A apresentação publica do “Programa de Estabilidade” por Medina assentou em dados errados sobre a situação do país o que impede que os objetivos do “programa” sejam credíveis e respondam às necessidades do país e dos portugueses
Neste estudo analiso o “Programa de Estabilidade 2023-2027” apresentado publicamente pelo ministro das Finanças, mostrando que os dados da inflação, do investimento, dos salários dos trabalhadores quer do sector publico quer do sector privado, e da carga fiscal de IRS que utilizou não são corretos, por isso a realidade em que assenta o “Programa de Estabilidade” não traduz com verdade a situação do pais, consequentemente muitos dos seus objetivos não correspondem às necessidades do pais e dos portugueses e os problemas que enfrentam não serão assim resolvidos. Mostro igualmente que os dados oficiais contrariaram muitas das afirmações feitas pelo ministro na apresentação pública do “Programa”.
Estudo
A apresentação publica do “Programa de Estabilidade” por Medina assentou em dados errados sobre a situação do país o que impede que os objetivos do “programa” sejam credíveis e respondam às necessidades do país e dos portugueses
O “Programa de Estabilidade 2023-2027” do governo (ver “slides” de apresentação disponíveis em Programa de Estabilidade 2023-2027) não tem em conta a situação real do país e os seus objetivos não são credíveis, pois assentam numa realidade manipulada e em dados que não são corretos, pois não traduzem a verdadeira situação do país. É isso que vamos mostrar analisando os dados da apresentação pública do “Programa de Estabilidade” feita por Medina.
A MANIPULAÇÃO DA INFLAÇÃO PELO GOVERNO. A INFLAÇÃO ANUAL CONTINUA A AUMENTAR SEGUNDO O INE
A inflação anualizada (obtém-se comparando a média dos preços dos últimos 12 meses com a média de igual período do ano anterior), que é divulgada pelo INE, não é a que Medina utilizou no quadro do “Programa de Estabilidade” (pág. 5 dos slides distribuídos por Medina) como mostra o gráfico 1 com os dados oficiais da inflação anual do INE.
Contrariamente ao que afirmou Medina de que “a inflação está a diminuir de forma gradual e consistente” que, por conveniência, utilizou a inflação homóloga, quando tecnicamente o correto é utilizar, pois reduz a sazonalidade, a inflação anual total e a dos Produtos alimentares e bebidas não alcoólicas, que compara a média dos preços dos últimos 12 meses com a média de igual período do ano anterior. É a inflação que é utilizada na fórmula de cálculo da atualização das pensões e também para calcular se os salários estão a perder ou não poder de compra. E segundo o INE a inflação anual ainda não começou “ a diminuir de forma gradual e consistente” como afirmou Medina. Ela ainda está a subir como mostra o gráfico 1 com dados do INE. Utilizando um modelo estatístico de previsão conclui-se que a inflação total anual em 2023 deverá atingir 6,3% e não 5,1% referido no “Programa de Estabilidade” do governo, e a inflação anual de “Produtos Alimentares e bebidas não alcoólicas” atingirá, em 2023, 12,6%. Se considerarmos os dois anos – 2022 e 2023 – a inflação anual acumulada total é 13,2% e a de “Produtos alimentares” 27% . E tenha-se presente que os produtos alimentares têm atualmente um peso próximo de 40% na despesa mensal de uma família em Portugal (ver estudo da Hellosafe.pt) e não os 20% considerados pelo INE. A ser confirmado tal peso determinaria que a inflação anual total seja ainda superior à do INE. Interessa referir que isto só se verificará se a tendência registada nos últimos meses continuar, pois qualquer acontecimento gravoso poderá paralisar e mesmo inverter esta tendência (as novas sanções já anunciadas publicamente por Zelensky, decidindo e substituindo a própria Comissão Europeia e os governos europeus, poderá eventualmente causar uma subida de preços mais acentuada).
