas acessível aos do métier? Um género língua criptada de mindrico? Numa sociedade escolarizada e democrática quem responde pela justiça? A ministra não. Trata, quando muito de escalas de guardas prisionais. Os juízes também não, são independentes e atuam num olimpo. Os procuradores querem ser independentes e acomodarem-se no olimpo de 5 estrelas como os juízes e, pelo que se lê, prestam declarações off the record aos seus órgãos de comunicação mais ou menos privativos. O tal segredo de justiça pelo qual ninguém é responsável.  E ainda dispõem de uma polícia dedicada, a Judiciária, que pretende um estatuto de ministério público. A pescada frita de rabo na boca. Que pagamos como lavagante! Quando nada funciona e tudo arde, como no poema do Sá de Miranda, a culpa é do governo que não proporciona os Meios. Os meios, cidadãos!

A regulação de direitos e deveres dos membros de uma sociedade é um dos papéis, ou das funções atribuídas aos que nela foram escolhidos, qualquer que fosse o método, para a representar. Administrar a justiça e conduzir os seus semelhantes na caça, ou na guerra foi o essencial do poder soberano. Quem administra a justiça detém o poder.

Nas modernas sociedades também é assim. Quem administra na justiça detém o poder. A  judicialização da política é a tomada do poder por um grupo à margem do sistema de eleição por parte dos soberanos: do povo. É um golpe de Estado. O Brasil de Moro é o resultado mais recente desta nova forma de golpe. Do poder das armas para uma ditadura militar, para o poder da arma da justiça para uma ditadura judicial. Denominador comum: ditadura.

Em nome da falácia da independência do poder judicial, os que deviam ser agentes (agir em nome do soberano), passam a ocupar o lugar do soberano. O supremo magistrado, só para recordar. O que quer dizer que os outros lhe são subordinados, funcionários, agentes de poder delegado e não eleitos.

Em nome da tal falácia, os funcionários judiciais com a qualidade de magistrados, assenhorearam-se do sistema nacional de justiça. São eles que determinam como e quando os cidadãos têm direito a ela, são eles que estabelecem as prioridades do seu serviço e não as prioridades do executivo – em termos da recente greve dos motoristas de combustíveis seria como se fossem estes, á semelhança dos magistrados, que escolhessem a localização e o horários dos postos de abastecimentos, a quantidade e a qualidade de combustível, os tempos que cada automobilista teria de esperar até ser abastecido e se o seriam. E mais, não seriam responsáveis pelas consequências dos seus atos. Pelas mortes dos que não chegaram aos hospitais, nem dos assassinos que saíram das prisões e não puderam ser perseguidos por falta de combustível nas viaturas da polícia, nem pelos prejuízos dos que viram as colheitas arruinadas por falta de frios nos frigoríficos.

A falta de um sistema de justiça por falácia da independência absoluta dos juízes, incluindo a da impunidade e da irresponsabilidade, conduz a estas capturas do poder soberano por parte de irresponsáveis. Incongruências, disfunções, dir-se-ia se falássemos de sistemas normais.

Há livros de reclamação contra o mau julgamento dos juízes, horas, dias, anos de espera? Sentenças em linguagem incompreensível? Respostas prepotentes?

Há possibilidade de queixa contra magistrados ao provedor do cidadão?

Se um juiz, como Calígula, um imperador louco, nomear o cavalo senador, estará no pleno uso dos seus direitos de independência enquanto magistrado? Que poderá o povo soberano fazer contra a sua loucura? Nada! É um assunto do Conselho Superior de Magistratura. E esse povo soberano elegeu os seus senadores / deputados para quê? Para relincharem com o cavalo de Calígula?

A concepção de justiça no direito europeu, direito romano, assenta na concepção de justiça em Platão e Aristóteles, assenta na ideia de uma justiça construída nas relações sociais que deveria estar de acordo com valores morais relacionados com a justiça geral contida na natureza e de um sistema que colocasse em prática essa concepção, o tal serviço nacional de justiça que não existe. Essa seria a função dos governos, dos executivos.

É sempre (em minha opinião) mau princípio colocar as prostitutas a gerir o bordel. Os agentes da justiça, dos meritíssimos juízes aos procuradores, entendem que é um bom princípio e que o perfilham, desde que lhes paguem generosamente, como tem sido o caso. Resta saber a opinião da também respeitável clientela! Da malta que vota.

Proponho, ou proporia, a criação de um serviço nacional de justiça, a cargo de um ministro de um governo resultante do poder soberano dos cidadãos. Um serviço nacional em que os funcionários, dos juízes de qualquer instância ao funcionário da base da hierarquia, tivessem, à semelhança de todos os trabalhadores de serviços nacionais, os seus direitos e deveres regulados, fiscalizados e avaliados. Que respondessem pelo seu desempenho perante os eleitos, isto é, perante os cidadãos.

Que os funcionários a quem o Estado (a sociedade politicamente organizada), através do governo que responde perante o soberano, atribuiu a prorrogativa de poderem julgar livremente, agissem de acordo com a sua consciência e a lei.

A independência dos juízes diz respeito ao julgamento, a não serem de qualquer modo constrangidos, a terem condições para julgar e por isso sou defensor do generoso pagamento a estes funcionários, partindo do princípio de que, como qualquer ser humano, são mais vulneráveis se tiverem mais necessidades.

Sou por um serviço nacional de justiça da responsabilidade do governo que elegemos. Qualquer que ele seja.


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