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Sábado, Novembro 2, 2024

Prémio Camões 2020, envolto em grande polémica

Vítor Aguiar e Silva é o vencedor do Prémio Camões 2020. O anúncio foi feito pela Ministra da Cultura esta terça-feira.

Vítor Manuel de Aguiar e Silva foi escolhido pelo júri em reconhecimento pela “importância transversal da sua obra ensaística, e o seu papel activo relativamente às questões da política da língua portuguesa e ao cânone das literaturas de língua portuguesa”, lê-se no comunicado divulgado no seguimento da reunião do júri da 32.ª edição do Prémio Camões.

Reacções

José Barata

A este propósito escreveu José Barata, no seu Facebook:

Vítor Aguiar e Silva ganhou o Prémio Camões. Tenho a minha ideia sobre tudo isto. Não serei deselegante para quem foi meu professor e ao tempo publicava um manual que abria a reflexão teórica literária portuguesa ao que se fazia na Europa.

Mas vejo as palavras da Ministra da Cultura:

“A ministra da Cultura, Graça Fonseca, destaca as “qualidades intelectuais e académicas, mas também pelo perfil humanista com que marcou de um modo decisivo gerações de alunos, um pouco por todos os lugares onde ensinou, bem como leitores”.

 

Saberá a Senhora Ministra cuja ‘fala’ terá que ser ‘também’ política o trajecto percorrido por Aguiar e Silva? De delfim do regime e seguidor de Miranda Barbosa? de deputado na Assembleia Nacional ao lado de Fezas Vital, solicitando poucos dias antes de um 28 de Maio, mais repressão sobre os estudantes de Coimbra na Crise de 1969? colaborando com a PIDE, na denúncia dos estudantes da sua própria Faculdade, num processo que muitos de nós guardamos como o grau zero da ética?

Ignora a Senhora Ministra como foi a saída deste professor de Coimbra para ir para Braga? Não. Não foi saneado. Perguntem ao Dr. Loyd Braga. Ignora a Senhora Ministra o golpe de rins que leva Aguiar e Silva a juntar um depoimento seu aos deputados da ‘ala liberal’ na procura de branquear um percurso?

Não sabe a Senhora Ministra que O Prof. Aguiar e Silva assinou um abaixo assinado já depois do vinte cinco de Abril para poucas horas depois escrever à frente do seu nome “retiro”, tendo-lhe valido o nome de D. Retiro?

E saberá a Senhora Ministra quando diz “marcou de um modo decisivo gerações de alunos” como eram as aulas magistrais deste Prof. insuportáveis na sua misoginia?

Um prémio como o Camões não é por certo apenas uma retribuição em função da qualidade intelectual. Há que considerar um ‘todo’; um ‘coeso constructo humanístico’ longe do tráfico de influências.

Aguiar e Silva é um sósia do Julien Sorel de Stendhal; do Rastignac de Balzac. É inteligente? É. Academicamente preparado? É. Politicamente hábil? Duvido. Há neste acto uma perversidade só possível porque, de facto, estão-se a rasurar algumas memórias.

 

Horácio Vale César

Outra reação – esta de Horácio Vale César, também no Facebook:

Vítor Manuel de Aguiar e Silva um grande intelectual um fruste político

Fui apresentado ao Senhor Vítor Manuel de Aguiar e Silva- conforme a secular designação oficial do Diário das Sessões da Assembleia Nacional, a qual ele me sublinhou- há 50 anos, em S. Bento, por um seu colega deputado da União Nacional (UN) e professor da Universidade do Porto, o meu primo Rafael Ávila de Azevedo. Eu era um estudante universitário de fresca data. Já lera algumas das suas intervenções parlamentares e registara a sua tonalidade ortodoxa, em particular na vaexatia questio ultramarina.

Tanto Aguiar e Silva como Ávila de Azevedo não integravam, decididamente, a “ala liberal” laboriosamente selecionada por José Guilherme de Melo e Castro, o pai da transmutação da UN em Ação Nacional Popular (ANP), cuja morte precoce, tal como a de José Pedro Pinto Leite, abreviaram a primavera marcelista.

O teenager tímido que eu era, com algum currículo pró-democracia, não manteve qualquer conversa política com os dois deputados do Estado Novo que Marcello Caetano rebatizara de Estado Social. Aguiar e Silva, ao saber da minha nota em Literatura Portuguesa, 19, falou-me como o extraordinário professor que era, com uma linguagem de elegante precisão e simplicidade que me fascinou.

Esse encontro com um político ortodoxo do antigo regime que era, ao mesmo tempo, um intelectual sedutor, marcou-me. Ajudou-me a manter-me para sempre longe dos praticantes da Lei de Lynch, do pessoal do “patíbulo opinativo rápido”. Ajudou-me a não perder o sentido dos limites, e a enquadrar neles os padrões da minha tolerância. Sobretudo, devo a Vítor Manuel de Aguiar e Silva o prazer imenso que me deu a sua Teoria da Literatura, apesar de a sua leitura em regime intensivo me ter valido um chumbo no exame que estava à porta, e que nada tinha a ver com aquilo… R. I. P.


Texto em português do Brasil


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