“O advogado direitista boliviano é testa de uma oposição que não esconde o que fará quando governar. Camacho citou publicamente Pablo Escobar como sinônimo do que deveria ser feito na Bolívia – sugeriu que escrevesse traidores no estilo dos narco-traficantes”.
por Gustavo Veiga
O golpe contra Evo Morales e seu governo na Bolívia é contra a democracia e a institucionalidade. Não foi um golpe suave. Não foi resolvido no Congresso como ocorreu no Paraguai e no Brasil, quando o bispo Fernando Lugo e Dilma Rousseff foram depostos.
Na Bolívia, foi decidido no quartel, de onde saiu a determinação para o presidente Evo Morales deixar o governo.
A direita no passado impôs ditaduras militares em todo o continente e usou as forças armadas para tomar o poder, também se mobilizou nas ruas para alcançar seus propósitos de desestabilização.
O argumento que a direita sempre agitou é variado: corrupção, fraude, chavismo ou defesa de uma sociedade ocidental e cristã numa cruzada de fé, remanescente da conquista espanhola, pela cruz e pela espada. Usou o fantasma do comunismo como na pior época da Guerra Fria. Isso ocultou seu verdadeiro objetivo: manter a condição da classe que representa, pela qual se sente legitimada por estar sempre no governo, muito próximo a ele ou por condicioná-lo. Seu objetivo é conhecido: acabar com os processos populares, proteger o que chama de “democracia” e que seu controle remoto seja exercido pelos Estados Unidos e pelas organizações supranacionais que controlam.
“O golpe de estado foi consumado”, disse o vice-presidente Álvaro García Linera.
A vigília em La Paz e El Alto, o conglomerado urbano mais importante do estado plurinacional, havia sido violenta, tensa e um campo fértil para o conflito.
Em grande parte, os militantes do MAS (Movimento Ao Socialismo), partido do governo do presidente Evo Morales, jogaram quase todas as suas fichas lá, entre 3.600 e 4.000 metros acima do nível do mar.
Agora não terão facilidade com o presidente fora do governo, com uma polícia nacional rebelde e os militares que viram atendido seu propósito de saída do presidente, como Williams Kaliman, comandante das Forças Armadas, exigiu.
A alegação do líder cruzado Luis Fernando Camacho de entregar uma carta a Evo pedindo que se demitisse, representou o núcleo duro de conspiradores pelo golpe, de seu departamento (estado)no Oriente (Santa Cruz), que forçou a situação ao máximo. Ele apareceu na Sede do Governo e, na ausência de Evo, colocou seus escritos e uma Bíblia sobre a bandeira boliviana, e ajoelhou-se, como um cruzado em Jerusalém. Lançado em La Paz, repetindo o direitista venezuelano Juan Guaidó, o advogado direitista boliviano é testa de uma oposição que não esconde o que fará quando governar. Camacho citou publicamente Pablo Escobar como sinônimo do que deveria ser feito na Bolívia – sugeriu que escrevesse traidores no estilo dos narco-traficantes – e procurou Carlos Mesa, o principal candidato da oposição a presidente, num cenário de combustível que está sendo montado em Bolívia. Agora ele é o primeiro ator.
O crucenho é filho de José Luis Camacho Parada, que liderou a Frente Cívica na década de 1980. Em 1981, organizou uma greve departamental (estadual) contra o Projeto San Buena Ventura, ao norte de La Paz. Como seu pai, que tentava impor condições a um departamento que não era o seu – a Bolívia tem nove departamrntos – Luis Fernando deu o primeiro ultimato de 48 horas ao legítimo presidente para deixar a Casa del Pueblo, a nova sede do governo na capital. Também faz parte de Los Caballeros del Oriente, uma organização de Santa Cruz, bastião da direita mais radicalizada.
É engraçado, mas o clã Camacho, completado por José Luis Camacho Miserendino, meio-irmão mais velho de Luis Fernando, reclama das condições que La Paz supostamente impõe ao seu departamento. Mas desde 2010, a taxa de crescimento do PIB de Santa Cruz tem sido maior do que da Bolívia. Em 2018, sua economia cresceu a uma taxa de 5,80%,um terço a mais que o país inteiro (4,22%). Eles reclamam que sua região não recebe o que produz, mas 26% das exportações globais, 60% das exportações não tradicionais e 70% das agroexportações, além de 70% dos alimentos da Bolívia, saem de lá – é o que diz o jornal da oposição, não uma mídia oficial e relacionada a Evo.
Camacho mantém laços políticos com o golpista fugitivo Branko Marinkovic, que se refugiou no Brasil em 2010 depois de ser acusado de sedição e separatismo em Santa Cruz, por organizar financiar um grupo armado pela independência de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija. Foi comandado por outro croata-boliviano: Eduardo Rózsa Flores. Como o clã, ele tem várias contas offshore relatadas nos Documentos do Panamá (Panamá Papers). Após as eleições de 20 de outubro deste ano, ele havia escrito em sua conta no Twitter: “A eleição foi fraudulenta, que o mundo sabe, não apenas o segundo turno é suficiente, deve ser repetido sem que o candidato ilegítimo e ilegal também retire seu voto. parlamentares fraudulentos “.
Esses setores querem aumentar seus privilégios na Bolívia. O golpe de Estado contra Evo Morales é uma volta ao pior do passado, naqueles tempos da doutrina de segurança nacional.
por Gustavo Veiga | Texto em português do Brasil, com tradução de José Carlos Ruy
Exclusivo Editorial PV (Fonte: Pagina12) / Tornado