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João de Sousa

Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Processo Marquês: a Justiça

João de Sousa
João de Sousa
Jornalista, Director do Jornal Tornado

Não é de agora o facto de o Estado de Direito, a Democracia e a Constituição da República serem sistematicamente atropelados pela prática das autoridades e de muitos agentes do próprio sistema Judicial. O Processo Marquês apenas trouxe uma visibilidade nova ao assunto.Este atropelo não pode ser encarado como algo de somenos porque ameaça os pilares da nossa civilização, faz tábua rasa de valores estruturantes da Cultura Política, Jurídica e Judicial, alguns deles com séculos de existência, commumente aceites e praticados. É a esta luz que vamos analisar o deplorável e inadmissível episódio da transmissão televisiva das imagens do inquérito judicial conhecido como Operação Marquês, culminar de um processo todo ele, já de si, acidentado.

De salientar que a manipulação dos excertos permite formular julgamentos, sublinhados, à guisa de resumo, pelas frases em rodapé. Assistimos à instrução tendenciosa, obscena e vil do processo. Sem direito a contraditório. A Justiça e os media bateram no fundo e o fundo desceu.

A Procuradora-Geral

Pelos vistos nada que se passa no DCIAP é da sua responsabilidade. Mandou instaurar mais um inquérito, desta feita à oportuna “fuga” de informação na forma das gravações das próprias sessões do inquérito judicial.

A propósito do assalto a Tancos apareceu imediatamente um coro de políticos e Jornalistas a pedir a cabeça do Ministro da Defesa. Então porque razão, neste caso, não surge coro semelhante a pedir a cabeça da procuradora? “O vazamento” dos vídeos, bem como a sua transmissão televisiva, não estão abrangidos no âmbito da independência dos Magistrados Judiciais. Configuram a prática de vários crimes de forma continuada. A exibição das imagens vídeo dos interrogatórios é pornográfica e passa para lá de todas as marcas do tolerável. Explora a demagogia, o voyeurismo no que tem de pior, é populista e tem vapores de vazio democrático.

Todos os envolvidos neste acontecimento deveriam ter sido imediatamente suspensos até plena averiguação dos factos. Na ausência deste procedimento a responsável é a Procuradora-Geral que deveria de imediato ter apresentado a sua demissão.

O que esteve a sra. Procuradora-Geral a fazer no cargo se durante todo o seu mandato onde nada conseguiu, ou quis, fazer para impedir a escalada das fugas de informação de tal modo que hoje o DCIAP se assemelha a um albergue espanhol onde se acoita todo o tipo de malfeitores com relações perigosas com alguns órgãos de comunicação social.

A sra. Procuradora-Geral permitiu, e fê-lo ela própria, que o Ministério Público invadisse a esfera de competências reservada ao poder Legislativo ao aceitar de forma reiterada o desrespeito pelos prazos. Aos Magistrados não cabe legislar. Cabe aplicar a Lei. E a Lei é clara quanto aos prazos, definindo ela própria as excepções admitidas. O tratamento diferenciado deste processo é gritantemente um abuso de Poder.

A Procuradora-Geral não tem condições para se manter no cargo nem mais um dia. Ficará para a história como o pior consulado de sempre à frente da Procuradoria Geral.

O Juiz de Instrução do Inquérito… e do Processo

Também designado por “Juiz dos Direitos e Garantias” uma vez que a sua função é garantir que os direitos constitucionais dos suspeitos, indiciados, arguidos ou mesmo acusados são respeitados pelos Procuradores. Nos excertos, sublinho excertos, das gravações ouve-se aqui e ali a sua voz dirigindo-se aos interrogados como se fosse uma extensão dos Procuradores, num tom inquisitorial e intimidatório, destinado a conduzir as respostas e a levar os depoentes a auto-incriminar-se.

Este Juiz, agora também Juiz de instrução do Processo, que aceitou quantias volumosas de dinheiro de um amigo, ele próprio agora acusado de corrupção noutro processo, curiosamente também para fazer obras numa casa, disse numa entrevista ao Expresso que “não tinha amigos que lhe emprestassem dinheiro”. Pelos vistos faltou à verdade ao produzir tal declaração. Não só tem como ainda o dinheiro que aceitou vê agora posta em causa a licitude da sua origem.

Na sua nova qualidade irá ter de apreciar as suas próprias decisões e actos, o que é no mínimo ridículo para não dizer inconstitucional. É bom de ver qual será a sua postura dominante: vai validar tudo o que se passou até ao momento.

O Juiz Carlos Alexandre, depois de tudo o que se conhece, não tem condições éticas nem morais nem judiciais para se manter neste processo. Devia ser o próprio a tomar a iniciativa de pedir escusa mas, não o fazendo, o Conselho Superior da Magistratura deveria encarregar-se de o fazer por ele.

