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Quinta-feira, Novembro 21, 2024

Portugal, realidades e percepções: magnífica lição de Jorge de Sena

José Mateus
José Mateus
Analista e conferencista de Geo-estratégia e Inteligência Económica

Lição que Jorge de Sena finaliza com uma explicação das realidades dos Estados Unidos (onde foi prof. catedrático em várias universidades), como só ele tinha o conhecimento e a coragem para fazer.

Para quem se interessa por conhecer e perceber as décadas de meados do nosso século XX é imprescindível ouvir (e re-ouvir) esta entrevista de Sena a Leite de Vasconcelos, da Rádio Moçambique, em 1972. Ouvi-lo é também um excelente modo de comemorar os 100 anos do nascimento deste homem que estava indicado para ministro das Obras Públicas (ele era engenheiro) se certo golpe militar contra Salazar, no final dos anos 40, tivesse triunfado, mas cujo fracasso acabou por levá-lo ao exílio (primeiro no Brasil e depois nos Estados Unidos) e a uma exclusiva dedicação às letras (tal como o homem que escolhera para seu chefe de gabinete foi dedicar-se às letras e à história na Sorbonne).

Autor de uma vastíssima e multifacetada obra (hoje demasiado desconhecida…), Sena inovou em tudo o que fez: prosa, poesia, teatro, ensaio e crítica literária (notáveis são os seus trabalhos sobre Pessoa e Camões). “O Reino da Estupidez” e “Peregrinatio ad loca infecta” foram das primeiras coisas que li dele e que nunca mais esqueci… Sena nasceu há 100 anos (em Lisboa) e morreu (na Califórnia) há quase 42 anos mas a lição da sua vida e obra está bem viva e continua como um grande activo da cultura portuguesa.

Um activo imprescindível. Se a agarramos, integramos e inscrevemos nestes tempos, se temos a inteligência e a coragem que ela implica, é outra história, não já de Sena mas nossa.


Entrevista: A Força das Coisas

Jorge de Sena, no dia do centenário. A entrevista que concedeu à Rádio Moçambique em 1972, conduzida por Leite de Vasconcelos e produzida por Manuel Tomaz.


Poema de Jorge de Sena:

“Tiveram todos culpa…”

“Tiveram todos culpa no chegar-se a isto:
infantilmente doentes de esquerdismo
e como sempre lendo nas cartilhas
que escritas fedem doutras realidades,
incompetentes competiram em
forçar revoluções, tomar poderes e tudo
numa ânsia de cadeiras, microfones,
a terra do vizinho, a casa dos ausentes,
e em moer do povo a paciência e os olhos
num exibir-se de redondas mesas
em televisas barbas de falácia imensa.”

 

Poema de Sena dedicado a Édith Piaf

“Esta voz que sabia fazer-se canalha e rouca,
ou docemente lírica e sentimental,
ou tumultuosamente gritada para as fúrias santas do “ça ira”,
ou apenas recitar meditativa, entoada, dos sonhos perdidos,
dos amores de uma noite que deixam uma memória gloriosa,
e dos que só deixam, anos seguidos, amargura e um vazio ao lado
nas noites desesperadas da carne saudosa que se não conforma
de não ter tido plenamente a carne que a traiu,
esta voz persiste graciosa e sinistra, depois da morte,
como exactamente a vida que os outros continuam vivendo
(…) como melodias valsando suburbanas
nas vielas do amor
e do mundo.”


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