Jovem guineense idealiza projeto para a igualdade de género através da defesa duma masculinidade positiva na comunidade migrante dos PALOP em Portugal
“MUNTU: CONTRARIAR O MACHISMO” é o nome do projeto criado por Mamadu Alimo Djaló sobre igualdade de género no seio da comunidade migrante dos homens dos PALOP em Portugal que foi lançado a 21 de março de 2021 e conta com a mentoria de Ana Paula, cientista Social e Doutoranda em Ciência Política na Universidade Nova de Lisboa.
O projeto está a ser desenvolvido no âmbito do Programa de Mentoria do Movimento “HeForSheLx” englobado no Movimento de Solidariedade Global Pela Igualdade de Género. Este programa foi iniciado pela ONU MULHERES em 2014 e traduz-se num movimento global para envolver homens e rapazes na remoção das barreiras sociais e culturais que impedem as mulheres de atingir o seu potencial e ajudar homens e mulheres a modelarem juntos uma nova sociedade mais inclusiva.
Mamadu Alimo Djaló que se define como cozinheiro, sociólogo e poeta e está, atualmente, a frequentar um mestrado em Sociologia: Exclusões e Políticas Sociais na Universidade da Beira Interior, pretende, com esta iniciativa, trabalhar a igualdade de género na comunidade migrante dos homens dos PALOP, através duma lógica de capacitação para as causas e valores da igualdade de género, de modo a se conhecerem melhor e se aliarem na luta pela igualdade na sociedade portuguesa e na sua comunidade, designadamente, dentro das suas famílias e locais de trabalho, contribuindo, assim, para o combate contra a masculinidade tóxica.
Mamadu Alimo Djalo é um jovem aventureiro e destemido se pensarmos no seu percurso desde que saiu de Gabu, na Guiné-Bissau, país onde nasceu. De facto, quando surgiu a oportunidade de vir para Portugal, não hesitou duas vezes mesmo sem saber ao que vinha pois como o próprio afirmou “o seu sonho e da família era sair da Guiné e ingressar numa universidade em Portugal”.
Tendo conseguido uma bolsa de estudo através duma associação juvenil, acabou inicialmente por frequentar um curso técnico-profissional não em Lisboa, mas na Mealhada com o qual, apesar da desilusão inicial, acabou por viver experiências muito enriquecedoras como cozinhar para pessoas com deficiência, ter como professor o cozinheiro-chefe da seleção de Portugal e trabalhar em Troia onde chegou a cozinhar para Steven Gerard, antigo jogador da seleção inglesa.
Em 2017, ingressa em Sociologia na universidade do Algarve, tendo optado por esta universidade por pretender conciliar os estudos com o trabalho na área da cozinha e aprender o inglês pois o objetivo era ir para Inglaterra fazer o mestrado, mas devido à pandemia e ao Brexit não foi possível e acabou optou por ir para a UBI – Universidade da Beira Interior, na Covilhã onde ingressou no mestrado ao mesmo tempo que trabalha como auxiliar de saúde no Hospital da Covilhã.
Relativamente ao projeto foi por mero acaso que teve conhecimento do programa de mentoria “HeForShe” em finais de dezembro, quando, ao abordar uma rapariga que lhe falou deste programa, lhe chamou a atenção o Movimento de Solidariedade Global para a Igualdade de Género e acabou por se candidatar e ser aceite. Foi assim selecionado com cerca de 50 jovens “mentees” a trabalhar a temática da igualdade de género e acabou por optar, juntamente com a sua mentora, pela temática da igualdade de género entre os homens dos PALOP aproveitando o facto de trabalhar sobretudo com imigrantes e poder, assim, obter mais facilmente acesso às associações e pessoas que poderão ser envolvidas no projeto, designadamente, associações de imigrantes com quem possa discutir questões como “o que é ser homem”, “ como ser homem” e desconstruir, assim, a chamada “masculinidade hegemónica”.
