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João de Sousa

Domingo, Novembro 24, 2024

Quando o amor acaba

Chegou cedo em minha casa, com um sorriso que disfarçava o desespero, sentou-se ao meu lado e ficou em silêncio, queria falar mas a agonia cortava-lhe a vontade de abrir a boca. Aconchegou-se em uma almofada e continuou quieta olhando para o nada. Seus olhos encheram-se de lágrimas.Apertou um pouco mais a almofada. Fiquei uns instantes a olhar para ela, a sua agonia me cortava a fala… em silêncio apertei suas mãos e balbuciei um lamento.

De súbito, sentou-se na berma cama e começou a desmanchar toda a tristeza e, em forma de confissão, seguiu-se o desabafo.

– Este homem está a matar-me aos poucos… já não aguento, já não tenho forças para nada entre nós. Os sonhos que cultivamos… não passam de lembranças insistentes.

Mas vocês têm de conversar… respondi meio afonica e super desolada  de pena.

– Diálogos? Quantos já tivemos? Demorou muito tempo até eu conseguir sentir quão bem faz o desapego, já aceitei esta separação há muito e nem os filhos me forçam a ficar…

Mas porque não vais embora?

– Ir para onde? Para onde vai uma mulher que sempre dependeu do homem, ele nunca me deixou trabalhar lembras? Tive que deixar de estudar por causa dos filhos e hoje só o seu sobrenome me torna a senhora fulana, senão sou uma mísera parasita dependente das suas migalhas, e ele sabe disso, e faz questão de me lembrar que não sou nada sem a sua assinatura…

O que pensas fazer? – Arrisquei, tenho o vício de não opinar nos problemas dos outros, sobretudo nos conjugais.

– Nada. Nem orar consigo mais… tudo se dissolveu e o meu coração já não mais se envolve. Tudo o que um dia senti perdeu-se  no conformismo, viajei do salmo para o apocalipse. É o fim, mas não tenho coragem de abandonar o barco. Sim mana, é muito tempo e vida investida nesta relação falida, ele que saia.

E o que gostarias que acontecesse?

– Que ele olhasse para mim, não só como esta velha mobília do lar que foi promovida a mãe das crianças, mas sim como a mulher que ele chamava de minha rainha…

Ofereci-lhe um copo de analgésico fresco, e o segundo serviu-se ela mesmo, no quarto copo estava mais descontraída, as lágrimas já tinham secado e lembrou-se que precisava de ir ao salão de beleza tratar da aparência para não parecer derrotada.

Perguntou-me como eu estava, desculpou-se pelo desabafo e desembainhou mais uns trocos para comprar algumas anestesias, levantou o copo e sugeriu um brinde a vida.

– Epá cada um saiu no coiso da mãe dele… vamos viver amiga…

Se isso é vida não imagino a morte…

A autora escreve em PT Angola

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