Um estudo indica que há uma área equivalente a três cidades de São Paulo ameaçada pelos incêndios florestais.
As maiores taxas de desmatamento da última década na Amazônia foram registradas no ano passado. Mas 2020 pode ser ainda pior. Um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) indica que há uma área desmatada de pelo menos 4.500 quilômetros quadrados que pode ser queimada este ano. Quatro estados concentram 88% dessa área: Pará (com 42%) dos 4,5 mil km2, Mato Grosso (23%), Rondônia (13%) e Amazonas (10%). “Se tudo virar fumaça, a região pode enfrentar estado de calamidade pública na saúde devido a sobreposição de queimadas com pandemia de Covid-19, o que sobrecarregará ainda mais a rede saúde já em colapso nos atendimentos à população”, diz o estudo.
“Coibir as queimadas e o desmatamento neste ano, além de uma ação de proteção ambiental, é também uma medida de saúde”, afirma um dos autores do estudo, o pesquisador Paulo Moutinho, doutor em Ecologia e membro do Ipam. A preocupação reflete os dados do ano passado, quando os municípios que mais queimaram na Amazônia viram o ar ficar 53% mais poluído, em média, em relação a 2018.
Moutinho destaca que “uma não ação dos poderes públicos na prevenção do desmatamento e das queimadas poderá representar perdas de vidas humanas para além das previstas com a pandemia”. “Precaução é a palavra chave agora”, conclui Moutinho.
“Durante a temporada de fogo, extensas áreas da Amazônia têm qualidade do ar pior que no centro da cidade de São Paulo devido às queimadas. Isso tem forte efeito na saúde, especialmente em crianças e idosos, que são as populações mais vulneráveis”, explicou o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), que colaborou com o trabalho.
“Como a poluição das queimadas viaja por milhares de quilômetros, comunidades isoladas de índios respiram esta atmosfera insalubre, que é muito acima dos padrões de qualidade do ar da Organização Mundial da Saúde”.
O estudo do Ipam indica que cerca de 45% da área desmatada em 2019 ainda não foi queimada A área geográfica é equivalente a três vezes o tamanho da cidade de São Paulo.
Para a diretora de Ciência do Ipam, Ane Alencar, que também assina a nota técnica do estudo, as autoridades ambientais precisam ser “muito assertivas” no combate ao desmatamento ilegal e às queimadas. “Se isso não acontecer, temos chances de ter uma pressão muito grande no sistema de saúde da Amazônia e levá-lo, de fato, ao colapso”, explica ela.
O pesquisador Paulo Moutinho alerta para a possibilidade de um “desastre” nos sistemas de saúde se os desmatamentos e as queimadas não forem controlados a tempo. “Precaução é a palavra-chave agora”, aconselha Moutinho. Mas o problema é que os sinais dados pelo governo federal estimula, na ponta, a destruição florestal. Em 22 de abril, em reunião ministerial com o presidente Jair Bolsonaro, o próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que é preciso aproveitar a pandemia para “passar a boiada”.
Pelos cálculos dos cientistas, se o ritmo acelerado de desmatamento continuar nos próximos meses, um total de quase 9 mil quilômetros quadrados poderá virar cinzas, já que a época mais intensa de derrubada e queima se inicia agora, com a chegada do período seco na região. “Se pelo menos metade dessas áreas queimarem, teremos um cenário pior do que o que tivemos ano passado”, acrescenta o documento.
Queimadas sobem 38% no Acre
Os focos de calor, que são os dados capturados por satélite, já ultrapassam os registrados em 2019, no estado do Acre. Até segunda-feira (8), ocorreram 61 focos de queimadas, ante 44 no mesmo período de 2019 – um aumento de 38%. Pelos dados oficiais, o Acre registrou 6.802 focos de queimadas no ano passado. No mesmo ano, o número de queimadas urbanas foi de 6.867, segundo o Corpo de Bombeiros.
“Não sei o que é mais difícil o controle das queimadas ou da pandemia. Todos os anos nós passamos por dificuldades, mas a população continua queimando”, afirma o porta-voz do Corpo de Bombeiros do Acre, major Cláudio Falcão. Ele explica que só em Rio Branco, capital do estado, foram registrados 999 incêndios ambientais até domingo (7). No mesmo período do ano passado, o número era de 544, o que representa um aumento de 84%. Em todo o estado do Acre, já foram contabilizadas 1.086 queimadas urbanas.
“Infelizmente, temos registrados um aumento de queimadas urbanas e rurais. E isso faz com que o sistema de saúde se sobrecarregue ainda mais porque começam a aparecer doenças respiratórias. Vamos ter um problema muito sério”, prevê Falcão. Embora já exista um plano de contingência em curso, a pandemia fez com que ações presenciais e preventivas fossem retraídas por conta das restrições do isolamento social. “É preciso conscientização da população e intensificação dos órgãos de fiscalização para podermos diminuir essa situação”.