É evidente que o ministro das Finanças ao manipular a inflação o que pretende é ter uma justificação para a política de rendimentos do governo, de baixos aumentos de salários e de pensões, indispensável para atingir os seus objetivos a nível da redução do défice orçamental e da divida pública : entre 2022 e 2023, reduzir o défice de -0,9% para -0,4% e a divida pública de 110,8% do PIB para 107,5%. A austeridade vai continuar.
OS GANHOS SALARIAIS NÃO ESTÃO A SUBIR ACIMA DA INFLAÇÃO COMO AFIRMOU MEDINA NA APRESENTAÇÃO
Contrariamente ao que consta do “slide 8” utilizado por Medina, não é verdade que os “Ganhos salariais estão a subir acima da inflação”. A prová-lo estão os dados deflacionados do INE do quadro 1, os quais revelam uma perda de poder de compra dos salários dos trabalhadores dos setores público e privado.
Quadro 1 – Variação das remunerações reais (após deduzir os efeitos da inflação) dos trabalhadores do setor público e do privado
Como revelam os dados do INE que constam do quadro anterior, o ministro das Finanças não falou verdade quando afirmou, como consta do “slide 8” da sua apresentação, “Ganhos salariais a subir acima da inflação”.
Segundo o INE, é precisamente o contrário o que tem acontecido. No setor público as remunerações dos trabalhadores estão a perder poder de compra de uma forma continua desde maio de 2021; e no setor privado as remunerações dos trabalhadores estão a perder poder de compra desde jan.2022. Entre maio de 2021 e dez.2022, os trabalhadores das Administrações Públicas perderam -9,3% e os trabalhadores do setor privado perderam -6,4% do seu poder de compra. Pelo menos esperava-se que o ministro conhecesse os números do INE sobre a evolução das remunerações reais (deflacionadas desde 2014) e falasse verdade.
É evidente que este “erro” tem como objetivo justificar a política de rendimentos do governo, e tem efeitos negativos na credibilidade de outras previsões do “Programa de Estabilidade”, nomeadamente no consumo privado e, este, no crescimento do PIB. E isto porque salários inferiores à inflação, ou seja, a perderam poder de compra, reduz a procura agregada, o que agrava a crise. As previsões de despesa com pessoal que constam da “Conta das Administrações Públicas” (slide 22) confirmam isso. O governo pretende reduzir o aumento percentual nestas despesas, entre 2023 e 2027, para metade do previsto entre 2022 e 2023 para poder ter saldos orçamentais positivos a partir de 2025. O investimento público é também o grande sacrificado.
MEDINA TRANSFORMA A QUEDA DRAMÁTICA DO INVESTIMENTO PÚBLICO EM “ Investimento público a crescer para máximos “ COMO CONSTA NO “SLIDE “ DA PÁG. 13 QUE UTLIZOU NA CONFERENCIA PÚBLICA
O aumento do investimento, ou seja, do “stock de capital por empregado” que no nosso país, segundo dados da AMECO (Comissão Europeia) é cerca de metade da média dos países da U.E., é indispensável para que a economia portuguesa cresça de uma forma sustentada, e a produtividade e os salários aumentem. O investimento é um fator chave para o crescimento e desenvolvimento. E neste ocupa um lugar de destaque o investimento público pois, por um lado, é o meio para melhorar as condições de vida da população e a sua capacidade produtiva ( saúde, educação, transportes, segurança social, etc.) e, por outro lado, tem um papel dinamizador (arrestante) do investimento privado. Mas o que se verificou com os governos de Passos Coelho/Portas e António Costa foi precisamente o contrário: a quebra dramática do investimento publico entre 2011 e 2022 (quadro 2), causada pela obsessão do défice orçamental, o que causou uma profunda degradação não só dos equipamentos públicos (hospitais, escolas , etc.) mas também de toda a Administração Publica, e constitui um travão ao investimento privado, desestimulando-o e mesmo dificultando-o, de que é exemplo comprovativo a incapacidade da Administração Publica para enfrentar os desafios atuais, por ex., garantindo uma utilização atempada e eficiente dos fundos comunitários.
