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Sexta-feira, Agosto 2, 2024

Porque se prefere a dívida à emissão de moeda? | Parte 1

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

A eterna despesa com os juros da dívida pública vai voltar a subir este ano. A resposta do BCE ao aumento da inflação trouxe, a partir de meados de 2022, um novo ciclo de subida dos juros e o consequente agravamento do serviço da dívida pública; depois de em 2023 termos pago cerca de 5,7 mil milhões de euros em juros, espera-se um aumento de mil milhões para o corrente ano, que elevará aquela despesa para quase 7 mil milhões de euros, valor que equivale (segundo dados da dados da própria DGO) à despesa prevista com a educação (7,9 mil milhões), que excede as despesas previstas com ambiente e infraestruturas (6,8 e 5,9 mil milhões, respectivamente), representa mais do dobro da despesa prevista com a defesa (2,9 mil milhões), para não falarmos na habitação, o grande problema nacional que tanto tem preocupado os últimos governos, mas que apenas tem previsto o gasto de 1,4 mil milhões de euros.

Esta é a realidade nacional, mas na “terra do leite e do mel” o cenário parece ser ainda bem pior, pois nos primeiros sete meses deste ano, os juros sobre a dívida federal norte-americana atingiram os 514 mil milhões de dólares, excedendo os gastos com a defesa nacional (498 mil milhões de dólares) e com o Medicare (465 mil milhões de dólares destinados ao sistema de seguros de saúde gerido pelo governo norte-americano e destinado às pessoas de idade igual ou maior que 65 anos ou de baixos  rendimentos), bem como o somatório dos gastos com veteranos, educação e transportes e tornando-a na segunda maior rubrica do orçamento federal, a seguir à Segurança Social e a parte do orçamento que mais cresce, prevendo-se que atinja os 870 mil milhões de dólares até ao final de 2024.

O contínuo avolumar dos juros e a necessidade de suportar pagamentos cada vez mais elevados está a levar um número crescente de governos (incluindo o português) a contraírem novos empréstimos para pagar os juros da dívida existente, agravando a situação de endividamento, num verdadeiro processo de bola de neve de juros compostos (os juros sobre os juros têm um crescimento exponencial), que sendo um verdadeiro maná dos céus para os credores, são uma maldição para os devedores que vêem a sua situação agravar-se como um cancro que só aumenta a dívida. A este processo soma-se ainda o recurso a novos empréstimos para liquidar os antigos (num sistema de renovação da dívida que a transforma numa verdadeira perpetuidade) e para financiar as despesas gerais que excedem os impostos cobrados, numa via que, se nada for alterado, só poderá conduzir a uma situação de insolvência.

A esta situação de penúria orçamental em que sucessivos governos se têm deixado enredar também não é estranha a actuação dos economistas das correntes mais liberais e da sua fixação pela liberalização dos mercados e das economias. A opção por políticas de desregulamentação e de privatizações também contribuiu para a redução das receitas públicas (os impostos e o endividamento não têm que ser a única via para a obtenção de receitas), numa tendência agravada pela proliferação da ideia que melhorando as condições de acumulação dos mais favorecidos acabar-se-á por ver melhoradas as dos menos favorecidos (esta ideia, conhecida como o trickle-down economics ou economia de gotejamento, prevê que o favorecimento das condições dos mais ricos irá gerar mais investimento e mais riqueza para toda a economia), crença que persiste – como se comprova pela recente notícia que o nosso governo quer criar um quadro fiscal mais atractivo para que mais empresas estrangeiras possam investir no país – embora devesse estar ainda bem presente na memória de todos que, não considerando o período da Covid-19, o último período de grande aplicação das teorias neoliberais em Portugal (o da troika e das políticas de austeridade) coincidiu com o de estagnação do PIB.

Há pelo menos uma geração que a constante opção por soluções de natureza dogmática se tornou uma regra para justificar a aplicação de políticas contrárias ao interesse-geral, abafando as críticas e até as sugestões sob a alegação da inexistência de alternativas… que até existem!

Embora cientes disto porque é que os governos continuam a recorrer ao crédito em lugar de simplesmente emitirem mais moeda?

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