Quando pensávamos que a criatividade humana e que os estereótipos de género tinham entrado em crise, constatamos que não: foi encontrada uma nova forma de os disseminar. A chamada “cultura de princesas” não é outra coisa senão isso: uma forma de perpetuar no século XXI concepções que há muito pensávamos abandonadas.
E, assim, a maior parte das pessoas, sem sequer se darem conta, estão a reproduzir todas as ideias erradas sobre o papel da mulher, nomeadamente a da subserviência, a da futilidade, a da exclusividade (ou preponderância) da função doméstica. O que acontece é que se está a direccionar todo o potencial imaginativo e de fantasia das meninas para as “fechar” no mundo da aparência e da superficialidade que limita e inibe as suas potencialidades de desenvolvimento como seres humanos livres, com aptidões para inúmeras tarefas e papéis.
Quer nas relações de proximidade da vida quotidiana, quer nas redes sociais esta “cultura” abunda e começa a ganhar o estatuto de “normalidade”. A educação num sentido global, de desenvolvimento intelectual, cívico e emocional, fica relegada para segundo plano (ou para nenhum) e dá lugar à aprendizagem de normas de etiqueta; o mundo colorido e diversificado dá lugar à monotonia enjoativa do “rosa”.
“Escolas de Princesas”
No Brasil já existem quatro “Escolas de Princesas” e, segundo a sua fundadora, Nathalia de Mesquita, o objectivo é educar para a “vida real”. Mas, o que entende esta senhora por vida real? Consultando o site da empresa podemos constatar que os conteúdos são os seguintes: etiqueta, estética (tudo o que se refere à aparência exterior), castelo de princesa e ainda o separador “de princesa a rainha”. Todos eles são bem indicativos do que se pretende: saber como usar “vestidos extravagantes e tiaras” para agradar a um príncipe.
Estamos, então, entendidos sobre o que é vida real! Também o pressuposto da escola é claro e é apresentado no referido site: preparar as meninas para “o passo mais importante na vida de uma mulher, sem dúvida nenhuma, o matrimónio”. As actividades práticas também são esclarecedoras: chá de princesas, encontro de princesas, aniversário de princesas. Como se está a ver, estas são aprendizagens fundamentais no mundo de hoje, para qualquer jovem rapariga!
Segundo as palavras de Ana Margarida de Carvalho (Visão, 21/10/16): “As escolas de Princesas têm gerado muita polémica no Brasil por relegarem meninas para papéis secundários, cosméticos e decorativos. Em vez de as prepararem para coisas úteis e que estimulem o desenvolvimento intelectual, empurram-nas para a futilidade mais retrógrada e sexista.”
Retrocesso civilizacional
Este é apenas mais um exemplo do retrocesso civilizacional a que assistimos. Também a este nível é preciso desconstruir preconceitos e estereótipos, encontrar formas que levem os pais e todos os educadores a tomar consciência das consequências nefastas para as suas filhas desse modelo de “princesa”.
Porque, no mundo real, princesas há poucas. O que há, de facto, são seres humanos, homens e mulheres, meninos e meninas que devem crescer sabendo que a realidade humana é diversa e que cada um e cada uma tem o direito de se desenvolver integralmente, realizando tarefas e funções de acordo com os seus gostos, interesses, motivações, capacidades.
Quem ensina etiqueta, poderá continuar. Mas, por favor, não lhe chamem “escola”. Em respeito pelas escolas mas também pelas princesas (não muitas) que se preocuparam com outros assuntos para além da etiqueta!