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Domingo, Dezembro 22, 2024

Portugal de través

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

A Região Autónoma dos Açores, no entanto, embora apenas por precaução política e não por opção de eficácia, fornece aqui um exemplo a ter em devida conta, dado que não tem capital e tem os seus organismos de legislação e governo repartidos entre várias ilhas (…).

(…) Creio que o resultado dessa opção em particular é muito positivo.

1. O apelo de Rui Moreira

O apelo de Rui Moreira de lançar a regionalização sem perguntar aos portugueses se estão de acordo com o actual mapa regional dominou o noticiário nacional na semana que passou. E se tenho por Rui Moreira uma estima sem par no panorama político nacional, tenho a dizer que discordo que se dê por adquirido o mapa ou mesmo o projecto nas suas linhas tidas por consensuais.

Como tenho dito frequentemente, creio que o desenho político e constitucional do país ultrapassou já claramente o seu prazo de validade, sendo que a macrocefalia governativa em Lisboa é uma das várias questões a reformar desde que pensada no conjunto dos problemas que enfrentamos.

Não creio que reproduzir o modelo de um Estado pesado, centralizado, dominado por castas e famílias por todo o país contribua o que quer que seja para as reformas de que ele necessita e menos ainda que se possa reproduzir em 2019 o debate que se fazia há décadas atrás.

Entre o muito que li, destaco menos positivamente António Barreto – intelectual de parte inteira – que glosa o tema de uma forma que me parece inusitadamente pobre alvitrando com o fim da degradação dos serviços público do interior como forma de responder aos problemas, e mais positivamente Miguel Sousa Tavares que discorreu sobre o tema a partir da condenação de Armando Vara, que é o único dos banqueiros portugueses que se encontra preso.

Penso que Miguel Sousa Tavares apanhou o essencial do problema: Armando Vara está preso porque não tem pedigree em nenhuma família ou casta que prospera com o clima da capital, vem de uma terra perdida na paisagem lusitana e de ascendência humilde, e isto pesa muito mais do que os desmandos que não destoam do que foi a generalidade da gestão da banca portuguesa. 

Há no mundo exemplos para todos os gostos e para todas as medidas quanto à dimensão e formas de administração dos povos e nações e não creio por isso que faça muito sentido invocar outros exemplos para dirimir o que fazer com Portugal. Se é certo que há dezenas de países mais pequenos do que o que seriam as futuras regiões portuguesas, não é menos certo que abundam regiões ou Estados incluídos em federações muito maiores do que Portugal.

2. Regionalizar em 2019

Para quem quiser meditar no assunto, creio que o ponto de partida é o de que na nossa era da comunicação instantânea não faz qualquer sentido pensar na questão da regionalização, descentralização ou desconcentração nos moldes em que isso era feito há cinquenta anos atrás.


Por que razão não termos um Ministério do Mar em Viana do Castelo, Aveiro ou Sines? E um Ministério da Economia em Vila Real, Guarda ou Castelo Branco? E um Ministério da Educação e Cultura em Viseu, Évora ou Faro? E um Ministério da Saúde no Porto, Coimbra ou Braga? E um Ministério da Defesa em Elvas, Bragança ou Chaves? E um Ministério da Administração Interna em Setúbal, Beja ou Santarém? Ou ainda um Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais em Beja, Guarda ou Portalegre?

Não há qualquer razão para pensar que há benefícios de escala ou de comunicação em ter toda a administração central metida na mesma cidade, sendo que os prejuízos de uma opção dessa natureza me parecem evidentes, desde logo na tendência para o nepotismo, tribalismo e conflito de interesses a que aludi no ponto anterior.

E quando falo de administração central, não quero falar naturalmente na risível história da decisão avulsa da passagem de um departamento de um ministério para o Porto, que acabou cancelada depois de meia dúzia de pressões dos responsáveis do dito departamento, mas sim de uma decisão sólida, completa, assumida por referendo da total passagem dos ministérios para todos os cantos do país, eventualmente faseada em dez, vinte ou mesmo trinta anos.

Por que razão não termos um Ministério do Mar em Viana do Castelo, Aveiro ou Sines? E um Ministério da Economia em Vila Real, Guarda ou Castelo Branco? E um Ministério da Educação e Cultura em Viseu, Évora ou Faro? E um Ministério da Saúde no Porto, Coimbra ou Braga? E um Ministério da Defesa em Elvas, Bragança ou Chaves? E um Ministério da Administração Interna em Setúbal, Beja ou Santarém? Ou ainda um Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais em Beja, Guarda ou Portalegre?

E mesmo as vacas sagradas da soberania, a Presidência da República, a Presidência do Conselho de Ministros, a Assembleia da República ou os Negócios Estrangeiros, não têm necessariamente que ser pensados como inerentemente grudados a Lisboa.

E claro que as estruturas dos ministérios podem também elas ser pensadas de forma descentralizada, desde que isso não se traduza na passagem apenas formal da sede para a província com a manutenção da estrutura onde ela sempre esteve.

3. Custos e benefícios

Penso que a reprodução do modelo escolhido para as regiões autónomas para o todo nacional uma receita segura para o desastre, porque é absolutamente inviável e ruinoso multiplicar o funcionalismo como forma de promover regiões, e isto não por qualquer preconceito ideológico mas apenas como constatação do que se passou nas regiões autónomas.

A Região Autónoma dos Açores, no entanto, embora apenas por precaução política e não por opção de eficácia, fornece aqui um exemplo a ter em devida conta, dado que não tem capital e tem os seus organismos de legislação e governo repartidos entre várias ilhas. Creio que o resultado dessa opção em particular é muito positivo.

A utilização da localização das sedes dos serviços públicos como instrumento de dinamização da economia e sociedade regionais tem um impacto poderosíssimo utilizando muito menos recursos do que os implicados pela multiplicação administrativa ou por igualmente dispendiosos sistemas de incentivos. Estou em crer que os custos de transferência e de comunicação serão limitados, especialmente se forem feitos de acordo com um programa estendido no tempo.

A cidade de Lisboa, pela sua situação, património, infraestruturas e demografia não precisa do apoio suplementar da localização de ministérios para dinamizar a sua economia e, bem pelo contrário, creio que a sua libertação dessa responsabilidade abrirá um campo mais vasto para a cidade desenvolver plenamente o seu potencial. Diga-se de passagem que tão pouco creio que o Porto seja uma cidade a necessitar de apoio especial sob forma de sede de serviços públicos para materializar o seu vastíssimo potencial.

Seria exactamente noutros centros urbanos mais periféricos que o impacto desta medida se iria fazer sentir, abrindo-lhes possibilidades de crescimento e dotando-os de uma forte procura de serviços de qualidade.

Creio que esta visão tem de ser levada a sério pelo parlamento, e que este, nas vésperas de eleições, não deve surgir de novo com velhas e estafadas propostas de regionalização velhas de décadas.


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