DESESPERADAMENTE CALMA
Parece fácil sentar-se e escrever algo sobre o dia-a-dia de uma mulher… ou talvez mesmo tecer uma pequena nota sobre os seus suores e labores.
Queria eu poder traduzir aquela silenciosa oração que pragueja e perdoa ao mesmo tempo. Aquela oração repleta que até nos torna incrédulos, quanto ao seu poder… talvez falar um pouco da natureza das suas lágrimas que às vezes fluem repletas de glucose.
Talvez consiga tempo para traduzir esta agenda mental que desperta a madrugada, começando por ligar o GPS, para localizar um membro da família. E (des) organizadamente começar o dia… A mulher é a prova da teoria da evolução, pois ela evoluiu de um simples ser humano para um ser extraordinário.
Deus sabia que não poderia estar fisicamente na vida de todos, aí ele fez a mãe.
A mãe dos Setinhos… sou eu!
Um homem quando abandona a família é apenas um homem mau… mas quando a mãe o faz… é desumano, é monstruoso.
Toda a mulher já nasce com uma profissão. A de doméstica, ou seja, rotulada pela sociedade a mulher é moldada e educada para servir, o marido, os filhos, a sociedade. Uma vez alguém disse que a igualdade de género não elimina o cavalheirismo. E os homens contradizem, se querem direitos iguais têm de suar igual.
Depois Deus disse:
Não é bom que o homem viva sozinho. Vou fazer para ele alguém que o ajude como se fosse a outra sua metade. (Genesis -2:18)
Esta metade, pelos visto a mais esforçada, ficou com o útero, as dores do parto, os seios para amamentar e o coração.
Com 4 filhos para criar quando o meu Adão foi embora, herdei a outra metade e fui garimpando pela vida outros pedaços. Se me perguntarem o que faço, digo prontamente que sou doméstica, entenda-se desempregada. Porque apenas acordo às 5:00 para aprontar os meninos que vão à escola, depois de ter acordado de madrugada para medicar o menino febril, e orado pela família. Enquanto dou orientações para os que saem, coloco a roupa no tanque e enquanto amolece corro para descongelar o almoço. Esfrego e falo com Deus outra vez, em forma de louvores de adoração.
O almoço está no fogo, sento-me para ajudar nos deveres de casa… a loiça está limpa, quintal varrido… vou colocar alguns botões enquanto degusto uma cerveja para anestesiar esta canseira.
Hoje sinto-me mal, o coração está acelerado e dói-me o braço, talvez amanha vá ao médico, hoje tenho de ir à reunião de pais. Mas por agora venham cortar e trançar o cabelo.
Depois do almoço enquanto improviso uma digestão, apetece-me um cigarro, aí eu lembro-me que não fumo… solto uma baforada imaginária, simulando descontração. E calmamente a caçula, vem dizer-me que quer ir ao céu …
– Queres morrer? – perguntei-lhe
– Não mamã quero só ir visitar o Jesus… nunca o vi…
…
Olho para o relógio e ainda não sei o que será o jantar… pergunto ao segundo filho se já tem vontade de cagar… – Não te esqueças de chamar a mama para por no frasquinho das analises…
A primogénita diz que doi-lhe a bexiga… – Deve ser o período, que fique calma.
Oiço alguém a gritar e corro para ver, lá vem o filho ensanguentado. – Mamã caiii. -Diz ele… entre curativos e ralhete, os olhos enchem-se de lágrimas e no fundo uma voz grita o pedido de alforria… Tenho de conseguir um emprego, estou cansada desta vida de ficar em casa sem fazer nada.
A autora escreve em PT Angola