Com a Nota do Presidente da República sobre a Caixa Geral de Depósitos publicada no sítio oficial da Presidência, o Presidente Marcelo inaugurou uma nova forma de “magistratura de influência”, conceito que Mário Soares aprofundou nomeadamente através das “Presidências-abertas” como “forma de actuar pautada por um acompanhamento discreto, embora atento, da vida política nacional, uma influência que considera não necessitar “de ser pública para ser eficaz”.
Marcelo seguiu em parte o exemplo de Soares, não só com a “presidência dos afectos” mas também na coabitação com o governo (que Soares também exerceu no seu primeiro mandato, com Cavaco Silva).
Mas Marcelo levou agora a sua “magistratura de influência” a um novo patamar, ao decidir oficializar a sua interpretação da uma lei – Lei n.º 4/83 – e com isso pressionar não apenas os administradores da Caixa Geral de Depósitos mas também o Tribunal Constitucional.
Não está em caisa a justeza da opinião do Presidente sobre a obrigatoriedade da entrega no Tribunal Constitucional da declaração de rendimentos e património dos gestores da Caixa Geral de Depósitos. Aliás, essa opinião é largamente maioritária no País, quer no campo político-partidário quer na opinião publicada. O que se afigura menos compreensível é que o Presidente não tenha usado a sua magistratura de influência de forma discreta junto dos interessados, isto é, a administração da Caixa, em vez de o fazer publicamente e de forma tão formal.
Por outro lado, ao exprimir de forma oficial a sua interpretação da lei ao mesmo tempo que declara competir ao Tribunal Constitucional “decidir sobre a questão em causa”, o Presidente está a exercer sobre este órgão uma pressão nos limites do aceitável, tendo em conta a separação de poderes.
Pode perceber-se a preocupação do Presidente com o arrastar da situação e com os prejuízos que daí advêm para a economia do País e para a imagem da Caixa Geral de Depósitos. Pode aceitar-se que tenha querido forçar uma decisão rápida e até “estimular” o Tribunal Constitucional a agir pró-activamente. Mas, mesmo assim, não teria sido mais eficaz fazê-lo de forma discreta?
Depois desta intervenção do Presidente, os administradores da Caixa só têm uma saída: demitirem-se ou apresentarem a declaração e contarem a sua versão da “estória”.
Artigo publicado inicialmente no blog VAI E VEM