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Quinta-feira, Dezembro 26, 2024

Presidenciais: Uma Campanha Arcaica e Sem Política

José Mateus
José Mateus
Analista e conferencista de Geo-estratégia e Inteligência Económica

José MateusA campanha das presidenciais (todos os candidatos em conjunto) foi uma coisa desinteressante e de código genético marcado por arcaísmos vários. E sem propostas políticas. Tudo totalmente à moda do século passado. E de onde a inteligência esteve ausente.

A campanha do candidato vencedor não teve nada que não pudesse ter tido nos anos 80/90. Marcelo é o presidente eleito pela televisão, um media do século passado, que hoje é um media velho e para velhos. Não foram os media deste tempo que marcaram a campanha de Marcelo. Foram os seus vinte anos de sermões domingueiros na televisão. Ou Marcelo como “bom aluno” de um Emídio Rangel dos anos 80…

Sampaio da Nóvoa privilegiou o “ouvir as pessoas”. Para isso, deu três voltas ao País. E foi aparecendo nos media. Com relativo sucesso, pois “o homem que ninguém conhecia” tornou-se em pouco tempo o único rival de Marcelo. Mas também nesta campanha de Nóvoa nada existe que não pudesse ter existido em qualquer campanha do século passado.

Os restantes candidatos (incluindo Maria de Belém e apesar desta ter consigo uma das duas grandes “agências do regime” e os “sondagistas” do Correio da Manhã) fizeram campanhas do tempo da “demagogia feita à maneira” da Lena de Água.

Ninguém, portanto, tem razões para ficar admirado com o facto de a abstenção ter voltado a ser o “partido vencedor”, muito acima do segundo classificado (Marcelo).

Eleito de forma bastante folgada, Marcelo pode sempre argumentar que fez a campanha mais racional e adaptada aos seus objectivos e à sua personalidade (como ela é apercebida…) de reputado tele-evangelhista domingueiro… Poderá, mas isso não altera nada ao que fica dito: a sua campanha foi um produto dos anos 80 do século passado e pode-se augurar que esta foi a última vez que um Presidente é assim eleito.

Em Novembro de 2008, um desconhecido com o bizarro nome de Barack Obama foi eleito presidente dos EUA. A sua campanha marcou o fim de um ciclo que vinha dos dias seguintes à II Guerra e à irrupção da televisão na comunicação política e iniciou as campanhas do século XXI.

Concebida em 2006 por David Axelrod, a campanha de Obama é lançada na segunda semana de Janeiro 2007 com “a five-minute Internet video”, sob o signo de “change”, em contraponto ao “experience” de Hillary Clinton.

Lançada na net (e não na inefável televisão!), a dois anos da data eleitoral e a um bom ano das primárias, a campanha concebida por Axelrod fez do “ciber” a sua principal arma de combate e, simultaneamente, de organização das “tropas” e de recolha massiva de fundos.

Conduzida por mão de mestre, esta inovadora e disruptiva prioridade aos “social media” tornou em escassos meses o desconhecido Obama num político familiar e íntimo dos americanos.

Axelrod inventou, em 2006, o papel da net numa campanha presidencial. Nos 10 anos, entretanto, passados a net afirmou-se e expandiu-se avassaladoramente, tornando “óbvio” o que antes de Axelrod ninguém tinha visto. Mas, no entanto, ninguém nas últimas presidenciais portuguesas parece ter percebido o decisivo instrumento que tinha à mão e toda a campanha foi feita de modos pré-Axelrod. Pergunta-se: se tinham net, o que é que lhes faltou? Faltou-lhes, é evidente, um “Axelrod”…

Mas não foi só isso que esteve ausente destas nossas presidenciais. A política também esteve ausente (Nóvoa ainda manifestou vontade para a convocar mas foi um desejo falhado, talvez se tivesse havido segunda volta…).

A desculpa de que um Presidente da República não governa e por isso não tem de apresentar ideias políticas é manifestamente uma perigosa cretinice, desvalorizadora da Presidência da República, pedra de fecho da nossa arquitectura política (e, como é sabido, sem uma boa pedra de fecho, o edifício desaba…). Eanes ou Soares, pais fundadores do regime, nunca esconderam que tinham uma visão política e que ideias e propostas políticas daí derivavam. Só a mediocridade instalada, nos 10 anos de Cavaco em Belém, pode explicar esta cretina e perigosa desvalorização da função presidencial.

Antes de votar, o eleitorado tinha o direito de saber como cada um dos candidatos via o futuro de Portugal (se é que via alguma coisa…) e o que pensava (se é que pensava alguma coisa…) serem as grandes questões estratégicas que se colocam ao País num mundo em acelerada e radical mudança.

Por exemplo, como cada um via a relação Portugal/União Europeia ou as relações com o mundo da Lusofonia ou a posição do Atlântico no novo mundo global e a função de Portugal nesse quadro estratégico… Ou, last but not least, face ao mais que esgotado modelo da economia portuguesa que estratégia para o substituir? Que modelo para garantir a sobrevivência do País e a segurança e bem-estar dos Portugueses? E, sobre isto, os candidatos disseram nada!

Tivemos, portanto, uma campanha feita de modo arcaico, à maneira do século passado, e uma ausência das questões decisivas e estratégicas. O que é comum a estas duas coisas é uma outra ausência: a ausência de inteligência… E esta ausência não pode deixar ninguém descansado, porque é algo aterrador.

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