As justificativas em defesa de privatizações são completamente mentirosas. Os interesses dos novos proprietários se resumem à apropriação do caixa e do patrimônio de cada empresa adquirida.
As privatizações e as concessões efetivadas no Brasil desde o início da década de 1990 não vêm resultando em investimentos conforme o esperado. Ao contrário, as empresas alienadas e a maioria das concessionárias ficaram estagnadas ou foram desativadas.
A maioria absoluta foi adquirida por empresas estrangeiras, cujo processo decisório para realização de investimentos passou a ser de suas matrizes no exterior.
As aquisições das empresas estatais na década de 1990, mesmo tendo sido realizadas com títulos públicos pelos valores de faces de cada título a vencer em mais de 20 a 25 anos sem qualquer deságio (denominadas moedas podres), logo, sem comprometer dispêndios financeiros próprios e não menos grave as empresas foram alienadas por preços aviltados devido a avaliações subestimadas via cálculo do valor presente usando elevadas taxas de desconto, superestimativa da evolução de custos operacionais e subestimativa da evolução de receitas.
Mesmo assim, as privatizações não foram capazes de gerar investimentos em expansão e modernização, o que resultou, inclusive, em significativas perdas de concretas oportunidades para se tornarem multinacionais.
Governos Collor e Itamar
Durante os governos Collor e Itamar, as experiências, particularmente na siderurgia, mostram que, exceto a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) adquirida pelo grupo paulista Vicunha, as empresas desse setor foram compradas por grupos estrangeiros, a Usiminas foi adquirida pelo grupo Terniun da Itália; a ex-CST e a ex-Acesita, em conjunto com o ex-grupo Belgo Mineira, foram adquiridas pelo grupo indiano Arcelor-Mittal.
Cabe lembrar que o modelo de privatização proposto pelo Banco do Brasil como seu controlador contemplava aumentos de capital com renúncia de subscrição pelo Banco do Brasil (BB) através de leilão de modo a garantir que a empresa realizasse plano de investimentos capazes de aproveitar oportunidades concretas para se tornar uma das maiores players mundiais de aços especiais (inoxidáveis e siliciosos). No entanto, o modelo utilizado pelo BNDES através de leilão de ações ordinárias possibilitou aos possuidores de moedas podres a aquisição da empresa por preço aviltado que gerou prejuízos da ordem de US$ 150 mi ao BB, e, pior, os novos investidores não efetivaram os investimentos previstos, o que resultou na perda da referida oportunidade internacional.
No caso do aço, o Brasil, que era o sétimo player mundial do setor, antes das privatizações realizadas na década de 1990, ocupa atualmente uma posição inferior ao décimo terceiro lugar. Produzia cerca de 32 milhões de toneladas de aço e atualmente pouco supera uma capacidade de 50 milhões por ano, enquanto a China que tinha produção inferior à do Brasil, hoje tem capacidade superior a 950 milhões de toneladas de aço por ano usando minério de ferro, principalmente, da Companhia Vale, de outras mineradoras do Brasil e da Austrália.
Já no que diz respeito à petroquímica e ao setor de fertilizantes, a Petroquisa, a Petrofertil e a Valefertil, simplesmente foram desativadas em obediência aos interesses de suas matrizes fora do Brasil.
Período FHC
Ativos de elevados valores, como as minas com alto teor de ferro da Companhia Vale em Minas Gerais (Brucutu etc.) foram considerados como exauridos sem qualquer valor pelo governo FHC, o que resultou em baixíssima avaliação de sua alienação. Porém, logo após a empresa se tornar privada, tais ativos voltaram a ser explorados e considerados úteis para mais 500 anos de exploração. Por conseguinte, a alienação da Vale por apenas US$ 3 bi foi considerada, com sólidos argumentos, a mais escandalosa negociação em prejuízo do país em favor apenas dos grupos beneficiados.
A Petrobras durante todo o período FHC foi obrigada a colaborar com o controle da inflação e com o superávit fiscal em obediência ao Fundo Monetário Internacional. Praticou preços abaixo do mercado e perdeu capacidade para investir durante todo o período.
No período entre 1985 e 2005, duas décadas (um quinto de século) perdidas, as taxas de investimentos em relação ao PIB oscilaram bastante e decresceram a níveis inferiores a 15%. O crescimento médio do PIB foi inferior a 3% a.a. e oscilou bastante durante o período.
