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João de Sousa

Sábado, Novembro 23, 2024

Pressão dos EUA contra Huawei é disputa hegemônica com a China

Não deixa de ser sintomático o argumento dos Estados Unidos, apontando para possíveis casos de espionagem chinesa, quando são públicos os casos de monitoramento pela Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA) de empresas e autoridades públicas estrangeiras.

As disputas entre Estados Unidos e China em torno da infraestrutura da rede 5G devem ser situadas no contexto mais amplo de concorrência interestatal capitalista que tem marcado o cenário internacional, em especial quanto ao domínio tecnológico. Considerando o potencial que a rede 5G tem no desenvolvimento da “internet das coisas”, no aprofundamento dos processos de automação e troca de dados em tempo real no campo civil e militar, o controle sobre esta rede é central.

Embora a China ainda seja dependente do fornecimento de semicondutores de empresas estrangeiras, setor ainda dominado pelos norte-americanos, em vários segmentos das tecnologias de ponta, suas empresas, como a Huawei, possuem vantagens competitivas importantes, o que tem se manifestado nessas disputas.

Além disso, é importante notar que a construção dessas vantagens competitivas resulta de uma clara estratégia de longo prazo de ampliação da autonomia tecnológica chinesa, o que inclui o ramo de semicondutores, insumo chave para essas tecnologias.

Assim, a pressão que os Estados Unidos têm exercido sobre vários países para banir a Huawei dos processos de construção da infraestrutura da rede 5G deve ser vista, a meu juízo, sob esse prisma.

Afinal, não deixa de ser sintomático o argumento apresentado pelos Estados Unidos, apontando para possíveis casos de espionagem e sabotagem chinesas via controle tecnológico, quando já são públicos há vários anos os casos de monitoramento pela Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA) de empresas e autoridades públicas estrangeiras – tais como Dilma Rousseff e Angela Merkel. Em outras palavras, a possibilidade de monitoramento está aberta também quando se considera que as telecomunicações sejam geridas por empresas ocidentais; e há fortes evidências de que os Estados Unidos fizeram extensivo uso disso no passado recente.

Diante disso, parece-me que o argumento problemático de que haverá uma fuga de empresas diante da posição ocupada pela Huawei busca ocultar a questão fundamental de disputa hegemônica entre Estados Unidos e China. Isso revela que a preocupação dos Estados nacionais que não possuem autonomia tecnológica nesse campo quanto à segurança nacional, como o Brasil, deve estar sempre presente, de modo que a construção e a operação da rede 5G seja acompanhada de perto pelas agências reguladoras e de inteligência nacionais.

Em um primeiro momento, parece que os EUA têm demonstrado, uma vez mais, sua posição hegemônica e sido capazes de influenciar um conjunto importante de países no que se refere ao banimento da Huawei na construção da rede 5G, tais como Reino Unido, Austrália e Japão.

No entanto, é importante notar que há um custo econômico não desprezível nesse processo, uma vez que os preços dos equipamentos da Huawei são atualmente inferiores aos das concorrentes. Isso pode não apenas encarecer, mas atrasar de modo importante a expansão da rede 5G nos países que optarem pelo banimento, com efeitos potenciais sobre a produtividade da economia como um todo.

No caso brasileiro, parece pouco provável, ao menos até o momento, que a Huawei venha a ser impedida de participar dos leilões da rede 5G justamente pelo impacto que isso pode ter na própria viabilidade de sua construção, já que a empresa tem importante atuação no país na rede 4G.

Diante dessa disputa entre Estados Unidos e China, o Brasil tem a oportunidade de, no exercício de sua soberania, buscar, justamente por causa da disputa, estabelecer relações que ampliem ao máximo seu raio de manobra econômico e geopolítico. A situação mais prejudicial ao país parece-me ser aquela de um alinhamento “automático” à posição norte-americana nesse, tema sob o pretexto pouco fundamentado de retaliações econômicas vindas do mercado.


por Alex Wilhans Antonio Palludeto, Diretor do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais do Instituto de Economia da Unicamp   |    Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

 

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