Do trabalho até à data realizado, Mamadu faz um balanço positivo tendo já entrevistado o dirigente luso-senegalês da SOS Racismo e ativista antirracismo Mamadou Bá e, também, em termos de recetividade, inclusive entre os homens, mas, segundo este, por apenas ainda só terem conhecimento em termos superficiais, ao contrário das mulheres que captaram, a priori, a essência do projeto que é, basicamente, de “um homem a tentar ajudar os seus colegas homens a desconstruírem-se”. Esta posição dos homens Mamadu atribui à capa tradicional masculina de “durões e machos” que os impede de se libertar e tentar perceber em que consiste o projeto. Para desbravar estas dificuldades e tabus, o jovem guineense pretende trabalhar com homens das associações juvenis enquanto interlocutoras, especificadamente, as que possuam já uma estrutura, parcerias e um leque social alargado, numa primeira fase. A ideia principal é a de trabalhar em parceria com dez homens de cada uma destas associações e, em conjunto, receberem formações sobre igualdade de género trabalhando, desta forma, com estes para poder, posteriormente, criar uma estrutura que seja como que uma confederação “MUNTU-CONTRARIAR O MACHISMO” em Portugal com o objetivo também de trabalhar com estes a nível local em cafés, centros desportivos, escolas, universidades e com as pessoas homens nas suas casas e comunidades.
Neste momento, Mamadu encontra-se a dar a conhecer o projeto do que é ser homem na comunidade migrante dos PALOP estando previstas para os próximos tempos iniciativas como conversas e debates sobre temas como a masculinidade positiva e o machismo em contexto africano para os quais irá convidar representantes homens das associações migrantes, e em junho, o projeto será apresentado através do movimento “HeForShe”.
Relativamente à igualdade de género entre os jovens em Portugal, Mamadu considera que estamos num bom caminho se pensarmos na existência duma organização como a “HeForSheLx” que convidou jovens para trazer ideias sobre a igualdade de género com vontade de implementar mudanças em prol dum mundo mais justo e igualitário e desmistificar os padrões tradicionais. Quanto à igualdade de género entre as comunidades LGBT, vê já também uma certa evolução, designadamente, com a adoção, entre os jovens e principalmente nas redes socias, duma linguagem que procura incluir todas as pessoas, uma linguagem dita neutra de pessoas mulheres e pessoas homens para demonstrar que não se pode falar duma pessoa definindo logo à partida quem esta é, o que indicia uma maior abertura, respeito e menor discriminação relativamente a esta comunidade.
Se, por um lado, Mamadu nota esta maior evolução entre as pessoas mais jovens e esclarecidas, o jovem pretende também incluir associações de imigrantes de moradores onde se podem encontrar pessoas mais velhas que precisam de “sair dessa bolha” muitas vezes não por preconceito, mas por falta de conhecimento, incluindo assim todas as pessoas, independentemente da idade, com o objetivo de fomentar uma tão necessária solidariedade inter-geracional.
Relativamente aos planos para o futuro, Mamadu pretende avançar com o projeto, sendo ou não ganhador o que lhe permitiria a obtenção de financiamento, através da criação de parcerias e apoios que lhe permitam criar a tal estrutura e, posteriormente, trabalhar no sentido de levar este projeto para os países dos PALOP pois o objetivo maior passa por desmistificar também nestes países africanos a ideia de superioridade masculina, se pensarmos, nomeadamente, na pluralidade de etnias matriarcais que ainda existem, como o próprio salientou. A ideia é demonstrar aos homens que não precisam da tal capa de “machões” e que é fundamental educar as crianças para o espírito de igualdade e não de ver o outro como uma ameaça.
Para a criação do projeto, Mamadou resgatou o conceito de “muntu” que significa homem em crioulo, procurando reafirmar a sua identidade e a vontade de tornar o mundo mais igualitário a partir da sua comunidade e vivência. A própria ideia de trazer a palavra “muntu” que, na linguagem bantu falada no norte de Angola, significa homem enquanto singular de homens, deriva do facto de ser um projeto direcionado para os homens dos PALOP, em que, desta forma, “muntu” homem pode contrariar o machismo, através da conceção de homem individual que tem a possibilidade de contrariar a ideia genérica de homem machista. Para Mamadu, o significado da palavra “muntu” vai ainda mais além pois designa, igualmente, pessoa independentemente do género o que acaba por ser duas coisas numa só, isto é, homem que pode contrariar o machismo, mas também qualquer pessoa humana, consciente da sua individualidade e coletividade. Esta dupla definição de “muntu” acabou inclusive por influenciar a sua própria visão para o projeto pois, se a ideia inicial é trabalhar com homens até criar a estrutura de confederação, posteriormente, pretende conectar-se e trabalhar com associações e ongs dirigidas por mulheres para que o projeto “MUNTU- CONTRARIAR O MACHISMO” não se limite ao mundo dos homens, mas antes seja direcionado para a pessoa humana e a sociedade em geral.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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