Portugal está no topo dos custos energéticos europeus, tanto na electricidade como nos combustíveis, e isso certamente não é alheio aos óbvios conflitos de interesse entre o poder político e o poder económico de que o nosso país é paradigma na Europa.Quando do encontro do Presidente francês e do Primeiro-ministro Espanhol com António Costa em Lisboa, nos finais do mês de Julho, a imprensa anunciou que um dos objectivos da reunião tinha sido o de impulsionar o reforço das redes de comunicação eléctrica entre a França e os países ibéricos, com os executivos a comprometer-se com uma capacidade de interligação de 10% do mercado em 2020 e de 15% em 2030.
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O que pretendem os nossos vizinhos?
Se todos se mostraram unidos nessa meta da interligação, os discursos foram claros nas intenções radicalmente diversas dos intervenientes.
De acordo com o Jornal Económico, Emmanuel Macron terá dito que a “França vai encerrar uma central nuclear junto à fronteira com a Alemanha, mas alegou que o seu país “não pode fechar centrais nucleares para abrir ou reabrir centrais a carvão ou para comprar gás ao estrangeiro””.
A central nuclear a que ele se refere, a de Fessenheim, é com efeito a mais velha central francesa, que há muito terminou o tempo de vida para o qual foi construída e também aquela que tem níveis de poluição radiológica mais elevados. François Hollande já tinha prometido que o seu encerramento seria em 2016, antes de adiar o seu encerramento para 2018. O que Emmanuel Macron não disse é que ele adiou de novo o seu encerramento, agora previsto para 2019, posteriormente à prevista inauguração da nova central nuclear de Flamanville.
No seu discurso principal sobre política europeia, Macron tinha deixado clara a sua visão sobre a interconexão eléctrica com a península ibérica:
Temos a necessidade, com a Espanha e Portugal, com o conjunto dos nossos vizinhos, de desenvolver essa interligação. E porquê? Porque em algumas estações, quando as renováveis se produzem em massa, deveremos permitir à Europa que delas beneficie. Noutros locais, onde a energia nuclear é indispensável, pouco emissora de carbono e a baixo custo, devemos também mutualizá-la. Teremos um mercado europeu de energia que funcionará melhor se desenvolvermos enfim, de forma acelerada essas interligações.’
Mas para além de Flamanville, e com o objectivo de aumentar a potência nuclear existente, as autoridades francesas estão a pensar em várias outras, que estão em fases diversas de concretização. Em Junho, o Conselho Regional do Norte da França, onde agora só existe direita e extrema-direita, aprovou – sem votos contra – um “convite” à EDF para construir um novo reactor na central nuclear de Gravelines.
Só por ingenuidade poderíamos imaginar que foi a região que tomou a iniciativa, e que não se tratou do contrário. Também só por ingenuidade poderíamos pensar que quando Emmanuel Macron anunciou em Fevereiro que não “estava excluída a construção de novas centrais nucleares” ele não estava simplesmente a escolher uma figura eufemística para realçar que, seguindo o que tinha anunciado na Sorbonne, ele decidiu apostar na sua construção.
Quem estiver atento ao colossal esforço financeiro público francês no nuclear, e nomeadamente na chamada terceira geração que alguns consideram mais perigosa ainda que as suas antecessoras, ficará com a noção de que o nuclear é a sua principal aposta energética, e mesmo talvez económica.
Mas o enorme esforço de mobilização de meios de todo o tipo – e nomeadamente de guerra de informação – na aposta nuclear não se fica por aqui e engloba também uma discreta mas activa guerra contra as energias renováveis.
O dito presidente da região do Norte da França levou anos a fio a promover uma guerra contra as torres eólicas, que estariam a destruir a paisagem desta região maioritariamente industrial. Dias depois da passagem da resolução, o Estado anuncia o encerramento em Cherburgo – na Normandia mas perto do Norte – da Naval Energies, empresa de capitais públicos com um investimento inovador em energias de maré.
Registe-se que nada de substancialmente diverso há a esperar da parte de Espanha. Com o registou o Diário de Notícias Sanchez secundou e tornou mesmo mais claro que o seu vizinho do Norte o seu apoio à energia nuclear.