Governos Lula e Dilma
Durante os governos Lula e Dilma, a Petrobras não apenas foi convocada a efetivar ambicioso plano de investimentos para elevar a produção e exploração do Pré-Sal, expandir e modernizar refinarias, petroquímicas e fertilizantes, como também para estruturar a diversificação, o enobrecimento e o adensamento do complexo petrolífero, da indústria naval e de fornecedores nacionais.
Energia – O apagão que caracterizou os resultados do modelo de concessões usado durante o governo FHC resultou em mudanças do marco regulatório e do fortalecimento do sistema Eletrobras com Dilma ministra de Energia e Lula, presidente. As empresas voltaram a investir significativa e aceleradamente, como as hidrelétricas de Belo Monte, bem como no desenvolvimento e na diversificação da exploração de várias fontes da rica matriz energética brasileira.
Foram priorizados projetos de aproveitamento de outras fontes, com destaque para a energia eólica, a energia solar e os biocombustíveis fósseis e agroenergéticos que geram importantes externalidades que diferenciam o Brasil na atração de investimentos.
Investimentos em transportes, portos, saneamento básico, moradia, praticamente nulos durante o governo FHC, passaram a ser prioridades do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Plano de Logística Integrada (PLI) e do Minha Casa, Minha Vida (MCMV).
O DNIT e a Valec voltaram a ter papéis estratégicos nas soluções dos transportes rodoviários e ferroviários, assim como os portos passaram a contar com secretarias especiais de nível ministerial, com o objetivo de viabilizar investimentos.
Aeroportos – Sem investimentos durante os governos FHC e Lula, a aviação ganhou uma secretaria especial no governo da presidenta Dilma, que após estudos sobre a explosiva demanda para viagens de avião resultante da inclusão social e da melhoria da distribuição de renda durante o governo Lula, identificou concretas oportunidades de parcerias entre a Infraero e investidores nacionais e estrangeiros, fundos de investimentos, fundos de pensão, bancos de investimentos públicos e privados para efetivar concessões.
A Infraero passou a ter participação fundamental visando otimizar o aproveitamento de sinergias resultantes de adensamento e enobrecimento de cadeias intersetoriais envolvidas (construção civil, minero-metalúrgica, plástico etc.) e, não menos importante, a retomada da cadeia aeroespacial.
Quanto aos aeroportos regionais, o governo começou a apoiar mais de 250 aeroportos pelo interior do Brasil com o claro objetivo de racionalizar o sistema de aviação como um todo, diminuindo o número de viagens excessivas, o congestionamento desnecessário nos principais aeroportos e melhor organização da distribuição de cargas.
Os governos de Lula e Dilma mudaram, portanto, completamente o conceito e a abordagem sobre o papel do Estado no processo de desenvolvimento brasileiro. O Estado voltou a ser “indutor do desenvolvimento”, de forma semelhante ao próprio Brasil durante 1930-1980, período em que o país experimentou um ciclo de crescimento baseado nos processos de substituições de importações e na estruturação de um sistema produtivo bastante diversificado e integrado, sob a liderança do tripé – setor produtivo estatal, multinacionais e empresas privadas nacionais. As taxas de investimentos chegaram a atingir 25% a.a. em relação ao PIB, o qual registrou crescimento médio de 7% a.a. durante o período.
O Brasil implementou, entre 2004 e 2014, um novo modelo de desenvolvimento baseado na inclusão social visando estruturar amplo mercado interno de massas cuja sustentação, no longo prazo, exige aumentar a formação bruta de capital fixo para garantir um crescimento médio do PIB em torno de 5% a.a. durante o referido ciclo. Ciente de necessidades de investimentos, os governos Lula e Dilma adotaram programas como o PAC, o MCMV, o Brasil Maior, a Estratégia Nacional de Defesa, entre outros, com o objetivo de estimular investimentos empresariais. Além disso, ousadas políticas de transferência de renda como o Bolsa Família, o fortalecimento do Benefício de Prestação Continuada, a criação e a implementação do Prouni, do Fies, da estruturação de intensa e interiorizada rede de universidades e de escolas técnicas, da instalação de milhares de cisternas no Nordeste, da transposição do rio São Francisco, viabilizaram a expansão dos níveis de consumo popular que estimularam investimentos elevados nos setores de bens duráveis e de bens essenciais.
