Quinzenal
Director

Independente
João de Sousa

Domingo, Dezembro 22, 2024

Que o Alqueva não seja motivo de tensão

Num clima de amizade entre estados vizinhos e com fronteira comum, deve-se procurar não ferir susceptibilidades. Assim deve ser entre Portugal e Espanha.

Todavia… alguns episódios ensombram as relações bilaterais. E ligam-se ao problema do aproveitamento das águas do Alqueva.

Conforme referem vários órgãos de informação, «as autoridades espanholas continuam a multar as embarcações turísticas portuguesas que navegam nas águas do Alqueva junto a Olivença, considerando que aquela zona do rio está sob a sua alçada administrativa, mas os operadores do lado de cá da raia estão a contestar as coimas.»

E, acrescentam alguns, tudo se deve a uma lei espanhola. Citando:

A lei remonta a Janeiro de 2010, quando o Boletim Oficial do Estado espanhol passou a proibir a navegação de barcos portugueses na parte da albufeira de Alqueva que as autoridades do país vizinho consideram parte integrante do reino de Espanha.»

Os operadores turísticos portugueses queixam-se amargamente. Voltando a citar, «no verão de 2017 o administrador da Amieira Marina, Eduardo Lucas, já relatava ao Diário do Sul que no início da actividade dos barcos de cruzeiro a empresa chegou a transportar em média de 500 passageiros a Cheles (lado espanhol), mas que esse passei acabou por ser interrompido perante a inexistência de uma legislação comum aos dois países. “Os espanhóis, de forma unilateral, criaram uma série de obrigações”, lamentava Edmundo Lucas.(…)   a infracção à Lei da água espanhola pode ser punida com uma multa que pode chegar aos 6 mil euros.»

Parece que há um problema. E é lamentável que, ainda que os órgãos de comunicação refiram esta polémica, e a relacionem com a velha disputa sobre Olivença, não se sirvam da Lei e dos Tratados internacionais para, de certa forma, fazerem alguma pressão.

A situação pode revestir aspectos de claro abuso. A construção da barragem do Alqueva levou o Estado português a salvaguardar tudo o que dizia respeito às éguas retidas e à sua exploração. Assim, assinou-se, em 29 de maio de 1968, um convénio entre Portugal e Espanha. Lisboa, aproveitando-se das dúvidas reinantes, em termos de Direito Internacional, em torno da soberania de Olivença, e da necessidade que Madrid tinha, por estar a levantar a Questão de Gibraltar em fóruns internacionais, conseguiu que a Espanha desse a sua aprovação a um texto, que se segue (em espanhol, para mostrar a clareza com que deve ser assumido por Madrid):

Se reserva a Portugal la utilización de todo el tramo del río Guadiana entre los puntos de confluencia de éste con los ríos Caya y Cuncos, incluyendo los correspondientes desniveles de los afluentes en el tramo.–».

Dir-se-á que estas palavras se referem mais a aspectos hidráulicos do que a turísticos. É verdade, mas está subjacente a existência dum “desacordo” ibérico em torno de Olivença.

As questões em torno dos direitos de soberania sobre o território referido (Olivença) mantêm-se, algo discretamente, até hoje. Se essa atitude é correta, esse é um problema que não é para trazer aqui. Mas é claro que é do interesse espanhol que não se fale muito do assunto, dado que tem reivindicações internacionais públicas e notórias.

Ora, parece haver em Espanha uma corrente de opinião que acha que, com pequenas atitudes intimidatórias na região oliventina, afirma, ou reafirma, a sua posição de princípio, que é, claro, a de que Olivença é um território legal e integralmente espanhol, e que não se pode fazer nada que suscite dúvidas sobre isso.

Contudo, este tipo de atitude acaba por se parecer com uma provocação descarada. No fundo, Madrid chama a atenção para a existência dum problema pendente, que talvez devesse mais ou menos procurar ocultar.

Em Portugal, parece haver uma grande dificuldade em falar de Olivença, embora, nos últimos tempos, haja indicadores de alguma mudança de atitude. Mas parece que a Espanha, com a sua actuação no Alqueva, quer afinal que se fale muito mais. Ainda que conte com alguma complacência, nomeadamente a nível jornalístico e diplomático.

Complacência porque parece haver um receio generalizado de dar a conhecer ao grande público o texto do acordo de 29 de maio de 1968, que refere direitos portugueses sobre as duas margens do Alqueva.

Talvez não se queira dar início a uma febre de indignação, pois o que se está a fazer pode ser visto como uma violação por Espanha do espírito, pelo menos, do estipulado no acordo.

Não será possível, perante as muitas queixas contra as atitudes de autoridades espanholas, manter este meio silêncio por muito tempo.

Desgraçadamente, parece haver em Espanha quem não se dê conta de estar a abrir a porta a graves protestos de indignação. Que aparecerão, mais cedo ou mais tarde, pois os meios diplomáticos e jornalísticos portugueses não poderão, por muito mas tempo, esconder a previsível crispação em torno do que se passa. Mesmo porque não estarão dispostos a ser acusados de cumplicidade.   

Haja bom senso. Principalmente em Madrid. E, já agora, também em Mérida, sede do Governo Regional da Extremadura (espanhola).


por Frederico Lobo Gama


Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -