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Para professores de Direito, ações contra Lula são «loucura jurídica»

BRASIL

Durante debate, docentes de três instituições criticam acusação e julgamento do ex-presidente. “Como provar algo que não existiu?” Pedro Serrano vê em curso um processo de “limitação” da democracia.O processo que resultou em condenação, agora em segunda instância, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi criticado durante debate por três professores de Direito, de diferentes instituições, com análises que falaram em “ato inexistente”, “barbárie” e “fantasia jurídica”, entre outras qualificações. O uso de um suposto elemento de prova de outro caso no processo foi chamado de “loucura jurídica” por Juarez Cirino dos Santos, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Ou então a ciência penal é uma arte de loucos”, emendou. O debate foi promovido na noite de ontem (1º) pela Fundação Perseu Abramo, vinculada ao PT, na sede da entidade, em São Paulo, com transmissão pela internet.

Também coordenador do Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC), Cirino questionou por que “eles” (os acusadores) têm essa imensa dificuldade” de obter provas que incriminem o ex-presidente. Ele mesmo responde: “Porque Lula não praticou (ato ilícito), não recebeu (vantagem indevida), não solicitou… Como é que vai provar um fato que não existiu?”, afirmou, citando uma frase do acórdão segundo a qual “Lula teve um papel relevante no esquema criminoso”. “Que papel foi esse, que relevo teve esse papel?”, indagou, para apontar “fraqueza” da sentença e do próprio acórdão. “É um modelo de como não deve ser um processo penal.”

Professor de Filosofia do Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Thomas Bustamante disse que a Operação Lava Jato não começou dessa maneira, mas se transformou em um “grande processo político” que comprometeu o Estado de direito. Para ele, a operação deixou ter a corrupção como objetivo, com foco na Petrobras e empreiteiras. “Dallagnol e Moro (o procurador da República Delton Dallognon e o juiz federal Sérgio Moro) viram-se como protagonistas de um processo político”, afirmou, acrescentando que a atuação de ambos deveria impedi-los de prosseguir no caso.

“Moro começou a ser o grande protagonista do processo judicial e começou a atuar seletivamente, pinçando investigações, pinçando depoimentos. Eram atuações direcionadas”, disse Bustamante, para quem essa é uma visão da própria comunidade jurídica. Segundo o professor, o juiz escolheu o PT como alvo de suas investigações.

Coerção

Ele considerou a divulgação “criminosa” de conversas envolvendo Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia e a ex-presidenta Dilma Rousseff como “o mais grave ato de intromissão” no Poder Executivo desde a Constituição de 1988, e na semana em que Dilma seria julgada. “Até os opositores de Dilma sabem que não havia crime de responsabilidade”, disse o professor. “Moro não só violava a lei, mas contorcionava a lei, dependendo da ocasião.”

Bustamante afirmou que sem independência judicial não há Estado de direito. Mas aponta como “o maior erro da Constituição” dar o que chama de excesso de poderes ao Judiciário. “Ela super protegeu o Judiciário, mas não conseguiu garantir a independência, que só existe quando o juiz se baseia na lei, sem sofrer coerção. E hoje os juízes sofrem coerção, da mídia e principalmente do espírito de corpo”, avaliou o professor da UFMG, apontando ainda uma “relação promíscua” entre delação premiada e prisão cautelar, sobre o fato de alguns dos envolvidos teriam permanecido presos até prestarem determinados depoimentos.

Ele acredita que Moro pôs os juízes contra a sociedade. “Não sei como, ele conseguiu colocar qualquer ataque a ele como um ataque à magistratura. No TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), me parecia que quem estava sendo julgado não era Lula, mas Moro”, disse Bustamante. “O TRF4 não precisaria ter se submetido a humilhação histórica de ter tergiversado durante 10 horas sem mostrar uma única prova da culpa de Lula, se tivesse reconhecido que Moro não tinha condições morais de julgar Lula.” A suposta propriedade do apartamento em Guarujá, no litoral sul paulista, não foi provada, diz o professor, que vê no acordão do TRF4 uma “fábula jurídica”.

O professor Pedro Serrano (Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) fez um percurso histórico sobre mecanismos de poder e discursos que fazem perder “a referência do concreto”. Para ele, o sistema judiciário passou a ser o responsável por um “sistema de exceção”, com “atos específicos, mais cirúrgicos, de suspensão dos direitos das pessoas”. Um processo em que “a pessoa é transformada em inimigo”.

Aparência democrática

Segundo Serrano, a partir dos anos 1990 começou a surgir uma “jurisprudência de exceção”, para crimes de tráfico, iniciando uma espécie de flexibilização dos mecanismos de prova. De lá para cá, apontou, quadruplicou o número de presos no país e o número de mortes violentas passou de 6 mil para 60 mil por ano, em um trajetória inversa à da universalização dos direitos sociais previstos pela Constituição de 1988.

“A lógica da medida da exceção é ter uma aparência democrática com um conteúdo liquefeito, isto é, autoritário”, observou Serrano, definindo “fraude” como um ilícito com aparência de licitude e com a mesma “intensidade autoritária” de uma ditadura, por exemplo. Assim, dá-se um “processo penal de exceção com aparência de cumprir as leis”, usando o próprio Estado de direito, a democracia e os direitos humanos para acabar com esses valores. “Não foi a Lava Jato que criou essas coisas, isso vem sendo gestado há algum tempo.”

Serrano afirma que não existe um “caso penal” no processo de Lula. Segundo ele, a acusação foi alterada: deixa de ser receber uma vantagem em troca de um benefício, mas em troca de atos indeterminados. “Ato indeterminado significa o quê? Ato inexistente. Isso é impossível no nosso sistema penal”, criticou o professor. “Não se trata apenas de não haver prova. Há prova de inocência nos autos”, acrescentou. “É uma decisão bárbara (no sentido de barbárie)”, definiu.

Ele acredita que o sistema legal vem diminuindo os mecanismos de proteção do cidadão, aumentando o poder do Estado, “irrefreável, um poder selvagem”. No caso de Lula, “há uma alteração da acusação na hora de condenar, criando uma norma penal que não existia e deixando de levar em consideração o que havia no processo”. Para Serrano, o julgamento tem sentidos jurídico, político e ideológico, na medida em que desvia a atenção para as medidas do governo que afetam o país, como a “reforma” trabalhista e o que ele chamou de “destruição do capitalismo local”. O professor acredita que está em construção um novo modelo de gestão política, “um democracia limitada e controlada, de centro-direita”. E a “voz de comando de exceção” vem da mídia, acrescentou.

Assista à íntegra:

 

Debate | O julgamento de Lula: a democracia no banco dos réus

A conversa é mediada por Rosana Ramos, jornalista e diretora da FPA, e contará com a participação dos juristas Juarez Cirino dos Santos, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Pedro Serrano, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Thomás Bustamante, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Publicado por Fundação Perseu Abramo em Quinta-feira, 1 de Fevereiro de 2018

Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

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