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Domingo, Abril 27, 2025

Portugal e o tabu venezuelano

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

A imprensa portuguesa tem conseguido a proeza de fazer sucessivas manchetes e relatórios sobre os mais diversos escândalos nacionais que envolveram o eixo irano-venezuelano sem que ele seja referido, ou quando não pode deixar de o fazer, retalhando a informação de forma a não se entender o carácter sistemático da presença desse eixo.

  1. Novo banco, velhos negócios

Foi assim com o negócio dos submarinos, planeado pela ESCOM, em ligação com a Venezuela, e com as principais contrapartidas reais na construção de centrais eléctricas a gás no Irão e na Venezuela; continuou assim com os negócios da Lena na Venezuela (em que Sócrates aparece a receber comissões, mas nunca aparecem os negócios e decisões políticas venezuelanos que originam essas comissões) e teve o seu ponto alto no ‘apagão fiscal’ com o qual um ex-consultor da Petróleos de Venezuela (PDVSA) fez desaparecer o rasto de milhares de milhões de euros das contas dessa companhia no BES para abrigos fiscais.

Sem surpresas, é assim quando se fala ‘ad-nauseum’ no contínuo sorvedouro de dinheiros públicos do BES – agora rebaptizado como ‘Novo Banco’ – fazendo-se um sepulcral silêncio sobre os pedidos judiciais espanhóis datados do princípio deste mês às autoridades portuguesas de clarificação das transferências das contas da PDVSA no ‘Novo Banco’ para personalidades espanholas.

Temos portanto Novo Banco mas velhos negócios permanentemente silenciados na imprensa portuguesa que, no entanto, faz imenso barulho sobre tudo o que possa ser lateral ao eixo irano-venezuelano, de preferência sobre os bodes expiatórios de circunstância (Sócrates na política, Salgado na banca, Isabel dos Santos nos negócios, ninguém no jornalismo).

  1. A factura dos negócios luso-venezuelanos para o contribuinte português

Como excepção à regra, apareceram finalmente algumas notícias como manchetes num único jornal da imprensa portuguesa, o Correio da Manhã, que refere 175 milhões de euros de luvas venezuelanas ao que chama de ‘clã Espírito Santo’, sem identificar os membros da família, dos negócios, do jornalismo e da política que dele beneficiaram, 100 milhões de euros de euros de retro comissões a dirigentes venezuelanos e ‘investimentos’ no grupo BES de ‘6.400 milhões de euros’.

Este último valor coincide com os das contas do PDVSA que foram retirados em 2014 do BES para abrigos fiscais ao abrigo do ‘apagão fiscal’ e, contrariamente ao que se afirma no título da referida notícia, de forma alguma abarca todo o dinheiro da PDVSA (o Fundo de Desenvolvimento a que a notícia alude era totalmente suportado pela PDVSA) envolvido no BES. A Venezuela tem exigido 2000 milhões de Euros de volta na sequência da falência do BES.

Como já aqui indiquei aqui no Tornado, as relações bilaterais com o regime chavista foram lançadas por Jaime Gama em 2001 e não deixaram de aumentar desde essa data. Como se assinala na página 47 do relatório e contas de 2013 da PDVSA, por acordo datado de Maio de 2008 (e que é exactamente igual a outro passado pela Venezuela com o Irão) os pagamentos de 99 mil barris de petróleo dia fornecido pela PDVSA à Petrogal eram depositados na CGD servindo para ‘pagamentos a empresas portuguesas por bens e serviços fornecidos à Venezuela’.

No mesmo relatório, referem-se verbas depositadas também no BES e, mais importante do que isso, refere-se um empréstimo de 1500 milhões de dólares do BES à PDVSA (página 53).

É extremamente duvidoso que este empréstimo tenha sido pago e que seja o único, tudo levando a crer que os 6.400 milhões de Euros depositados nas contas do BES serviam de garantia a empréstimos do BES à Venezuela de montantes presumivelmente superiores.

Esta parte do negócio – que é a que mais interessa os portugueses, dado que são eles que acabaram por ficar com a factura – continua escondida e ninguém parece interessado em fazer luz sobre ela.

Posto isto, é fundamental que os portugueses entendam a lógica geopolítica do negócio. Tal como aconteceu com Malta ou com a Bielorrússia, a Venezuela utilizou Portugal para a lavagem de dinheiro destinado ao Irão para alimentar a Jihad antidemocrática, sendo que mais ou menos voluntariamente deixou que grande parte desses fundos se escoassem em corrupção (a Venezuela era já um dos mais corruptos países do mundo antes de Chavez).

A lógica da oligarquia nacional pode ter sido meramente comissionista, mas a lógica do grande negócio é geopolítica!

  1. Fazer barulho a Oeste para esconder o que se passa a Leste

Se a imprensa tem sido muito importante no escamotear da lógica, dos responsáveis e dos beneficiários deste longa saga irano-venezuelana, forçoso é reconhecer na doutora Ana Gomes o papel vital de se apropriar destes escândalos e fazer com eles um imenso foguetório onde nunca aparecem os protagonistas fundamentais: o Irão e a Venezuela.

Já alguém viu nas centenas de declarações e tomadas de posição públicas da Dr.ª Ana Gomes sobre o negócio português dos submarinos uma única vez as palavras Irão e Venezuela?

Já alguma vez se ouviu a Dr.ª Ana Gomes referir uma vez que fosse nas suas múltiplas acusações de corrupção, à banca e não só, os nomes de Irão e Venezuela?

Alguém ouviu a Dr.ª Ana Gomes referir uma vez que fosse o Irão e a Venezuela nas incontáveis declarações que fez sobre o assassínio da jornalista Caruana Galizia em Malta?

Mas não há rumor, suposição, acusação mais ou menos fundada que ela não tenha feito em todas as restantes direcções – preferencialmente contra Israel, mas também contra Angola ou quem quer que seja acessório e não essencial nesta matéria – a propósito de tudo e de nada.

Com a campanha presidencial em marcha amplamente sustentada na comunicação social, isto é cada vez mais assim. O seu objectivo não é ganhar as presidenciais, porque ela sabe que os portugueses esperam um outro perfil para a presidência; o objectivo é desviar a justificada revolta dos portugueses contra a corrupção dos seus principais responsáveis e processos; fazer barulho a Oeste, para que ninguém entenda o que se passa a Leste.


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