A Austrália baseia as suas reivindicações fronteiriças para a definição da Zona Económica Exclusiva baseada na significação de Plataforma Continental (até aos 200 metros de profundidade) e não abdica deste ponto de vista porque tem nesta zona do mar uma Plataforma Continental muito larga.
Contudo, e é aqui que a Austrália perde totalmente a razão, Timor-Leste tem fundamento para reclamar, porque a argumentação da Austrália se basear na Plataforma Continental não é aceite pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS).
Efectivamente, como ressalta Almeida Costa (2006), um conceituado especialista do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, «esta pretensão vai contra as normas da versão mais moderna da Lei Internacional do Mar a qual determina que cada País tem direito a delimitar como zona económica exclusiva 188 milhas náuticas a partir do limite exterior do seu mar territorial (12 milhas da costa) independentemente da Plataforma», ou seja, estas normas implicam que a Zona Económica Exclusiva pode ir até às 200 milhas da linha de costa tomada como base para a definição do Mar Territorial.
Ora, de acordo com a (mais) recente Lei Internacional do Mar, quando não houver 400 milhas a separar dois Países, a fronteira deve ser definida com base na linha equidistante de ambos os Países. Este é precisamente o caso entre a Austrália e Timor-Leste, pois, a distância entre os dois Países é inferior a 400 milhas, pelo que, a nossa reivindicação deve ser a de que a delimitação da fronteira marítima seja baseada, não na Plataforma Continental, como defende o governo australiano, mas através da linha equidistante (median line) entre os dois Países.
O Estado australiano, confrontado com esta situação, porque sabia que não tinha razão, decidiu retirar-se em 2002 da alçada do TIJ e do TIDM dois meses antes da independência de Timor-Leste, e persiste, até aos dias de hoje, no seu argumento. Como pode ser observado no Mapa, toda a Área A, denominada Zona de Cooperação, com a definição da median line, passaria a pertencer totalmente a Timor-Leste, onde se inclui o riquíssimo campo petrolífero de Bayu Undan, e este é o grande receio do governo australiano.
Toda a argumentação que até aqui se apresentou, com base em argumentos sólidos preconizados na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ajudam a comprovar que Timor-Leste tem direito à totalidade da riqueza do campo petrolífero de Bayu Undan. Mas, as pretensões legítimas de Timor-Leste vão mais longe e incluem, igualmente, a reivindicação sobre o campo petrolífero de Greater Sunrise.
Até ao momento, defendemos que os direitos de Timor-Leste são válidos em relação a um aspecto da fronteira, mas, ainda há a considerar as fronteiras “laterais”, decididas entre a Austrália e a Indonésia antes da independência de Timor-Leste ter sido reconhecida pelas Nações Unidas. Em primeiro lugar, e o Mapa ilustra muito bem esta questão, o campo petrolífero do Greater Sunrise, com base nos princípios internacionais da Lei do Mar, pelo menos parte dele, integra a denominada Área A, Zona de Cooperação, portanto, também poderá ser reclamado por Timor-Leste. Serra (2006) refere que há interpretações da lei do mar que poderão levar a que a totalidade deste poço esteja na Área A, e que, ao aceitar-se a linha meridiana como fronteira “horizontal”, o Sunrise deveria ser de soberania completa de Timor-Leste, sem restrições.
Pelo que se acabou de explanar, caso a Austrália aceite aplicar a lei internacional do Mar, como o fez em relação à sua vizinha Nova Zelândia em 2004, está a ser totalmente incoerente com Timor-Leste, a maior parte da riqueza petrolífera do Mar de Timor-Leste nesta região, com base no que está definido na UNCLOS, pertence, exclusivamente, ao nosso País.
Considerações finais – A Soberania de Timor-Leste é inegociável e inquestionável!
O Estado de Timor-Leste tem como objectivos fundamentais, diz o artigo 6º da sua Constituição, «defender e garantir a soberania do país», «garantir o desenvolvimento da economia e o progresso da ciência e da técnica», «proteger o meio ambiente e preservar os recursos naturais».
Com grande determinação e firmeza, e com o apoio do martirizado povo timorense, conquistou-se a liberdade e independência nacional. Alcançada a liberdade e independência nacional, com a formação da Assembleia Constituinte, e com as eleições que se lhe sucederam, criaram-se as condições para o início do normal funcionamento de um País, contexto favorável à produção de políticas conducentes ao desenvolvimento social, cultural e económico do território, um desiderato a alcançar com o capital humano existente, com a ajuda internacional seleccionada e com os recursos naturais de Timor-Leste.
