Na Sexta-Feira, 13 de Novembro, atentados em nome do Estado Islâmico vitimaram pessoas e inspiraram medo em França. Certo homem, muçulmano, residente em Herserange, francês de cidadania, expressa sem hesitação o sentimento que lhe vem ao coração: RAIVA! LA RAGE! Este homem chama-se Karim. O nome foi alterado, por respeito para com o seu desejo explícito de não ser identificado.
Herserange é uma pequena localidade do extremo Nordeste de França, situada no departamento administrativo de Meurthe-et-Moselle (54) na região da Lorena (Lorraine). Localizada, mais precisamente, junto à tripla fronteira com a Bélgica e o Luxemburgo, com população de 4 560 habitantes para uma área de 4 km². Confluência e intersecção de pessoas, quase tanto como o Luxemburgo, em que vivem e/ou trabalham pessoas de mais de 170 nacionalidades. É o tipo de povoação em que quase todos se conhecem, em que quase todos conhecem o Presidente da Câmara (Maire) e todos são dele conhecidos. Em que um autarca pratica um relacionamento de proximidade com a população, promovendo reuniões para discussão de matérias de interesse comunitário e patrocinando os conseils citoyens: cidadãos comuns que, mediante candidatura, participam como conselheiros do município na criação e dinamização de ideias para melhoria das condições de vida em bairros de intervenção prioritária.
Contrariamente à vizinha Longwy — conhecida pela sua faiança, os émaux, e cujas muralhas e forte, concebidos por Vauban, arquitecto de Luís XIV, são património da UNESCO —, tem poder de compra e custos de habitação mais baixos e conserva um carácter mais popular, de dormitório, de vila de residência operária das antigas (e encerradas) minas. Existem prédios de habitação social. Mas também um bairro de chalets. Outros de prédios mais recentes. Outros de moradias. Parte da sua população, hoje (a exemplo da de grande parte dos municípios fronteiriços), trabalha no Luxemburgo, onde os ordenados e as prestações sociais são mais elevados. No bairro em que vivo e de que escrevo, convivem descendentes das velhas vagas de imigração italiana, portugueses, franceses e de origem magrebina. Filhos e netos de várias origens frequentam as mesmas turmas das escolas maternelles (pré-escola) e primárias.
Neste bairro, situa-se o campo municipal de futebol. E existe um edifício que já foi mesquita, que fora antes igreja e é hoje coisa abandonada e cujas paredes servem de tela para graffiti. Como se encontra em terreno privado e o proprietário vende caro, o município nada pode fazer.
Percorridas duas escassas centenas de metros a pé, fui colher o que pensam e como se sentem dois vizinhos, magrebinos, ambos cidadãos franceses e muçulmanos, perante tais actos, cometidos em nome do Estado Islâmico.
Karim foi mais firme: “Raiva!”. Abdel, casado com uma francesa etnicamente europeia, três filhos, mostra lamento e tristeza. O Islão — são unânimes — nada tem a ver com isso. Para Karim, “é uma vergonha. Aproveitar-se de um efeito do tempo. Sabe-se que as pessoas são contra as religiões. E estas pessoas, que não passam de terroristas, aproveitam-se da religião”. Lá porque elas invoquem o nome do Islão — diz Abdel — “isso não faz delas, forçosamente, muçulmanos. Essas pessoas não são muçulmanos. Não conheço essas pessoas nem as defenderia.” O que está em causa é que “a religião muçulmana está a ser conspurcada por estes actos. E, todavia, esta religião não é feita de ódio, como todas as religiões, penso. Esta religião é a partilha, a comunicação”. Acrescenta Karim: “as pessoas que matam sem uma verdadeira razão, sem um sentido, não são muçulmanos. Mas terroristas, pura e simplesmente.” Isto porque — afirma “um dos primeiros preceitos da religião é «não matarás».”
O medo existe. Há o medo de retaliações, de vinganças, de serem considerados como esses outros. Karim explica: “tenho medo que alguém seja suficientemente idiota para acreditar que estes actos são de muçulmanos. As pessoas inteligentes não pensariam isso.” Há uma mesquita em construção na vizinha Longwy; eis um local onde admitem poder vir a haver ataques, seja no presente, seja no futuro, quando estiver em funcionamento e cheia de fiéis em oração. Terá mesmo havido — refere Karim — uma agressão a um imã da mesquita de Bonnevoie, na cidade do Luxemburgo. E este evento provoca-lhe ainda mais raiva, pois trata-se de um amigo seu.
