Decorreu esta semana mais um Fórum Económico Mundial, na estância suíça de Davos, onde o tema principal do encontro foi a cooperação num mundo fragmentado e os principais pontos de discussão foram: a) a crise do custo de vida, vista numa conjuntura em que todos os problemas tendem a tornar-se mais interligados, mais prejudiciais e mais difíceis de resolver que nunca, estes parecem reduzidos à crise do custo de vida e governos e bancos centrais enfrentam o terrível dilema de gastar mais dinheiro para proteger as populações do aumento do custo de vida, ou aumentar as taxas de juros para combater uma inflação que pode desencadear uma recessão global; b) a guerra na Ucrânia, com uma numerosa delegação ucraniana completamente empenhada no lobbying por mais apoio internacional, mas com o debate a centrar-se principalmente nas suas implicações para a segurança global, políticas de defesa, energia e produção de alimentos; c) a crise climática, um tema repetido na agenda de Davos na última década, agora prejudicado pela questão ucraniana e pela crise de custo de vida exacerbada por fatores como a inflação, o aumento dos custos dos combustíveis e a escassez de alimentos; d) a crescente crise alimentar, expressa numa múltipla ameaça de escassez de alimentos, energia e fertilizantes, a perda de biodiversidade e o clima cada vez mais extremo; e) a “Quarta Revolução Industrial”, particularmente os problemas de governança derivado do aumento da interconectividade e dos avanços na inteligência artificial e computação quântica, que deverão justificar uma abordagem mais globalista que ajude a libertar o potencial da inovação.
Mas enquanto digerimos e avaliamos as notícias que de lá nos vão chegando, lembremos que o conhecido fórum dos ricos (Davos reúne anualmente os ricos dos mais ricos e os seus serventuários, ou como em tempos alguém disse: é a reunião onde os bilionários dizem aos milionários o que a classe média pensa) tem sido pródigo a produzir previsões ousadas, mas nem sempre concretizadas.
Foi assim que em Maio de 2022, numa reunião onde a grande preocupação foi o destino da economia da Europa após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a CEO do Citigroup, Jane Fraser, avançou a previsão de uma rápida recessão na Europa, justificada pela guerra, pela crise energética e pela fragilidade das cadeias de distribuição. A realidade mostrou que apesar da taxa de crescimento da UE ter sofrido uma quebra e de a inflação ter disparado, esta escapou até agora à recessão e embora vários analistas prevejam uma leve recessão no início de 2023 (queda no PIB da ordem dos 0,1%), os analistas da Goldman Sachs melhoraram a sua perspectiva sobre a região, dizendo esta semana que já não preveem uma recessão na zona do euro este ano, apenas 0,6% este ano, mas significativamente acima do consenso anterior, que era de -0,1%.
No Fórum Económico Mundial de 2020, o então ministro das Finanças alemão, Olaf Scholz, pugnou pela redução das barreiras ao comércio e mostrou-se confiante na conclusão de um acordo comercial entre a UE e os EUA, mas apesar da resolução de algumas disputas comerciais entre as duas economias, após a eleição de Biden, as partes continuam a parecer longe do acordo anunciado e a recente Lei de Redução da Inflação de Biden, nada ajuda por acrescentar as preocupações dos europeus que a julgam discriminatória para as suas empresas e não cumpre as regras do comércio internacional.
Na reunião de 2019, o fundador da BCG Digital Ventures, Jeff Schumacher, pressagiou que o preço da Bitcoin poderia cair para zero, mas apesar da grande volatilidade atingiu em 2021 e 2022 níveis bem acima dos máximos históricos e apesar de ter caído desde então, os seus níveis de negociação mantém-se acima da média dos últimos quatro anos.
Mas o mais falhado dos prognósticos terá sido o formulado em 2018 por George Soros – o magnata do hedge fund, celebrizado como “o homem que quebrou o Banco da Inglaterra” quando, durante a crise monetária do Reino Unido, especulou contra a libra inglesa, vendendo a descoberto 10 mil milhões de dólares em libras esterlinas, na “Quarta-Feira Negra” (16 de Setembro de 1992), forçou a desvalorização da moeda inglesa e arrecadou um lucro estimado em mil milhões de dólares – quando previu uma guerra nuclear com a Coreia do Norte.
Esta faceta pícara em nada tem reduzido o habitual tom de confiança (de que Mário Centeno, o presidente do Banco de Portugal, foi um dos porta-vozes) e de estímulo ao aprofundamento da globalização (especialmente agora que, como mostra a evolução do índice de abertura comercial, ela dá os primeiros sinais de estagnação), algo que nem a actual desordem geopolítica parece ter beliscado demasiado (a excepção poderia ser Christine Lagarde, a presidente do BCE, que não acompanhou integralmente a onda de optimismo), talvez porque o relatório anual sobre as desigualdades, recentemente apresentado pela OXFAM, tenha revelado um aumento da riqueza (com o 1% de população mais rica a apropriar-se de quase 2/3 da nova riqueza criada depois de 2020) e o simultâneo crescimento da pobreza extremas ou a proposta de uma nova taxação dos magnatas, orientada no sentido de algum reequilíbrio global e para contrariar o facto de metade dos maiores multimilionários terem residência fiscal em países de baixos impostos, constituírem matéria de menor preocupação.