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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Queremos mesmo sobreviver à pandemia?

Carlos de Matos Gomes
Carlos de Matos Gomes
Militar, investigador de história contemporânea, escritor com o pseudónimo Carlos Vale Ferraz

Se há um tempo para pensarmos em sobreviver é este. Os europeus – porque sou europeu – devem reunir-se e agir e não é a senhora Lagarde, do BCE, nem os ministros das Finanças do Eurogrupo que podem ser os nossos timoneiros – devemos reunirmo-nos para impedir que sejam os nossos coveiros. A questão não são os bonds, nem empréstimos, nem dívida pública: são como regular a utilização de recursos e a sua distribuição.

O vírus classificado como Covid-19 tem provocado milhares de mortes. Devastou o modelo de desenvolvimento neoliberal – daí a justificação para o comportamento de Trump de mosca dentro da garrafa. Quanto à Europa: Os dois dos maiores países da outra margem do Atlântico são dirigidos por criminosos sem escrúpulos nem qualquer sentido não só de humanidade, mas de animalidade, isto é, de instinto de sobrevivência, Trump e Bolsonaro. A Leste, a Rússia  gere os seus recursos internos para preservar forças (possui uma relação favorável de população, território e recursos essenciais) e a China a repegar o modelo de produção onde o deixara, assente na sobrexploração de recursos (desde logo o do trabalho) e de inundação dos mercados com produtos a preços esmagados que implicam a abolição de direitos humanos fundamentais. Desde logo a liberdade.

E a Europa?

Leio o artigo de Miguel Sousa Tavares no Expresso:

Eu fui um dos que tive uma esperança, ainda que ténue, de que tivéssemos aprendido alguma coisa com esta lição (a da pandemia). Mas ainda nem vemos o fim do pesadelo nem alcançámos todas as suas consequências e já se percebeu que quem manda nisto — no mundo, no planeta, neste “capitalismo que mata”, como disse o Papa Francisco — pretende fazer tudo igual, mas ainda mais depressa e pior, se possível. As Bolsas animam-se com a retoma económica na China, puxada a todo o gás pelas centrais a carvão; a Amazónia, escondida temporariamente dos satélites pelas nuvens e pela pandemia à solta em terras do Brasil, aumentou em 171% a área desflorestada em Abril, em comparação com igual mês de 2019  e na Europa, sob pressão das companhias aéreas, Bruxelas abandonou qualquer veleidade de limitar a lotação dos aviões, um dos mais intensos poluidores atmosféricos e um dos mais eficazes focos de propagação do vírus.

Entre nós, muito se escreveu e falou sobre um regresso ao campo e à pequena agricultura familiar e biológica, cujos benefícios e atractividade o confinamento forçado tinha permitido redescobrir, e também se escutaram juras de revisão do modelo de turismo assente nas multidões e na destruição de habitats naturais. Pois, aí está: a agricultura que é apoiada, financiada por dinheiros europeus e aquela por onde vagueiam exércitos de trabalhadores asiáticos semiescravos é a agricultura superintensiva, predadora da terra e esbanjadora de água.

Como é que nada poderá não ser como dantes?”

Para os cidadãos europeus, cercados a Leste e a Oeste, a questão é sobreviver. Não como sobreviver ao vírus, mas como impedir que o vírus tenha aqui os seus ninhos e impeça a sobrevivência da nossa espécie, que nos ganhe, que nos derrote enquanto seres humanos e europeus. Trata-se de sobrevivência de uma espécie ameaçada não por um vírus, mas por uma podridão generalizada, por uma metástase disseminada. O Covid 19 é o nosso vírus!

O Covid 19 é uma consequência, não é uma causa. Os cidadãos europeus têm o dever de se levantar para exigirem respostas para as causas desta epidemia.

A frase é apresentada como tendo vários autores, de Einstein a Benjamin Frankelin “Insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes”. Não sei se a resposta à epidemia é insanidade, mas estupidez é com certeza.