“Ninguém está imune a nada” — concordam. “Em qualquer momento, ninguém está livre de ser sair à rua e ser colhidos por um carro” (Abdel). “Ou de que no próprio dia de hoje ou amanhã possa vir a ocorrer outros evento do género, mesmo na nova mesquita de Longwy” (Karim). Coisas de terroristas e de “loucos”, nas palavras de Abdel.
O medo pode vir por outro lado, de outros muçulmanos. Temem que possa haver pessoas destas por aqui, escondidas, dissimuladas, vigiando outros muçulmanos, e que, entre outras coisas, preparem atentados na vizinhança? Temem por si próprios e suas famílias, que pessoas dessas se virem contra outros muçulmanos por acharem que não são muçulmanos que chegue? Esse receio existe. É perfeitamente possível que elas estejam por aqui, mesmo na nossa rua — admite Karim.
Há uma coisa que deixa Karim seguro: há “pessoas boas na rua e na vila. Vivo aqui há anos e os vizinhos sabem muito que isto não é obra de muçulmanos”. Então, o que o deixa mais apreensivo é que haja por aí “pessoas más com ideias negras, extremistas do Islão ou de outras facções”.
Anualmente, num Sábado de Junho (no corrente ano pela segunda vez), realiza-se uma fête des voisins. Começa ao fim da tarde (ainda com sol), em mesas montadas debaixo de toldo, improvisam-se churrascos, cada um traz o que entende e partilha. As crianças e jovens brincam na rua. Gente de todas as gerações ri, bebe, convive. Em Novembro, com frescos 7º, chuva e sem o movimento e alegria do mês quente, as ruas estão ainda e sempre tranquilas. E a uns trezentos e cinquenta quilómetros do vulcânico Paris. “E a vida continua, tem de continuar” — como conclui Abdel. Querendo Deus, oxalá! Inch’allah!
——————————————————————————————————————
LA RAGE!
Le vendredi 13 novembre, des attentats commis au nom de l’Etat Islamique ont fait des victimes mortelles et inspiré la peur partout en France. Un certain homme, musulman, domicilié à Herserange et français par citoyenneté, exprime sans hésiter le sentiment qui lui vient à l’esprit : LA RAGE! Cet homme est Karim. Le prénom a été modifié par respect pour sa volonté explicite de rester incognito.
Herserange est une petite ville à l’extrémité nord-est de France, dans le département administratif de Meurthe-et-Moselle (54) en région Lorraine. Précisons davantage : elle se situe près de la triple frontière avec la Belgique et le Luxembourg, comprend 4 560 habitants pour une superficie de 4 km². Confluence et intersection de gens, presque autant que le Luxembourg, pays où travaillent et/ou habitent des ressortissants de plus de cent soixante-six nationalités. C’est le genre de ville ou presque tout le monde se connaît, où tous connaissent le Maire et sont connus de lui. Où un élu pratique des liens de proximité avec les riverains, organisant des réunions où des matières d’intérêt communautaire peuvent être discutés et mettant en place des conseils citoyens. Ceux-ci intègrent des citoyens communs qui, sur candidature, participent en tant que conseillers de la municipalité à la création et la dynamisation d’idées visant à améliorer les conditions de vie des quartiers d’intervention prioritaire. Par comparaison à la voisine commune de Longwy — connue par les émaux, et en outre par ses murailles et son fort, œuvre de Vauban, architecte de Louis XIV, un patrimoine classé par l’UNESCO —, le pouvoir d’achat et les coûts de l’immobilier à Herserange sont plus bas ; elle garde un caractère plutôt populaire, de localité dortoir et résidence des ouvriers des anciennes mines (closes aujourd’hui). Il y a des bâtiments de logement social. Mais aussi une allée de chalets. Egalement d’autres quartiers de bâtiments plus neufs. Dans d’autres encore, des maisons. Une partie da la population herserangeoise actuelle (comme pour la plupart des communes frontalières) travaille au Luxembourg, où les salaires et les prestations sociales sont plus élevés. Dans le quartier où j’habite et d’où j’écris, vivent ensemble les descendants des vieilles vagues migratoires italiennes, des portugais, des français européens et d’autres d’ascendance maghrébine. Des enfants et des petits-enfants d’origines si disparates vont ensemble aux mêmes classes des écoles maternelles et primaires.