A questão dos recursos naturais de Timor-Leste, onde se inclui o petróleo e o gás, remete para o problema ainda não resolvido das fronteiras marítimas, um imperativo nacional! Os estudos já efectuados por vários cientistas e políticos internacionais sobre a questão da exploração do petróleo de Timor-Leste e do envolvimento das multinacionais ajudam a explicar e a fundamentar as razões do nosso direito à indignação e à reivindicação!
Harterich (2013), através do seu ensaio muito interessante, esclareceu sobre o petróleo, as fronteiras e a disputa timorense pelo mar de Timor-Leste. Através deste estudo facilmente se compreende que as empresas multinacionais que trabalham na exploração dos recursos do mar de Timor começaram a ver os riscos causados pela independência de Timor-Leste, pois, uma das consequências seria Timor-Leste apresentar queixa a um tribunal internacional (Triggs, 2000) e fazer exigências nos termos da UNCLOS.
O futuro e o desenvolvimento de Timor-Leste dependem em grande parte dos recursos petrolíferos, portanto, há aspectos fundamentais que têm que ser resolvidos sem colocar em causa a soberania de Timor-Leste.
Segundo Harterich (2013), a delimitação da fronteira entre a Austrália e Timor-Leste no mar de Timor cria um âmbito mais claro e estável para a exploração do nosso petróleo. Anderson (2003), outro estudioso destas matérias, citado por esta investigadora, argumentou que o Timor Sea Treaty é vantajoso apenas para a Austrália e não considera os interesses de Timor-Leste.
Estes e outros estudos mostram que os governos australianos saíram vencedores nas negociações com prejuízos para Timor-Leste, pelo que, se o governo da Austrália desejar retomar as negociações será um factor positivo porque obviamente, o Tratado do Mar de Timor e o Tratado sobre Determinados Ajustes Marítimos no Mar de Timor (Treaty on Certain Maritime Arrangements in the Timor Sea – CMATS) não consagram soberania a Timor-Leste.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar foi ratificada por quase todos os países do mundo. Incluem as convenções sobre a Plataforma Continental (porção dos fundos marítimos), sobre o Alto Mar (zonas marítimas que não se encontram sob jurisdição de nenhum Estado), sobre o Mar Territorial (zona marítima contígua ao Estado costeiro e sobre o qual se estrutura a soberania), entre outras.
Timor-Leste, membro das Nações Unidas, tem direitos e deveres nos seus espaços marítimos, nomeadamente, em relação ao aproveitamento dos seus recursos, mas também para garantir a soberania e jurisdição. O exercício do poder do Estado timorense em relação ao espaço marítimo que lhe pertence é fundamental para aproveitarmos de forma sustentável os recursos vivos e inertes existentes.
Para todos os timorenses (verdadeiramente) nacionalistas a soberania de Timor-Leste é inegociável e inquestionável. Em defesa do direito à nossa soberania ocorreram as acções de protesto nos passados dias 22 e 23 de Março em Timor-Leste e em países vizinhos. O povo timorense continuará a bater-se pela exigência da delimitação das fronteiras marítimas, com todas as suas forças, com o apoio inequívoco da Associação dos Combatentes da Brigada Negra (ACBN) e das organizações de solidariedade nacional e internacional, até à vitória final, com várias formas de sensibilização junto das Nações Unidas para que produza uma resolução condenatória em relação à postura da Austrália.
O governo australiano terá que aceitar concordar com os princípios estipulados na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, tal como fez com a Nova Zelândia, e sentar-se à mesa das negociações com Timor-Leste para a delimitação definitiva das fronteiras marítimas. Se o governo australiano não ceder, se estiver a agir de má fé, será nosso direito utilizarmos mecanismos legítimos e legais de pressão para impedir que por cada barril de petróleo explorado no nosso mar aumente o sofrimento e a pobreza de várias famílias timorenses.
O povo timorense está firme e determinado nesta segunda fase da luta de libertação nacional que irá ganhar outra dinâmica com o apoio indefectível e renovado da Associação dos Combatentes da Brigada Negra (ACBN), sob a coordenação de Kay Rala Xanana Gusmão, Presidente Honorário da ACBN, recentemente indicado para ser o Negociador Principal nas conversações, em nome do Estado de Timor-Leste.
Timor-Leste nunca será um Estado verdadeiramente soberano enquanto não forem definidas as fronteiras marítimas!