A pandemia do coronavírus obrigou muitas empresas a adotar o home office por causa do isolamento social determinado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para impedir a disseminação muito rápida da Covid-19.
Desabituados de trabalhar em casa, a maioria das trabalhadoras e trabalhadores brasileiros que têm essa possibilidade estão aprendendo a lidar com esse regime de trabalho a duras penas.
A questão ganhou tanta projeção que o estudo “Tendências de Marketing e Tecnologia 2020: Humanidade Redefinida e os Novos Negócios”, do executivo da Infobase, André Miceli, coordenador de curso de MBA da Fundação Getulio Vargas, acredita num crescimento de 30% do home office após a pandemia.
Grande parte de quem está nessa prática encontra dificuldades de adaptação por falta de condições estruturais e psicológicas. No caso da educação, as professoras e professores enfrentam acúmulo excessivo de trabalho, por causa do ensino remoto de apoio pedagógico implantado em grande parte dos estados, sem nenhuma estrutura, como mostra a reportagem “Trabalhar em casa significa fazer tudo ao mesmo tempo agora para os profissionais da educação”.
Para o coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), Gilson Reis, o trabalho remoto deve ser entendido como uma medida emergencial e de “forma alguma pode substituir as aulas presenciais”.
Ele não é contra, mas defende uma boa utilização das novas tecnologias como complemento do processo de ensino-aprendizagem. “O problema”, diz, “é que o ensino remoto atende ao projeto político ultraliberal e antidemocrático em marcha no país”. Na verdade, reforça, “querem reduzir o orçamento da educação pública e destinar o dinheiro ao mercado e não à políticas públicas”.
Já a assistente-administrativa, Leila Alves, conta estar em home office desde março e vem tentando se adaptar à nova rotina. “Não ter que me deslocar de casa para o trabalho e voltar me dá um ganho de cerca de 4 horas diárias”, afirma.
Leila revela ainda ter diminuído seus gastos e estar com uma alimentação muito mais saudável sem comer na rua, “ganhei em conforto, horas de sono, flexibilidade de horários e de se sentir menos estressada, porque o deslocamento nesse transporte caótico que temos é terrível”.
Como desvantagens ela sinaliza estar “trabalhando muito mais e encontrar muita dificuldade em desconectar do trabalho”, além disso, sente falta do “convívio social com os colegas” e “os horários de trabalho ficam totalmente indefinidos”.
Uma sindicalista e militante partidária, que preferiu não se identificar, diz “acordar com a cara no computador e dormir com a cara no celular”. Essa pessoa ressalta que “até para manter os horários das refeições e preparar a comida” enfrenta dificuldade porque “a demanda não está permitindo manter uma rotina adequada à saúde física e mental”.
De acordo com ela, “o home office invade a vida privada. O telefone toca em horários inapropriados, as mensagens de WhatsApp, SMS ou por e-mails são sempre urgentes e exigem respostas imediatas”.
Para ela cai por terra o preconceito de que sindicalista não trabalha porque “nós do movimento sindical entramos nesse ritmo alucinado porque temos que dar as respostas e orientações à categoria que representamos”.
Uma professora da rede estadual paulista, que também preferiu não se identificar, conta estar enfrentando muitas dificuldades em trabalhar em casa. “Não temos estrutura, a internet é muito ruim e ainda temos que conciliar com o trabalho doméstico”, a professora diz sentir falta do contato com os amigos e alunos”, além de “muitos alunos desejarem fazer as atividades mas não conseguem por falta de condições materiais adequadas”.
A rotina do advogado Sergio Pardal Freudenthal mudou pouco. “Eu sempre trabalhei bastante em casa, fazendo texto. O que mudou foi o atendimento de clientes e os contatos com juízes e desembargadores”, assinala. Mas neste momento, “meu escritório está funcionando cada um na sua casa e eu sinto falta desse contato presencial com colegas de trabalho e clientes”.
Para Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Sociais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), “estamos aprendendo a ressignificar a utilização da tecnologia, mas esse uso somente será eficaz quando beneficiar todas as pessoas”.
Segundo ela, “parte do empresariado brasileiro quer retornar ao século 19 nas relações de trabalho e abolir todas as conquistas que tivemos para melhorar a nossa qualidade de vida”.
Nesse quadro, “trabalhar em casa pode acarretar redução salarial e trabalho excessivo, o que pode causar adoecimentos maiores, do que os que foram trazidos pela reforma trabalhista de 2017”.
Fernando Angelieri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades, defende em depoimento ao UOL, que não se trata de “dar um notebook para o colaborador”, mas “também criar protocolos de compartilhamento de informação para quando a pessoa estiver trabalhando em casa”.
Para especialistas, a adoção do home office pode tirar carros da rua, pessoas do transporte coletivo e diminuir a poluição, mas é necessário preocupar-se com o bem-estar físico e mental das trabalhadoras e trabalhadores.
Ronaldo Leite, secretário de Formação e Cultura da CTB acredita faltar muito para “as funções, que possam ser feitas em casa, sejam realizadas sem prejuízo para as trabalhadoras e trabalhadores”.
Para ele, “O Brasil tem muito a caminhar em direção a ter relações de trabalho saudáveis sem causar transtornos e adoecimentos a quem vive de sua força de trabalho”, portanto “a implantação do home office não pode significar a retirada de direitos de quem trabalha”. Precisa também “ser uma solução consensual com determinação de parâmetros muito bem definidos que não pesem no bolso e na cabeça do trabalhador”.
Texto em português do Brasil
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