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Sábado, Julho 27, 2024

Por uma ética ambiental!

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

O conservacionismo tem a vantagem de não fomentar a ilusão de que podemos voltar a recrear a realidade tal como ela existia depois de agirmos industrialmente sobre ela, mas tem a desvantagem de, ou ser irrealista, ou tornar-se um pesadelo, com a perspectiva de que a salvação do planeta está no fim da humanidade (ou numa versão mais realista mas mais tétrica, no fim da massa pobre e excluída da humanidade).O Congresso da República Popular da China aprovou a 29 de Agosto de 2008 a “Lei de Promoção da Economia Circular” que expressa preocupações ambientais de ordem geral numa aproximação tipicamente taoista de equilíbrio circular entre dois princípios antitéticos. A lei culminou uma série de declarações e resoluções do partido comunista e dos seus dirigentes nos anos precedentes.

  1. A economia circular

Nada tenho contra o taoismo – de que aprecio o pouco que conheço – como aliás contra as muitas filosofias mais ou menos religiosas que se aproximam ao tema, mas não creio que as opções relativas a conceitos motrizes da nossa civilização se devam fazer na base da moda ou do vento.

Sintoma da cada vez maior influência ideológica do mandarinato chinês nas instâncias europeias (e não só), o vocabulário ambiental começou cada vez mais a utilizar o termo nos anos seguintes, sem que portanto se tenha visto qualquer esforço particular em clarificar e precisar o impacto do conceito no plano ambiental.

A economia circular não me parece ter sido uma boa evolução por duas ordens de razões. Em primeiro lugar porque reduz a humanidade à ‘economia’, numa aproximação típica do ‘marxismo’ ou do ‘capitalismo’ que são eles também uma espécie de “Yin” e “Yang” da mesma visão materialista do nosso quotidiano.

Não se trata só da má definição do que possa ser a economia, é sobretudo esquecer que os problemas ambientais se colocam a todos nós individualmente quando tomamos decisões, à administração pública ou às mais variadas organizações com ou sem fim lucrativo, ou seja, colocam-se eticamente e não apenas economicamente.

Dir-me-ão que a decisão de uma cadeia de supermercados de oferecer sacos de plástico aos clientes é incomensuravelmente mais gravosa do que a decisão de um dos seus clientes de deixar esse saco ir para um curso de água.

A questão aqui é também a de que há muitas pessoas a trabalhar numa cadeia de supermercados e que todos elas devem ter algo a dizer sobre o que a sua empresa faz. Uma sociedade feita de cidadãos livres e responsáveis implica-os necessariamente em todas as suas decisões como eleitores, como produtores, como consumidores ou como cidadãos.

E depois temos a circularidade. Trata-se de uma simplificação inaceitável da realidade, porque nunca poderemos fazer com que tudo volte a ser o que foi.

  1. O conservacionismo ambiental

No mundo anglo-saxónico – e em particular nos EUA – o conservacionismo foi o conceito mais em voga antes da vaga taoista da “economia circular” o ter submergido.

O conservacionismo tem a vantagem de não fomentar a ilusão de que podemos voltar a recrear a realidade tal como ela existia depois de agirmos industrialmente sobre ela, mas tem a desvantagem de, ou ser irrealista, ou tornar-se um pesadelo, com a perspectiva de que a salvação do planeta está no fim da humanidade (ou numa versão mais realista mas mais tétrica, no fim da massa pobre e excluída da humanidade).

Trata-se de uma deriva que pode resultar em conservantismo ou mesmo em extremismo genocida. Em qualquer caso, o conservacionismo – se moderado e contextualizado – é um elemento imprescindível a qualquer ética ambiental.

Quer isto dizer, por exemplo, que considerar preferível construir numa zona já edificada em vez de invadir a natureza com betão armado é um princípio elementar conservacionista que deve integrar qualquer ética ambiental. Daí a pensar que é preferível passar fome, frio ou ser-se incapaz de desfrutar de qualquer fruto da civilização industrial, para não fomentar emissões de carbono, a distância é grande.

A questão é também a de que a ciência e a técnica podem e devem ser utilizadas para prevenir, remediar ou mesmo inverter os danos ambientais causados pela humanidade e, mais ainda, a de que não há razão para ver a natureza como deusa infalível da conservação ambiental.

Se um vulcão origina chuvas ácidas isso não quer dizer que elas sejam excelentes por não serem artificiais. Se a natureza dita o fim a prazo da vida no nosso planeta (e o fim mesmo do planeta) isso não quer dizer que isso seja bom apenas por não ser artificial.

  1. Ética ambiental

Nestas circunstâncias, creio que é preferível utilizar como conceito central a ética ambiental em contraponto ao conservacionismo ou à economia circular. Ela significa que devemos ter em conta o impacto ambiental de tudo o que fazemos, sem necessariamente partir do princípio de que o natural é sempre bom e o humano é sempre mau e menos ainda de que é possível que tudo fique como intocado pela intervenção humana.

Há já quase trinta anos publiquei um artigo de opinião num destacável de um semanário dedicado à análise prospectiva intitulado “Ir à praia no ano 2000″ em que defendia que a melhor forma de nos apercebermos do estado do país era, justamente, ir à praia e avaliar do seu estado de limpeza.

Se é verdade que já não se encontram vacas mortas nas praias limítrofes de Lisboa e que diminuíram as marés negras resultantes da limpeza de tanques por petroleiros ao largo das nossas costas, o dourado dos cardos é cada vez mais substituído pelas cores desbotadas dos plásticos e a quantidade de lixo que se vê não deixou de aumentar.

E como é possível a todos nós constatar nas redes sociais, o problema é global, multiplicando-se os mares de detritos, as tartarugas amarradas a redes plásticas, as baleias que morrem de fome por ter o estômago cheio de todo o lixo que possamos imaginar, a contaminação micro-plástica de toda a natureza.

Estou em crer que temos condições agora para dar um poderoso passo na senda da preservação ambiental, nascida desta consciência cidadã que desponta um pouco por todo o lado.

Basta entender a força que têm as nossas convicções sem nos deixarmos amarrar a lógicas puritanas; ser capaz de construir uma outra visão do mundo e levar a que dela surjam consequências em toda a realidade que nos rodeia.

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