Mais do que uma comunidade linguística, é uma articulação convergente de espaços e de povos que estabelecem plataformas estratégicas a partir de um entendimento comum do que é o espaço de possibilidades
Ernâni Rodrigues Lopes (2011)
A língua portuguesa já está no coração de plataformas regionais tão significativas como a ASEAN, Associação de Nações do Sudeste Asiático, o Mercosul, a Comunidade Europeia e a Southern African Development Community (SADC), o que lhe dá uma infinidade de articulações e de cruzamentos que permite dizer que está em todo o mundo e tem todo o mundo dentro dela.
A razão de Timor continuar a apostar na língua portuguesa, quando a maior parte dos seus habitantes não a compreendem, e quando seria mais fácil adoptar o inglês que facilitaria a comunicação com os seus vizinhos, foi porque o português foi visto, para os políticos timorenses, como algo estratégico que serviu como um símbolo poderoso para mostrar que Timor era diferente da Indonésia. Por isso é fundamental ter consciência do poder simbólico e diferenciador desta língua, para se perceber a força e a dimensão que ela tem hoje e a que pode vir a ter num futuro próximo.
Plataforma do Futuro
Pensar numa Pátria da Língua Portuguesa é sermos capazes de inventar futuros, de criar um cais ou uma Plataforma do Futuro, um espaço de referência ao nível da produção de conhecimento, que, tal como em mil e quinhentos, seja capaz de:
- atrair e juntar especialistas de todo o universo da língua portuguesa e das diferentes áreas do conhecimento;
- romper com a tendência para o conhecimento super-especializado e as visões sectoriais ou disciplinares da realidade;
- acabar com a visão única e centralista, a do nosso lugar como centro do mundo e que temos tendência a tomar como única, e substitui-la pela pluralidade das visões que a língua tem e que nos permite compreender a complexidade do mundo e responder aos desafios com que actualmente se confronta.
O conceito de plataforma/espaço de fronteira, espaço de ninguém e de todos, onde os países, as culturas, as disciplinas e as ideias se encontram e se cruzam, é aqui fundamental, pois é nesta franja fina, nesta fronteira entre a ordem perfeita e a anarquia total, neste estado de transição instável e estabilizado, temporário e permanente, que se situam os fenómenos que constroem a vida, a sociedade, o ecossistema.
Uma plataforma capaz de trabalhar sobre as temáticas ligadas às diferentes regiões onde a língua portuguesa está ou já esteve presente, que nos permita cruzar mundos, fazer leituras plurais, confrontar culturas e civilizações, potenciar a nossa capacidade de em português fazermos leituras cruzadas do mundo, reavivarmos a memória, revelarmos a realidade que atravessa os mundos em que vivemos, experimentarmos a nova cultura, a 3ª cultura, antecipando muitas das questões com que vamos ser confrontados e a que vamos ter de dar resposta no futuro.
A Nova Escola de Sagres
O universo da língua portuguesa tem hoje todas as condições para se assumir como um laboratório do diálogo e cruzamento de culturas, agora já não como império, mas como plataforma ou interface para a emergência de uma outra cultura, a cultura do conhecimento.
Por tudo isto parece-nos fundamental constituir um laboratório de projectos de e para este universo, uma grande rede de comunicação que atravesse os países e os oceanos, de Timor ao Brasil, e mobilize as diásporas de língua portuguesa que estão espalhadas por todo o mundo.
No fundo necessitamos de um sonho, de uma Nova Escola de Sagres, como a que permitiu que, no séc. XVI, D. João II e o Infante D. Henrique tivessem sido capazes de atrair para Portugal uma elite de cientistas de outras partes da Europa, iniciando um diálogo com peritos e “scholars” de várias áreas do conhecimento, criando um primeiro think tank, a Escola de Sagres. Houve de facto uma operação audaciosa de gestão do conhecimento da época, de atração de talentos, de adjudicação de trabalho científico de alto nível na Europa e de criação de uma base naval na parte mais meridional do país, um movimento estratégico no Sul do país a que Agostinho da Silva chamou “a construção de um cais” e que Alex MacGillivray comparou “ao Cabo Canaveral da NASA nos anos 1960”[1].