De acordo com o Laboratório de Geoprocessamento Aplicado ao Meio Ambiente da Universidade Federal do Acre (Ufac), em 2019 foram mais de 175 mil hectares queimados. Os municípios que mais queimaram foram Sena Madureira, Rio Branco, Feijó, Tarauacá e Brasiléia. Pelo menos 1.700 hectares foram afetados pelas queimadas ocorridas na região do Alto Acre. Inclusive parte importante dos incêndios florestais ocorreram na Resex Chico Mendes e Terras indígenas.
A lógica destrutiva das queimadas
Na história da destruição florestal na Amazônia, após o desmatamento acontece uma queimada. “Ninguém vai gastar dinheiro para derrubar vários hectares de floresta para depois não usar essa área, mesmo que seja para especulação. Essa área vai ser queimada”, explica a pesquisadora Ane Alencar. Assim, sempre que a taxa de desmatamento cresce na Amazônia, há uma relação direta com o aumento de focos de calor. “Foi o que vimos acontecer em 2019 e, infelizmente, se nada for feito, é o que deveremos ver em 2020, já que a derrubada continua num ritmo elevado”, acrescenta a pesquisadora do Ipam, Ane Alencar.
Os 4.500 quilômetros quadrados apontados pelo Ipam equivalem a três vezes a área da cidade de São Paulo. De acordo com a Nota Técnica, a situação no Pará é a mais grave, pois concentra 42% do total desmatado no período analisado. Em seguida, vem o Mato Grosso, com 23%; Rondônia, com 13%; e Amazonas, com 10%.
As queimadas aumentam a quantidade de fumaça no ar, transportando material particulado fino, os chamados aerossóis. Nas áreas mais atingidas pelas nuvens poluidoras, há uma explosão de pacientes que procuram o atendimento médico com agravamento de doenças respiratórias. No entanto, desde março, os sistema de saúde estão sobrecarregados com os casos de covid-19, e três estados da Amazônia estão entre os que registram o maior número de casos da doença no Brasil.
Segundo o estudo, até o final de maio de 2020, o Brasil contabilizava 29.314 óbitos, sendo que 20% destes ocorreram na região Norte, que também registra a maior taxa de incidência (584,6) e de mortalidade (30,9) por 100 mil habitantes e, na época, contava com 107.752 casos confirmados, ou 20% do total nacional.
“No Amazonas, no Pará e em Mato Grosso, mais de 20% das pessoas moram em áreas que exigem um deslocamento de até quatro horas para chegar ao município mais próximo com condições de atendimento em casos graves de covid-19. As pequenas e médias cidades, se atingidas simultaneamente por fumaça das queimadas e infecções pelo novo coronavírus, tendem a não conseguir absorver a necessidade da população”, diz a nota técnica.
Áreas mais críticas
“É fundamental que o poder público, como os governos federal e estaduais, ajam de forma integrada. Nosso estudo, inclusive, indica onde estão essas áreas que foram derrubadas e não queimadas”, diz Paulo Moutinho. Para o Ipam, o monitoramento deve ser prioritário nos Estados do Acre, Pará e Amazonas, que possuem grandes áreas críticas.
No Pará, há “um arco de fogo que liga a região de Altamira e São Félix do Xingu, com destaque para as terras indígenas Itauna-Itatá, Apiterewa e Trincheira-Bacajá, e mais a Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu”. O estudo aponta como áreas mais críticas a região ao longo da rodovia Transamazônica (BR-230) de Altamira a Rurópolis, com destaque para a Terra Indígena Cachoeira Seca, também faz parte das áreas críticas apontadas pelo Ipam, assim como Novo Progresso e Castelo dos Sonhos, com destaque para Floresta Nacional Jamanxim, e o Baixo Amazonas.
No Acre, os municípios ao redor de Rio Branco e ao longo das rodovias BR-364, com destaque para Bujari e Sena Madureira, e BR-317, nas cidades de Senador Guiomar, Capixaba e Xapuri, são os mais ameaçados pelas queimadas e incêndios florestais. E no Amazonas, o Ipam aponta como mais preocupantes os municípios localizados no sul do Estado, onde há forte pressão da agropecuária e retirada de madeira: Apuí e Nova Aripuanã, ao longo da Transamazônica, e Boca do Acre, na divisa com o Acre.
Caracaraí e Rorainópolis, no estado de Roraima, Colniza, Cotriguaçu, Aripuanã, Apiacás, Marcelândia, União do Sul e regiões a oeste do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso, e a capital Porto Velho, em Rondônia, também estão ameaçadas pelas queimadas.
Alta no desmatamento em 2019
Nesta terça-feira (9), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) divulgou a taxa de desmatamento do Prodes, que apontou uma alta de 34,4% na devastação da Floresta Amazônica entre o período de agosto de 2018 e julho de 2019 em comparação ao mesmo período de 2017 e 2018. Foram desmatados 10.129 quilômetros quadrados – a maior taxa desde o ano de 2008, que foi de 12.911 quilômetros quadrados.
por Izabel Santos e Bruna Melo, Amazônia Real | Texto em português do Brasil
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