Os Portugueses de Quatrocentos e Quinhentos, ao longo de um processo evolutivo de mais de cem anos, foram os pioneiros na inovação tecnológica e geoestratégica numa época de transição. Valeram-se do improviso organizacional, de uma lógica incremental e de um pensamento «out-of-the-box». Souberam agarrar uma janela de oportunidade da História que não se repetiria.
Nascimento & Devezas (2009)
Nos finais do século XV, inícios de XVI, fomos capazes de revelar à Europa que o homem é feito de muitos homens, muitas raças, contribuindo para o aprofundar da visão renascentista e provocando um abalo que forçou a reconstrução e reconfiguração de todo o saber.
Teias e cumplicidades
Esta capacidade de provocar mudanças e de revelar outros mundos, faz parte e existe no nosso ADN, o ADN de um país com uma alma que teve o tamanho do mundo e que tem sido transportado através dos tempos pelo espírito da língua portuguesa, fazendo com que as teias criadas a partir das relações, centradas na cultura e no conhecimento, perdurem ao longo dos séculos, dimensões em que hoje teremos que apostar se quisermos reforçar as novas teias e cumplicidades. Uma língua donde se vê o mar e se ouve o seu rumor, como disse Vergílio Ferreira, e que é hoje a nossa maior riqueza, o instrumento privilegiado e estratégico na afirmação de Portugal no contexto europeu e na afirmação da Europa no contexto mundial.
E se Portugal foi nessa altura a primeira aldeia global, o pioneiro da globalização, nada o impede que hoje se assuma como um laboratório do futuro, como um laboratório de diálogo e contaminação de culturas, como um espaço de encontros, de troca e de criação de cumplicidades entre as diferentes culturas e olhares do mundo. Agora já não como potência e império, mas no quadro do universo da língua portuguesa, uma língua com mais de 250 milhões de falantes e com todas as culturas e olhares do mundo.
1 – Língua como Plataforma de Invenção do Futuro
Num mundo dominado pelos conflitos entre as diferentes culturas e religiões, onde é cada vez mais difícil pormo-nos no lugar do outro e fomentar e incentivar o diálogo, ter condições para criar espaços ou plataformas onde se possa juntar na mesma mesa gente de diferentes culturas e religiões a falar sobre o estado do mundo e os futuros possíveis é, necessariamente, uma vantagem estratégica no contexto internacional
Para além de ser o nosso instrumento privilegiado para produzir pensamento, a força da língua vem do facto, para além de transportar dentro de si muitos dos olhares e culturas do mundo, de ter uma grande facilidade juntar esses olhares e culturas a conversar à mesma mesa. Ser uma língua de diálogo e encontro de mundos é claramente uma vantagem estratégica, num tempo em que parece emergir a tendência para se levantarem mais muros que pontes, no tempo da globalização em que esse diálogo e troca de pontos de vista é fundamental e urgente.
Criar estas plataformas, estes espaços de diálogo e troca, é o primeiro desafio que contribuirá para que possamos ter, em português, um olhar e uma ideia sobre o mundo e perceber de que forma esse olhar, tal como aconteceu no século XVI, pode contribuir para ajudar a inventar os futuros possíveis, um mundo diferente.
(continua)