Quadro 2 – Investimento Público (FBCF), Consumo de Capital Fixo Publico e SALDO (Investimento menos Consumo)- Milhões € – e % do PIB que o investimento publico em Portugal, na U.E. e em 2 países cujo PIB per capita já ultrapassou o de Portugal
Interessa referir que o “Consumo de Capital Fixo” corresponde ao valor de desgaste dos equipamentos públicos causados pelo uso e daqueles que, por obsolescência, deixam de ser utilizados ou desaparecem (a nível de todas as Administrações Públicas corresponde àquilo que, a nível das empresas, se designa por amortizações).
E o que revelam os dados do INE constantes do quadro 2? Durante o governo de Passos Coelho/Portas e também durante todos os governos de António Costa o investimento público nunca foi suficiente para compensar pelo menos o “Consumo do Capital Fixo” público, ou seja, daquele que desapareceu devido ao uso e à obsolescência. Durante o governo de Passos Coelho/Portas o saldo negativo (Investimento inferior ao Consumo) totalizou -4891 milhões €, e durante os governos de Antonio Costa os saldos negativos já somam -9541 milhões €. Como consequência verificou-se uma degradação profunda dos equipamentos públicos existentes (escolas, centros de saúde, hospitais, transportes, etc.), o adiamento e atrasos na reabilitação dos equipamentos existentes e na construção ou aquisição de novos equipamentos públicos.
Se analisarmos o investimento público em percentagem do PIB concluímos, com base nos dados oficiais do Eurostat do quadro 2 (linhas coloridas a azul), que ele, em Portugal, tem sido sempre inferior à média da U.E: e muito inferior ao de países como a Lituânia e a Estónia em que o PIB per capita era, em 2013, inferior ao de Portugal, mas que, em 2022, era já superior. A quebra dramática do investimento público no nosso país com os governos de Passos Coelho e de António Costa contribuiu para o atraso crescente do país.
E o “Programa de Estabilidade” não altera esta situação pois prevê que o “esforço nacional” nesta área aumente apenas em média 550 milhões € por ano, o que corresponde a 0,2% do PIB de 2022. (faria passar a percentagem deste ano de 2,5% para 2,7% o que é manifestante insuficiente e inferior à média dos países da U.E. e muito inferior à dos países que têm taxas de crescimento elevadas e que já nos ultrapassaram ou há ameaça disso acontecer brevemente). Na Conta das Administrações Públicas que consta do “slide” 22 da apresentação de Medina, prevê-se mesmo que o investimento publico em 2027 (8891 milhões €) seja inferior ao de 2024 (9272 milhões€) e pouco superior ao de 2023 ( 8338 milões €). E corre-se o risco de mesmo este baixíssimo acréscimo não ser realizado pois é ainda uma previsão e uma parte dele é “comido” pelo aumento de preços. A prová-lo está Também o facto do PRR (a “bazuca” de Costa) mal ter começado e o governo já está a pedir adiamentos (terminar para além de 2026 que era o ano limite) e mais dinheiro a Bruxelas para fazer face à escalada de preços. A prová-lo está também o facto do “PORTUGAL 2030” que devia ter começado em 2021, ainda não se ter iniciado. É verdadeiramente uma política de estrangulamento e de atraso do país.
PROMESSA DE MEDINA DE DESAGRAMENTO DO IRS EM -2011 MILHÕES € ATÉ 2027 NÃO CONCRETIZADA NO “PROGRAMA DE ESTABILIDADE”, OS IMPOSTOS SOBRE O RENDIMENTO AUMENTAM 5380 MILHÕES€ ENTRE 2022 E 2027 (de 25701 M€ 31081M€)
Na apresentação que fez do “Programa de Estabilidade”, o ministro das Finanças afirmou também (slide 11) que haveria um desagravamento acumulado da carga fiscal de IRS de -2011 milhões € até 2027, sendo -782 milhões em 2023; -525 milhões € em 2024; -205 em 2026; e -250 milhões € em 2027.
No entanto, o Orçamento do Estado para 2023 e a “Conta das Administrações Públicas 2022-2027” (constante do slide 22 da apresentação do ministro das Finanças) mostram que se prevê é precisamente o contrário. O gráfico 1, construído com dados do INE, da DGO/Ministério das Finanças e OE-2023 prova isso.