O Sr. Juiz do DCIAP privou um cidadão da liberdade, e sem provas, para o MP investigar. Permitiu, e foi conivente, com o comportamento do Ministério Público na condução de um inquérito errático e que se foi avolumando em investigações sucessivas para acumular elementos probatórios que qualquer delas isoladamente considerada não tem. Permitiu a criação de uma monstruosidade jurídica absolutamente injulgável por qualquer colectivo. Contemporizou com cirúrgicas fugas ao segredo de justiça realizadas de acordo com calendários visivelmente políticos e eleitorais. Permitiu o assassinato de carácter de um, até ao trânsito em julgado da sentença, presumido inocente privando-o assim de uma Garantia Constitucional fundamental.

Por fim, deixou que o processo fosse tratado como “extraordinário” e “especialmente complexo”. Para a Lei não há processos extraordinários nem “especialmente complexos” que não estejam já contemplados. A formulação destas duas excepções, em si mesma, é ilegal, nega o Estado de Direito, porque pressupõe que cidadãos sejam tratados de modo diferenciado, para o bem e para o mal, quando é isso que a propalada cegueira da Justiça pretende evitar.

Colaborou, por isso, no acto legislativo, para que não tem mandato, da prorrogação sucessiva dos prazos. Ele, o principal encarregado da defesa dos direitos dos arguidos.

O Corporativismo das Magistraturas

Além da aberração que é a circunstância de os membros de órgãos de soberania terem Sindicatos, pelo método de redução ao ridículo por esta ordem de ideias poderia haver sindicatos dos Deputados, dos Ministros ou, piada suprema, dos Presidentes da República, quer os senhores Magistrados quer os senhores Magistrados Judiciais revelam, na sua prática quotidiana, reagir em bloco, de forma corporativa, protegendo-se mutuamente por mais discutíveis que sejam as decisões e as diligências e o modo como são conduzidos os inquéritos, os processos, a apreciação dos incidentes processuais e os próprios julgamentos.

Esta situação é inimiga do Estado de Direito, não respeita a Doutrina da Separação de Poderes, e, na prática, configura a invasão do domínio específico de outros poderes do Estado como o Legislativo. Os sucessivos Acórdãos de várias instâncias a validar e confirmar actos ilícitos ou ilegítimos advém deste corporativismo.

Esta atitude não só impossibilita a existência de um julgamento justo como é anti-democrática e inconstitucional.

O procurador das meias brancas

Pelos excertos que me foi dado escutar dos interrogatórios o Procurador do Rosário não tem condições para se manter nele. A sua prestação não dignifica o Estado nem a Justiça nem o dinheiro que recebe, pago com os impostos dos contribuintes. Fraco com os fortes, forte com os fracos, pelos vistos tem um entendimento sui generis do que é um inquérito. Parte das conclusões para chegar às premissas. Aceitou, sem preservar a dignidade do cargo, as manifestações de indignação, justas mas inadequadas, de um presumível inocente. Faz perguntas ao arguido principal sem ter primeiro auscultado o que teriam a dizer os envolvidos em decisões em que estes têm autonomia de decisão, como acontece no caso dos júris dos Concursos e com a Presidência da Parque Escolar.

Não fez o trabalho de casa, mau grado a eternização do inquérito. À luz dos desenvolvimentos subsequentes percebe-se que pediu a prisão preventiva dos arguidos sem provas e com o propósito de humilhar, intimidar e condicionar os arguidos. Os fundamentos que apresentou, à data, não constam do despacho de acusação. Este é mais um atropelo inadmissível ao Estado de Direito, à Democracia e à Constituição da República.

Chega ao descalabro de responder às suas próprias perguntas no caso dos depoentes que presumia mais débeis e fáceis de manipular. Conduziu os interrogatórios como se todas as testemunhas e arguidos fossem hostis e fazendo-as dizer, ou repetir, as suas próprias conclusões.

Por muito que me custe afirma-lo é evidente nos excertos que não tem estofo, nem matéria de facto, para estar à frente de um interlocutor com a inteligência do principal arguido. Protagoniza, no pior dos sentidos, um dos momentos mais tristes e deploráveis da nossa história judicial em Democracia.

O Processo

É impossível de Julgar a menos que seja desmembrado e Certidões vão sendo extraídas. Foi assim “montado” para ter alguma substância. Para o Julgar com alguma Justiça, tal como está, seriam precisas várias gerações.

Disto mesmo parecem estar convencidos os autores da acusação e por isso permitiram que, durante o seu quarto de vigia, existissem tantas fugas de informação, que culminaram nesta vergonhosa pseudo-reportagem da SIC e SIC n.

Perante tão enorme desvio da legalidade constitucional é difícil de entender o silêncio dos restantes poderes e dos líderes partidários. Destes dois aspectos falarei em artigo separado.

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