Às 18h30 já se concentravam algumas pessoas frente ao gradeamento que marca o início da escadaria da Assembleia da República, em Lisboa. A plataforma 15 de Outubro convocara para esta Segunda-Feira, 16 de Novembro, uma manifestação intitulada “Passos, Portas e Cavaco Nunca Mais”, de protesto contra o processo de privatização da TAP e pelo salário mínimo de 600 euros.
A dada altura, um manifestante de megafone resolve comandar as hostes para provar o ditado “poucos mas bons”, ao som de cânticos como “sai da toca, Coelho, sai da toca” (um trocadilho que remete a Pedro Passos Coelho, Primeiro-Ministro em exercício) e “nós só queremos coelho à caçador”, numa piada que remete para o famoso prato típico de caça. Os manifestantes cantam e batem palmas de forma pacífica, sob o olhar de alguns agentes da PSP que, alguns degraus acima, os observam.
Manuel Afonso, trabalhador de call center e membro da plataforma, afirma que a privatização da TAP é “um golpe” e exige a reversão do processo, que chega a classificar de “crime”. “Qualquer privatização seria danosa para o país, porque é um instrumento de soberania, de autonomia; uma privatização da TAP por um valor bem abaixo do preço de mercado da própria companhia, em que a frota de aviões vale mais do que o preço pelo qual a TAP foi vendida, é um crime”, defende o manifestante.
Acerca dos argumentos da coligação PàF para resistir a um governo de coligação dos partidos de esquerda, assume: “O que não é certamente estável é o Governo que ficou em minoria nas eleições, depois ficou em minoria no Parlamento, viu o seu programa chumbado no Parlamento, exerce funções efectivas quando já está em gestão; isso é que provoca instabilidade”.
“Politicamente, nem o PS, nem o PSD são alternativas para o país.
Manuel Afonso mantém-se céptico também acerca do futuro do acordo entre os principais partidos da esquerda. “Politicamente, nem o PS, nem o PSD são alternativas para o país. Agora, constitucionalmente, o Governo sai do Parlamento e, neste momento, tem uma maioria que chegou a acordo, goste-se ou não!”. Manuel Afonso continua a criticar o executivo de Passos Coelho, recordando a emigração elevada e as consequências da crise na vida das pessoas. E deixa um apelo a que outras organizações e movimentos se unam para voltarem a manifestar-se contra o ainda Governo, recordando as manifestações contra a TSU.
Por sua vez, Isabel Pedro, manifestante e trabalhadora de backoffice, afirma-se “uma pessoa indignada, principalmente com este Governo”, e acusa as políticas do actual executivo de “destruírem pessoas”. Quanto ao acordo entre os partidos à esquerda, confessa que “a esperança é relativa” e afirma que “não vão conseguir resolver os problemas; o problema está mais além”. “Se as políticas desta Europa continuarem assim, não há legislatura que aguente esta política de austeridade”, sublinha a manifestante.
Isabel Pedro insiste que não é numa legislatura, nem em duas, que se resolvem os problemas em Portugal, e quer que a Europa mude. Confessa que as mudanças que deseja ver na União Europeia traduzem-se nos conceitos de solidariedade e democracia. E isso não se verifica no contexto actual. “Não é uma coisa nem outra. Uma solidariedade implica que haja entreajuda mas no bom sentido, não é para esvaziar… ‘ajudamo-vos no intuito de vos destruir’. A perda de soberania preocupa-me”, confessa. Quanto à dívida, “devia fazer-se um estudo para ver qual é a origem da dívida. É claro que se os países pedem dinheiro é bom que paguem. Eu não sou contra o pagamento da dívida. Só que a dívida tem de ser analisada, como é que chegou a este ponto, e que paguem a dívida aqueles que a causaram, não o povo”, defende, mencionando os casos dos bancos privados resgatados pelo Estado. “As minhas dívidas não são as dívidas da banca!”, insiste.
Sobre as declarações de Passos Coelho, que falava que, em quinze dias, a situação estaria resolvida, a manifestante acha que o ainda Primeiro-Ministro saberá de alguma coisa, e acredita que o Presidente da República “vai colocar um governo presidencial”, com o qual não concorda. Sobre a contra-argumentação de PSD e CDS-PP, que acusaram PS e os partidos de esquerda de falta de ética e mesmo de um “golpe palaciano”, sublinhando que estes partidos não se apresentaram coligados às eleições legislativas com um projecto e propostas para os eleitores, Isabel Pedro acredita que “eles não são os melhores políticos, de todo, para pôr em causa atitudes de outros”. Acusa os políticos dos dois partidos de direita de serem “hipócritas” e recorda que, com a eleição do socialista Ferro Rodrigues para presidente da Assembleia da República, perderam margem de manobra. “Durante quatro anos, cortaram qualquer tipo de diálogo com os outros elementos do Parlamento. Agora não têm com quem dialogar? Temos pena!”, ironiza.
Isabel Pedro repete o apelo feito para que outras organizações para além desta se unam para novas manifestações: “há aqui uma falta de despertar da sociedade civil e, se pretendem fazer alguma mudança, não é no sofá, vão ter de sair para a rua”.