Cinco canções para fazer pulsar o coração valente na resistência ao arbítrio. Cinco canções para lembrar que o tempo não para e a vida segue em frente.
O engajamento por um mundo voltado para os direitos humanos, a liberdade, o trabalho decente, a vida digna e o respeito ao diferente devem nortear os rumos dos trabalhos de quem ainda se indigna com a injustiça, com a miséria, coma exploração do trabalho infantil, coma violência doméstica, colma misoginia, com o racismo, com a LGBTfobia e com tudo o que corrói a vida, os sonhos, o planeta.
Toda a diversidade brasileira expressada pelas compositoras e compositores selecionados para refletir sobre o que estamos fazendo ou deixando que façam com as nossas vidas e com as vidas dos outros. Basta de apatia.
Dani Black
“O Trono de Estudar, de Dani Black, se transformou num verdadeiro hino da resistência dos estudantes secundaristas que ocuparam as escolas contra um projeto de fechamento de salas de aulas com objetivo de privatização da educação pública. Mais do que isso, virou um grito de liberdade pelo direto de lutar. Além de defender a educação como motor de vida, de alegria e de transformação.
O filho de Tetê Espíndola, Dani Black nasceu em São Paulo conta com um trabalho intrinsicamente ligado às questões sociais e políticas do momento. Um talento a ser acompanhado.
Ninguém tira o trono do estudar
Ninguém é o dono do que a vida dáNinguém tira o trono do estudar
Ninguém é o dono do que a vida dá
E nem me colocando numa jaula
Porque sala de aula essa jaula vai virar
E nem me colocando numa jaula
Porque sala de aula essa jaula vai virarA vida deu os muitos anos da estrutura
Do humano à procura do que Deus não respondeu
Deu a história, a ciência, arquitetura
Deu a arte, deu a cura e a cultura pra quem leu
Depois de tudo até chegar neste momento me negar
Conhecimento é me negar o que é meuNão venha agora fazer furo em meu futuro
Me trancar num quarto escuro e fingir que me esqueceu
Vocês vão ter que acostumar.Ninguém tira o trono do estudar
Ninguém é o dono do que a vida dáNinguém tira o trono do estudar
Ninguém é o dono do que a vida dá
E nem me colocando numa jaula
Porque sala de aula essa jaula vai virar
E nem me colocando numa jaulaPorque sala de aula essa jaula vai virarE tem que honrar e se orgulhar do trono mesmo
E perder o sono mesmo pra lutar pelo o que é seu
Que neste trono todo ser humano é rei,
Seja preto, branco, gay, rico, pobre, santo, ateu
Pra ter escolha, tem que ter escola
Ninguém quer esmola, e isso ninguém pode negar
Nem a lei, nem estado, nem turista, nem palácio,
Nem artista, nem polícia militar
Vocês vão ter que engolir e se entregar
Ninguém tira o trono do estudar”
O Trono de Estudar (2015), de Dani Black
Bia Ferreira
Nascida em Carangola (MG), Bia Ferreira foi criada em Aracaju, (SE). O seu trabalho reflete toda essa diversidade e apresenta uma força descomunal contra o preconceito, o ódio, a violência e as discriminações.
Em “Cota Não É Esmola”, ela canta o grito da força da população negra, rejeitada, oprimida, maltratada por uma sociedade racista, conservadora e adoecida. Bia mostra a impossibilidade de se defender a chamada “meritocracia” numa sociedade tão desigual. Afinal conta não é esmola, é um projeto de diferenciar os desiguais para conquistar a igualdade no futuro.
“Experimenta nascer preto na favela, pra você ver
O que rola com preto e pobre não aparece na TV
Opressão, humilhação, preconceito
A gente sabe como termina quando começa desse jeito
Desde pequena fazendo o corre pra ajudar os pais
Cuida de criança, limpa a casa, outras coisas mais
Deu meio-dia, toma banho, vai pra escola a pé
Não tem dinheiro pro busão
Sua mãe usou mais cedo pra correr comprar o pão
E já que ela ta cansada quer carona no busão
Mas como é preta e pobre, o motorista grita: Não!
