Os meus objectos (8)
O meu primeiro carro foi-me oferecido pelo meu pai. Custou 100 contos (cerca de 500€). Um Fiat 850, branco. Fez as minhas delícias.
Durante os 5 anos em que estudei no Porto, desloquei-me sempre de comboio e autocarro. Também, nessa altura, não me motivava conduzir e só tirei a carta de condução com 25 ou 26 anos de idade. Mas, o Fiat 850 foi uma novidade e um acontecimento. Consegui obter autonomia e fiquei menos dependente dos horários de transportes públicos que sempre usei. Consequentemente, fiquei muito mais dependente do novo veículo. E, mesmo pequenos percursos que pouco tempo antes fazia a pé sem qualquer problema, eram agora feitos de carro.
Não parecendo, isto foi uma mudança radical na minha vida. Naquele tempo, não tive qualquer consciência dessa nova situação e das suas consequências, designadamente, um maior sedentarismo. E, claro, tornei-me em mais um a poluir o ambiente e a encher a cidade e a estrada de carros. Tudo isto porque tinha um carro.
Há anos que não tenho qualquer gosto em conduzir. Até costumo brincar com os meus amigos e dizer que, mais do que um carro, o que eu gostava mesmo era de poder ter um motorista que me desse o conforto de um carro, sem as chatices das filas ou da procura de estacionamento, entre muitas dificuldades que hoje vivemos nas cidades.
Apesar de tudo isto, hoje recordo ainda com ternura aquele primeiro carro. Recordo a “alucinante” velocidade… de 110 kms/hora que ele, com esforço, alcançava numa descida na autoestrada. Recordo como isso me dava gozo. Pensava eu que isso era uma forma de ser livre.
Hoje, sei que estava enganado. Mas, a vida também se faz das ilusões da juventude.