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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Problemas do século XXI exigem competências globais, literacia e consciência

Manuel Pezerat Azancot de Menezes, Austrália
Manuel Pezerat Azancot de Menezes, Austrália
Mestre em Ensino de Física e Química, Professor em QLD, Austrália

Quem dita as regras que guiam qualquer relação – digamos, amorosa, por exemplo – se não a relação em si? Colocar regras sem saber de onde vêm e viver em descontexto é o que enfraquece os pilares das relações. O mesmo se passa com a relação entre sociedade, escolas e sistemas de ensino. Regras e estruturas que são descontextualizadas e que não apelam aos verdadeiros problemas do século XXI.

A certa altura da história, disciplinas foram estabelecidas nos sistemas de ensino. Disciplinas diferenciadas pelos seus conteúdos. Ora, cada vez mais, estabelece-se a ideia de que este sistema é obsoleto. Para além de não garantir uma aprendizagem sólida e abrangente, dissolve a aprendizagem com conteúdos isolados e abstractos e de fraca aplicabilidade social. O paradigma está a mudar em algumas partes do mundo.

Nas escolas da Finlândia, por exemplo, as disciplinas estão a ser abolidas. Em vez disso, os alunos estudarão eventos e acontecimentos de uma maneira interdisciplinar. Estudos mostram que interdisciplinaridade e ensino por investigação podem aumentar o interesse genuíno dos alunos por aprender e a consciencialização acerca do mundo real. Um exemplo é a educação interdisciplinar operacionalizada por STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática) ou STEAM (+ artes) ou STREAM (artes + religião), um caminho a seguir para uma sociedade complexa como a nossa, pois, deparamo-nos hoje com problemas do século XXI e estes exigem competências globais, literacia e consciência.

As crianças de hoje serão os adultos de amanhã. E os adultos tomarão decisões que sustentarão a sociedade nas várias dimensões que sejam consideradas. Desde terem iniciativas criativas na sua comunidade local até tomarem decisões não-corrompidas em posições de poder no mundo da política. O segundo parece ser uma tendência do sistema político-económico presente. Mas na verdade, corrupção é algo mais profundo do que apenas uma reacção humana a um sistema de trocas e ganhos. Corrupção aparece inevitavelmente como um produto da complexidade probabilística de um sistema. Por exemplo, corrupção aparece nas florestas sob forma de incêndios, e aparece nas nossas peles sob forma de cancro.

Sem dúvida, a corrupção é uma forte raíz de parte dos problemas de hoje. E se o meu vizinho não roubasse produtos do supermercado? E se os negócios criados tivessem também um objectivo genuíno e vantajoso para a sociedade, e não meramente um objectivo financeiro? E se aquele político não fosse corrupto nas decisões que toma? Em todos os casos os sujeitos foram alvos de corrupção, na maior parte das vezes devido a situações sociais e financeiras. Por isso, é importante educar.

O importante papel das escolas

Aliviar (ou utopicamente eliminar) a corrupção permitirá que a estrutura sócio-político e económica se auto sustente melhor, independentemente do sistema político em vigor. Isto acontece quando os seus membros cidadãos reconhecem a importância do seu papel na mesma. É crucial que as suas escolhas sejam genuínas e conscientes. Isto leva-nos a dois importantes potenciais papeis da escola, que esperançosamente se manifestam em simultâneo: por um lado, educar de modo que os alunos desenvolvam as capacidades necessárias para tomarem decisões conscientes (e se possível motivadas), informadas e apropriadas ao contexto local e temporal em que se encontram, o que implica serem resistentes a tornarem-se corruptos; por outro, permitir que esta educação chegue à grande maioria dos membros da sociedade independentemente de fatores sociais, económicos e culturais.

Crianças encorajadas a participar e interessar-se em discussões de grupo: cidadãos que participam positivamente na sociedade (World Vision)

Claro que isto implica uma limpeza utópica da corrupção humana. Claro que é importante questionar os aspectos políticos e as forças que movem as dinâmicas globais. Pois há vários escândalos no mundo que são produtos dessas dinâmicas. Por exemplo, um problema que é evidenciado e encorajado pelas potencialidades do capitalismo é a exploração infantil. Por um lado, empresas são criadas e investidas para que cresçam e alcancem uma posição pseudo-eterna na hierarquia dos negócios. Dando aso a que, para que se chegue a essa posição hierárquica, se estabeleçam custos-ganhos eficazes que só têm a possibilidade de existir se existir exploração do trabalhador – e em vários países, trabalhadores com menos de 6 anos de idade, por vezes tratando-se virtualmente de escravatura.

Por outro lado, o combustível de motivação para todo esse processo são os consumidores: o comum consumidor mais ou menos influenciado pelas técnicas de marketing que o rodeia sem consentimento. Cabe ao consumidor ser consciente das implicações dos produtos que compra. É provável que qualquer estrutura social complexa irá envolver este tipo de, chamemos, corrupção.

Educar as crianças para serem literadas, criativas, conscientes e ativas numa perspetiva global (getting smart)

Sem prejuízo de outras intervenções, à escola cabe educar as crianças para que se possam defender dessas tendências naturais e ter valores sociais e sentido de responsabilidade que se sobrepõem a essas tendências. Nesta perspectiva, é importante que as escolas não só dotem as crianças de literacia (em particular, de literacia científica) e de raciocínio criativo, mas também as consciencializem sobre os problemas globais do século XXI, promovendo o amor à sociedade e o activismo social.

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