E essa é só a primeira porta que se fecha
Não tem busão, já tá cansada, mas se apressa
Chega na escola, outro portão se fecha
Você demorou, não vai entrar na aula de história
Espera, senta aí, já já dá uma hora
Espera mais um pouco e entra na segunda aula
E vê se não se atrasa de novo, a diretora fala
Chega na sala, agora o sono vai batendo
E ela não vai dormir, devagarinho vai aprendendo que
Se a passagem é três e oitenta, e você tem três na mão
Ela interrompe a professora e diz: Então não vai ter pão
E os amigos que riem dela todo dia
Riem mais e a humilham mais, o que você faria?
Ela cansou da humilhação e não quer mais escola
E no natal ela chorou, porque não ganhou uma bola
O tempo foi passando e ela foi crescendo
Agora lá na rua ela é a preta do sovaco fedorento
Que alisa o cabelo pra se sentir aceita
Mas não adianta nada, todo mundo a rejeita
Agora ela cresceu, quer muito estudar
Termina a escola, a apostila, ainda tem vestibular
E a boca seca, seca, nem um cuspe
Vai pagar a faculdade, porque preto e pobre não vai pra USP
Foi o que disse a professora que ensinava lá na escola
Que todos são iguais e que cota é esmola”
Cota Não É Esmola (2017), de Bia Ferreira
Gabriela Brown
A capixaba Gabriela Brown canta o amor, a vida e a vontade de transformar o mundo num lugar bom de se viver. Sua arte grita contra o capitalismo destruidor de sonos, de vidas e da natureza.
“À distância de meio telefonema
Te procuro em cada esquina digital
Nosso tempo é de um amor de cinema
Os ponteiros rebobinam é irracionalO Sol raia você não raiou ainda
Você sai do oceano que fica sem sal
Vem dizendo: se essa praia fosse minha
Mandaria acabarem com o capital”
Garota, Tô no Céu (2019), de Gabriela Brown
Rincon Sapiência
Uma voz imponente do rap, o paulistano Rincon Sapiência protesta contra tudo que se faz para enquadrar o trabalho de artistas que desejam ser livres e produzir arte para pensar o que queremos para o futuro. Um dos grandes talentos das novas gerações.
Na canção “Ponta de Lança”, ele cancela a tese do cancelamento, tão presente em redes sociais. Porque a arte é livre e o debate deve ser feito com respeito. Saber ouvir e também se posicionar são questões importantes para haver evolução do pensamento.
“Tô burlando lei, picadilha rock
Quando falo rei, não é Presley
Olha o meu naipe, eu tô bem Snipes
Tô safadão, tô Wesley
Eu tô bonitão, tá ligado, fei
Se o padrão é branco, eu erradiquei
O meu som é um produto pra embelezar
Tipo Jequiti, tipo Mary Kay
Como MC, eu apareci
Pra me aparecer, eu ofereci
Umas rima quente, como Hennessy
Pra ficar mais claro, eu escureci
Aquele passado, não esqueci
Vou cantar autoestima que nem Leci
Às vezes eu acerto, as vezes eu falho
Aqui é trabalho, igual Murici
A noite é preta e maravilhosa
Lupita Nyong’o
Tô perto do fogo que nem o couro de tambor numa roda de jongo
Nesse sufoco, tô dando soco, que nem Lango-Lango
Se a vida é um filme, meu Deus é que nem Tarantino”
Ponta de Lança (2017), de Rincon Sapiência
Nelson Cavaquinho
Da Estação Primeira de Mangueira nasceram grandes talentos da música popular brasileira. Nelson Cavaquinho (1911-1986) é um desses gigantes. A sua melancolia fez o seu estilo singular. Melancólico, mas esperançoso. Com a certeza do futuro com mais sabedoria e menos violência.
“Juízo Final” é a expressão máxima desse canto de esperança de que um dia o morro vai descer e se impor no asfalto. Afinal, “O mal será queimada a semente/O amor será eterno novamente”.
“O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
O mal será queimada a semente
O amor será eterno novamenteÉ o juízo final
A história do bem e do mal
Quero ter olhos pra ver
A maldade desaparecerÉ o juízo final
A história do bem e do mal
Quero ter olhos pra ver
A maldade desaparecerO sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
O mal será queimada a semente
O amor será eterno novamente”
Juízo Final (1973), de Élcio Soares e Nelson Cavaquinho
Texto em português do Brasil