Os cidadãos europeus têm o direito e o dever de exigirem dos seus eleitos uma resposta que não seja a repetição da que causou a calamidade. Reúna-se um Eurogrupo, uma Cimeira, um Forum, uma feira, um conclave para os europeus discutirem e decidirem em que mundo querem viver.

Primeira pergunta: Queremos viver? E, de seguida, queremos viver como baratas chinesas? Como grunhos americanos? Como evangelistas bolsonaristas?

Com tantos estudos e tanto dinheiro para estudos contra o vírus Covid 19, que geram lucros imensos, despesas em boa parte inúteis, ou sobre objetivos secundários, porque não um estudo sério sobre o tempo que nos resta para viajar nos navios de cruzeiro, nos charters de aviões para um pacote de uma semana de solysombrero? Sobre quanto tempo nos resta para passear no último camelo à volta das pirâmides do Egito, ou para matar animais nos safaris do Kruger Park, ou do Quénia, ou para ir ver a última árvore da Amazónia, para subir na derradeira viagem no elevador do Empire State para ver arranha-céus e torres Trump, ou da Torre Eiffel, ou para uma viagem numa gondola (insuflável) em Veneza?

Quanto tempo teremos para comprar uns ténis da Nike fabricados por escravos no Bangladesh, ou umas T-shirts da Zara? O que vamos fazer aos tuk-tuk que enxameiam as ruas de Lisboa a Phnom Penh? E aos carros elétricos, a diesel ou gasolina das várias autoeuropas espalhadas pelo mundo? E ao arsenal nuclear, o que vamos fazer às ogivas, atiramo-las aos Covid ou uns aos outros? E aos satélites, desinfetamo-los cá de baixo, ou mandamos lá alguém? Quem cuidará das ruínas do Coliseu de Roma quando só restarem ratos e baratas? Ou do Castelo Templário de Tomar? E até quando haverá judeus para dar cabeçadas no Muro das Lamentações, depois de terem morto o último palestiniano, mesmo sem lhe terem feito o teste do coronavírus e sem ter lavado as mãos com gel, depois? Não, esses últimos visitantes, não morrerão do coronavírus. Morrerão da nossa estupidez. Uma morte lenta, presume-se e teme-se, de fome, doença, desespero, de lutas pelo último hambúrguer, pela última coca-cola… Entretanto aqui discute-se se devemos peregrinar a Fátima ou ao Seixal, ao Avante! E se existe incoerência entre um estádio vazio e um avião cheio – ora a questão não é de incoerência, é de cegueira: os estádios jamais se encherão e os aviões também não.

Já agora os coletes amarelos (lutadores sociais, não era?) desapareceram de França, agora que tão necessários eram! E os neofascistas do Salvini em Itália parece estarem de muito bem com a possibilidade de retomar ao antigamente, com turistas na fonte de Trevi, assim como os seguidores de Trump, e os evangelistas e as dondocas brasileiras de bolsonaro, e os espanhóis franquistas de Madrid, a malta da bola e por cá há lideres como Jerónimo de Sousa que não admite a austeridade. Acredita na lâmpada de Aladino ou tem alquimistas que criam ouro no Comité Central. É preciso voltar ao antigamente, depressa e em força! O problema é que não há antigamente atualmente.

Dirão os que acreditam que vai ficar tudo bem, este é um texto de ficção científica. Tomara eu! Catastrofismo. Cenário apocalítico! Dirão os evangélicos, os do Alá e os do Acá: Deus é grande. A última crença desta espécie de gente no Brasil, ao que li, é a da conspiração comunista: os caixões dos mortos do Covid estão cheios de pedras (presume-se que fabricadas na China) e as favelas do Brasil estarão assim pejadas de mortos vivos!

Se há um tempo para pensarmos em sobreviver é este. Os europeus – porque sou europeu – devem reunir-se e agir e não é a senhora Lagarde, do BCE, nem os ministros das Finanças do Eurogrupo que podem ser os nossos timoneiros – devemos reunirmo-nos para impedir que sejam os nossos coveiros. A questão não são os bonds, nem empréstimos, nem dívida pública: são como regular a utilização de recursos e a sua distribuição.


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


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