A conclusão que se tira dos dados de receitas do IVA e do IRS, que são pagos fundamentalmente pelos trabalhadores e pensionistas por constituírem a maioria da população é que estas receitas fiscais têm aumentado de uma forma significativa no nosso país. Por ex., o IRS teve um aumento brutal em 2013 (passou de 9790 milhões € em 2012 para 13199 milhões € em 2013, + 36% num ano) com o governo de Passos Coelho. Depois com a entrada em funções do governo de António Costa teve uma descida em 2016 para 12613 milhões €, mas em 2018 (13312 milhões €) as receitas deste imposto já eram superiores às do último ano de Passos Coelho (2015: 13149 milhões €), e a partir desse ano nunca mais deixaram de aumentar atingindo 15784 milhões € em 2022, e a previsão para 2023 é 16224 milhões € (gráfico1). Esta facto contraria as promessas de desagravamento do IRS de Medina.
Idêntica conclusão se tira dos dados constantes da “Conta das Administrações Públicas” (“slide 22” da apresentação do ministro). De acordo com ela os “impostos sobre os rendimentos” aumentarão todos os anos entre 2022 e 2027, pois as suas receitas sobem de 25701 milhões € para 31081 milhões € (+5380 milhões). E este grupo é constituído quase exclusivamente por receitas do IRS e do IRC, e o peso do IRC é reduzido (em 2012: 32,6% do total de receitas do IRS e IRC; em 2015: 29,1%; em 2022: 31% e, em 2023, 31,1%) o que determina que seja o IRS a suportar cerca de 70% do aumento da receita prevista no “Programa de Estabilidade”.
UM CRESCIMENTO ECONÓMICO (PIB) REDUZIDO QUE NÃO TIRA O PAÍS DO ATRASO, E MESMO ESSE COM GRANDE RISCO DE NÃO SER ATINGIDO POIS AS PREVISÕES DE ORGANISMOS INTERNACIONAIS SÃO MAIS BAIXAS
A falta de aderência à realidade dos dados utilizados pelo governo para elaborar o “Programa de Estabilidade” de que são exemplos as áreas analisadas (inflação, investimento, salários, impostos) determina que crescimento económico previsto seja muito baixo e mesmo esse corre o risco de não ser atingido como revelam previsões de organismos internacionais.
Quadro 3 – Previsão do crescimento económico (PIB) de Portugal em 2023 e 2024
E o risco da previsão do governo não ser atingida é ainda maior se se tiver presente que uma parcela significativa do investimento publico no período 2023/2023 (em média 36%)são fundos comunitários e o governo tem revelado uma grande incapacidade em os utilizar de uma forma eficiente e atempada. O estado de degradação a que chegou a Administração Pública causado pelos baixos salários, por um sistema de avaliação injusto e anacrónico (cerca de 75% dos trabalhadores precisam de 10 anos para mudarem de nível salarial) por aumentos salariais inferiores à inflação, pela perda continua de poder de compra, tudo isto impede a Administração Pública de contratar técnicos com as competências que precisa, a que se juntou a desorganização causada pela introdução do teletrabalho sem ser minimamente pensado e organizado.
O facto de ainda não ter terminado o “Portugal 2020” cujo fim estava marcado para 2020, e o “PRR” mal ter começado e o governo já pedir o adiamento do seu termino (para além de 2026) e mais dinheiro para fazer face ao aumento de preços assim como o facto do “Portugal 2030”, que devia ter começado em 2021 ainda não se ter iniciado, são provas de que a Administração Publica não está à altura dos desafios que enfrenta, e que a sua situação de degradação constitui um forte obstáculo ao crescimento e desenvolvimento do pais. Infelizmente o governo, a Assembleia da República e o Presidente da República mantêm-se cegos e mudos perante a degradação dos serviços públicos, e para o facto de que sistemas de informação vitais e sensíveis sejam controlados por empresas privadas devido à impossibilidade de contratar técnicos competentes , como acontece na ADSE e em muitos outros serviços públicos.