Cabe ressaltar também que os governos Lula e Dilma deram maior relevância aos bancos oficiais – BNDES, BB, CEF, BNB e BASA –, como instrumentos estratégicos para elevar e democratizar linhas de crédito em condições adequadas de prazos e encargos tanto para a aquisição de bens duráveis, bem como para capital de giro de empresas de todos os portes, porém, condicionados ao controle do meio ambiente e à geração de emprego. Além disso, principalmente o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal estruturam programas de bancarização das classes de menores poderes aquisitivos.
Governos pós-golpe de 2016
O governo golpista de Temer e o fraudulento de Bolsonaro, este sob orientação de Guedes e Mattar em obediência à CIA, estão implementando amplo programa de privatizações que envolvem subsidiárias da Petrobras e do Banco do Brasil para enfraquecê-los e torná-los frágeis e incapazes de concorrer em segmentos altamente oligopolizados como constituem o setor petrolífero e o setor bancário que são constituídos por conglomerados físico-financeiros privados.
Nesse sentido, não menos grave, cabe chamar à atenção que a dupla pretende alienar o Serpro e a Dataprev que colocarão o sistema de informações governamentais à disposição, inclusive, da CIA e comprometerão, portanto, o sistema de defesa e os níveis de soberania nacionais, já vulneráveis com a instalação de base americana na estação espacial de Alcântara no Maranhão.
Ainda quanto às privatizações em curso, adverte André Araújo, “trata-se de brutal transferência de patrimônio público para o mercado financeiro, sem criação de riqueza nova e que irá gerar mais e não menos desemprego”. Achar que a privatização produz crescimento é matéria de fé, por si só é neutra, mas a curto prazo produz enxugamento de folhas e, portanto, mais desemprego e não tem por que produzir crescimento só porque é privado. A Eletropaulo, por exemplo, foi vendida com 27 mil empregados e dois anos depois da privatização tinha menos de 4 mil, os serviços aos clientes pioraram de forma absurda, com bairros sem luz por até quatro dias, algo que nunca ocorreu quando era estatal. As privatizações tampouco pressupõem gestão ótima, pois grande parte dos primeiros compradores são fundos e pretendem ganhar dinheiro revendendo a empresas depois do enxugamento. Grandes privatizações como Eletropaulo, CPFL, Light Rio, Brasil Telecom, Oi, Celmar, Elektro foram revendidas pelo arrematante original, serviram de ‘ativo especulativo’. Ganharam todos – investidores, bancos, intermediários, advogados, avaliadores –, menos o país, a economia, os empregados e os consumidores”.
Como expressa o economista Luiz Gonzaga Belluzzo (Carta Capital, de 18/09/2019) a venda de estatais não tem resultado em aumento da eficiência econômica e da produtividade total de fatores: “1. A indexação das tarifas e preços das empresas privatizadas produziu um aumento expressivo dos custos dos insumos de uso generalizado; 2. O investimento em infraestrutura passou a correr atrás da demanda, gerando pontos de estrangulamento na oferta de bens públicos e afetando negativamente a produtividade; 3. Grandes empresas, como a recém-privatizada Embraer, ‘exportaram’ os seus departamentos de P&D; 4. Os escritórios de engenharia, como o reconhecido Figueiredo Ferraz, reduziram dramaticamente seus quadros; 5. Para encerrar a sugestão de tragédias, os sábios da Lava Jato quebraram as grandes empreiteiras brasileiras.
Cabe concluir, portanto, assim como nos períodos Collor e FHC, as justificativas contemporâneas em defesa de privatizações são completamente tendenciosas, no que tange aos argumentos que, sob o comando privado, as empresas estatais alienadas, comprometam novos dispêndios financeiros próprios para retomarem investimentos.
Os interesses dos novos proprietários se resumem à apropriação do caixa e do patrimônio de cada empresa adquirida e as motivações desse governo se restringem ao pleno afastamento do Estado e a vergonhosa submissão do Brasil aos interesses internacionais, particularmente dos EUA.
por Cézar Manoel de Medeiros, Economista, doutor pelo IE/UFRJ | Texto original em português do Brasil
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