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As quimeras lusitanas
De acordo com o que se pode ler na imprensa portuguesa, a nova ligação por cabo submarino no Golfo da Biscaia – com o custo avaliado em 1900 milhões de euros – poderá simultaneamente (1) tornar mais barata a energia em Portugal; (2) levar à exportação de energia renovável portuguesa e, na versão magnânima de António Costa, levar mesmo “à exportação de energia a partir de Marrocos” (DN, op. cit.).
Desta forma, o país que tem a electricidade mais cara (ou uma das mais caras) da Europa iria exportar energia eléctrica para França, o país que a tem mais barata (ou uma das mais baratas) e no meio disto tudo ainda iria dar boleia a Marrocos. O aumento da procura da energia portuguesa iria baixar os seus preços.
Que isto é absurdo em todos os planos (no da lógica do mercado, do direito anti-dumping ou das óbvias prioridades francesas) é algo que parece ter escapado tanto à imprensa como aos colunistas (veja-se o Público). Talvez por distracção minha, não vi uma única análise a desmontar o carácter ilógico das promessas feitas.
É aliás extremamente discutível que o futuro das energias renováveis se desenvolva nas mesmas condições de megacentros produtores com a qual se desenvolveram as energias convencionais. Tudo aponta para que o local de vida seja cada vez mais também aquele em que se capta e armazena a energia (Sol, vento, geotérmica), a água e se desenvolve mesmo a agricultura, desempenhando a interligação um papel supletivo que poderá ser o de uma rede muito fina de milhões de fornecedores-consumidores.
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Uma visão estratégica para a energia portuguesa
Portugal está no topo dos custos energéticos europeus, tanto na electricidade como nos combustíveis, e isso certamente não é alheio aos óbvios conflitos de interesse entre o poder político e o poder económico de que o nosso país é paradigma na Europa.
Acresce a este facto que o principal actor energético em Portugal, directamente no domínio eléctrico e indirectamente no domínio petrolífero, é a República Popular da China, que não creio esteja muito interessada no estabelecimento de uma estratégia energética genuinamente portuguesa.
Por outro lado, não há qualquer razão para pensar em Portugal como tendo vantagens comparativas naturais para se tornar exportador de energia. A hídrica correu bem esta primavera, mas a verdade é que a precipitação em Portugal caiu 40% de 1960 a 2015. Se o futuro a Deus pertence, não há nenhum dado objectivo que nos permita prever a inversão desta tendência.
Quanto a Sol, vento e geotermia (com a excepção geotérmica açoriana que não tem qualquer papel neste contexto), Portugal não tem nenhuma vantagem em relação aos nossos vizinhos, sendo que, como observou António Costa, a haver alguma lógica de mercado energético, ela seria a de virmos a importar eletricidade de centrais solares do Norte de África ou, dado o facto de a União Europeia continuar a permitir a subvenção à energia nuclear, passando os custos mais problemáticos (o dos dejectos) para o sector público, das centrais nucleares francesas ou espanholas.
O alargamento do mercado energético peninsular à França poderia eventualmente fazer baixar os preços, exactamente por passarmos a importar energia francesa, mas não por passarmos a exportar energia portuguesa.
Mas esta dupla situação de fragilidade nacional, paradoxalmente, abre as melhores perspectivas, nomeadamente se, como eu creio ser o caso, o futuro estiver aberto à rápida difusão de tecnologias de produção, armazenamento e consumo energético no local.
Nessa perspectiva, os portugueses poderiam passar directamente para uma nova era energética por cima da energia nuclear e dos monopólios energéticos controlados pelo exterior.
Para isso, o essencial é investir fortemente na investigação, desenvolvimento e disseminação das novas soluções energéticas inteligentes nas nossas universidades, centros de investigação e empresas, sobretudo pensando no maior tesouro nacional: a inteligência dos portugueses!
Já alguém pensou no que seria se estes 1900 milhões de euros a ser enterrados no fundo do Golfo da Biscaia fossem investidos desta forma?
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