Além de encontrar momento e local apropriados para falar sobre o assunto com o potencial suicida, é recomendado ouvi-lo e oferecer apoio.
O 10 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio que, neste ano, assim como foi em 2019, tem por tema “Trabalhando juntos para prevenir o suicídio”, visando difundir a conscientização para sua precaução. Trata-se de uma das 20 principais causas de morte no mundo, para pessoas de todas as idades (calcula-se a ocorrência de um suicídio a cada 40 segundos). Para cada suicídio, 25 pessoas fazem uma tentativa e muitas mais pensam seriamente nele (cerca de 108 milhões de pessoas por ano afetadas pelo comportamento suicida), segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Entidades médicas, como a Associação Brasileira de Psiquiatria, organizam campanhas como o “Setembro Amarelo”, dedicadas ao tema. Nesta quinta, a Frente Parlamentar de Prevenção do Suicídio e Automutilação da Câmara de Deputados promove o 2º Simpósio Nacional de Prevenção do Suicídio e Automutilação, com o tema “Esperança em meio à crise: como superar a depressão e a ansiedade pós pandemia”.
Em 2016 (último dado disponível), o Brasil registrou 13.467 suicídios, dos quais 10.203 entre homens. Cerca de 96,8% dos casos são relacionados a transtornos mentais (depressão, transtorno bipolar, abuso de substâncias, dentre outros – o país apresenta a maior prevalência de depressão da América Latina, de acordo com a OMS). Um brasileiro se suicida a cada 46 minutos, estima o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope). Sua pesquisa apurou que uma em cada quatro pessoas já pensou em se matar durante a adolescência.
Segundo a OMS, na idade de 15 a 19 anos, o suicídio aparece como segunda causa de mortes entre as meninas, atrás das complicações na gravidez, e a terceira entre meninos, depois de acidentes de trânsito e violência. “Apesar de mais comum em idosos, tirar a própria vida vêm crescendo entre os jovens e merece nossa atenção. Os pais devem ficar atentos a mudanças no comportamento dos filhos. Algumas mudanças são o isolamento social ou familiar, mudanças bruscas de comportamento, pessimismo e perda ou ganho inesperado de peso”, alerta psiquiatra Teng Chei Tung.
Natureza humana concreta
Em 1846, aos 28 anos, Karl Marx escreveu “Sobre o suicídio”, baseado em excertos de dados apresentados por Jacques Peuche. Já induzira um ano antes (VI Tese sobre Feuerbach) que a natureza humana não é uma natureza abstrata, metafísica, imutável, mas “é o conjunto das relações sociais” concretas dos homens em sociedade, na luta de classes, na transformação constante da vida. No texto de 46, Marx aponta que o número anual dos suicídios “deve ser considerado um sintoma da organização deficiente de nossa sociedade; pois, na época da paralisação e das crises da indústria, em temporadas de encarecimento dos meios de vida e de invernos rigorosos, esse sintoma é sempre mais evidente e assume um caráter epidêmico. A prostituição e o latrocínio aumentam, então, na mesma proporção. Embora a miséria seja a maior causa do suicídio, encontramo-lo em todas as classes, tanto entre os ricos ociosos, como entre os artistas e os políticos”.
Marx relaciona várias motivações para os suicidas, como falsas amizades, acessos de desânimo, sofrimentos familiares etc. Cita também os “amores traídos”. Foi o que levou sua filha, Eleanor (cuja biografia é abordada em um filme, dirigido pela italiana Susanna Nicchiarelli, apresentado no último sábado, 5, no Festival Internacional de Cinema de Veneza), a cometer suicídio, em 31 de março de 1898, aos 43 anos, após descobrir que seu companheiro, Edward Aveling, havia se casado secretamente, meses antes, com uma atriz bem mais jovem. Ela fez um pacto de morte com Edward – ele mudou de ideia, mas somente após ela ter tomado ácido cianídrico (há quem suspeite que ele, na verdade, ministrou o veneno a ela). Eleanor deixou um derradeiro bilhete para Edward: “Minha última palavra para você é a mesma que eu tenho dito durante todos estes longos, loucos anos – amor”.
Karl cita ainda as “doenças debilitantes, contra as quais a atual ciência é inócua e insuficiente”, como indutoras de suicídio. Em novembro de 1911, outra sua filha, Laura, suicidou-se, aos 66 anos, junto com o marido, Paul Lafargue. Coube a ele escrever a mensagem final do casal: “São de corpo e espírito, dou-me a morte antes que a implacável velhice, que me tirou um após outro os prazeres e gozos da existência, e me despojou de minhas forças físicas e intelectuais, paralise minha energia e acabe com minha vontade, convertendo-me em uma carga para mim mesmo e para os demais. Desde há alguns anos me comprometi a não ultrapassar os setenta anos”. Ou seja, Laura e Paul deram fim à vida para não viver a velhice, contra a qual, poderiam repetir Karl Marx, “a atual ciência é inócua e insuficiente”.
Neste ano de 2020, tragicamente marcado pela pandemia do novo coronavírus e pela intensificação da intolerância entre as pessoas, no dia 4 de maio o ator e dramaturgo Flávio Migliaccio tirou a própria vida em seu sítio, no Rio de Janeiro. Numa carta de despedida, registrou: “Me desculpem, mas não deu mais. A velhice neste país é o caos como tudo aqui. A humanidade não deu certo. Eu tive a impressão que foram 85 anos jogados fora num país como este. E com esse tipo de gente que acabei encontrando. Cuidem das crianças de hoje!”.
A divulgação da carta causou indignação a algumas pessoas, que invocaram pronunciamentos da OMS e de conselhos de psicologia que consideram que cartas suicidas podem influenciar mais gente a fazer o mesmo. Outras pessoas, porém, opinaram que ocultar a carta que o ator escreveu com o claro propósito de que viesse à luz seria um insulto à sua memória. Consideraram o desabafo do artista um protesto, um documento histórico.
Prevenção do suicídio
No portal do Ministério da Saúde na internet, há uma página com orientações para a prevenção do suicídio. Além de encontrar momento e local apropriados para falar sobre o assunto com o potencial suicida, é recomendado ouvi-lo e oferecer apoio. Incentivá-lo a procurar ajuda de profissionais, de serviços de saúde, de saúde mental, de emergência ou de algum serviço público e colocar-se à disposição para acompanhá-lo a um atendimento. Se a pessoa aparentar estar em perigo imediato, não deixá-la sozinha. Buscar ajuda de profissionais de serviços de saúde, de emergência e contatar alguém de confiança, indicado pela própria pessoa.
É possível encontrar ajuda para prevenir o suicídio nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da Família, Postos e Centros de Saúde); UPA 24H, SAMU 192, Pronto Socorro; Hospitais; Centro de Valorização da Vida – 188. Está disponível também o manual da OMS para prevenção do suicídio.
por Carlos Pompe, Jornalista | Texto original em português do Brasil
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