En ce quartier se situe le stade de foot communal. Il s’y trouve aussi un bâtiment qui a déjà fonctionné comme mosquée et précédemment comme église, mais aujourd’hui abandonné. Ses murs jouent le rôle de toile à graffiti. Se trouvant dans une propriété privée et comme son proprio demande un prix trop élevé, la municipalité se voit empêchée de s’en emparer.
Deux centaines de mètres à pied parcourues, me voici pour recueillir ce que pensent et ce que ressentent deux des mes voisins, maghrébins par les ancêtres, tous deux français par citoyenneté et musulmans par religion, face à ces actes, commis au nom dudit Etat Islamique.
Karim fut plus ferme : « La rage ! ». Abdel, marié à une française ethniquement européenne, parents de trois enfant, s’exprime ainsi : « triste, désolé ». L’Islam — tous deux le disent unanimement — n’a rien à voir avec ça. Selon Karim, « c’est une honte. Profiter d’un effet du temps. On sait très bien que les gens sont contre les religions. Et ces gens là, qui ne sont que des terroristes, profitent de cette religion ». Ce n’est parce que ces gens là parlent au nom de l’Islam, dit Abdel, « qu’elles sont forcément des musulmans. Ces gens là ne sont pas des musulmans. Je ne connais pas ces gens là ni ne les défendrais pas ». L’enjeu est que « la religion musulmane est salie par ces actes. Et pourtant cette religion n’a pas de haine, comme toutes les religions, je pense. Elle est le partage, c’est la communication ». Karim ajoute : « les gens qui tuent sans avoir une vraie raison, sans un vrai sens, ne sont pas des musulmans. Mais des terroristes, purement et simplement ». Ceci parce que, affirme Karim, « l’un des premiers préceptes de la religion est ‘tu ne tueras point’ ».
La peur existe. La peur des représailles, des vengeances, d’être pris comme l’un d’eux. Karim explique : « moi, je crains celui qui est assez idiot pour croire que ce sont des musulmans qui font ça. Les gens intelligentes ne penseraient ça ». Une mosquée est en construction à Longwy. Voici un endroit où mes deux interlocuteurs admettent la possibilité d’attaques, soit dans le présent, soit dans le futur, quand elle sera en pleine fonction et remplie de croyants pendant la prière. Il y a eu même lieu, reporte Karim, une agression à un iman de la mosquée de Bonnevoie, à Luxembourg. Cet évènement l’a rendu encore plus enragé, d’autant plus parce qu’il s’agit d’un ami.
« Personne n’est à l’abri », les deux sont d’accord. « A tout moment on peut sortir dans la rue et se faire renverser par une voiture » (Abdel). « Que ce soit aujourd’hui ou demain il peut se produire ce genre d’événement, ça peut se produire même dans la nouvelle mosquée de Longwy » (Karim). Ces sont des trucs de terroristes et de « fous », d’après Abdel.
La peur peut parvenir d’ailleurs, d’autres musulmans. Craignent-ils qu’il puisse y avoir des gens telles que celles-là dans les alentours, en cachette, dissimulées, en train de surveiller d’autres musulmans et que, parmi d’autres choses, ces gens là soient en train de préparer des attentats ici, dans le voisinage ? Craignent-ils pour eux mêmes et pour leurs familles, craignent-ils que de telles gens puissent se retournent contre eux juste parce qu’elles jugent qu’ils ne sont pas assez musulmans ? Une telle peur, elle existe. C’est bien possible que des gens de ce genre soient ici, même dans notre rue — Karim admet.
Une chose rassure Karim : « il y a des gens dans la rue et dans la ville qui sont bonnes. J’habite ici il y a des années et les voisins savent très bien que ce n’est pas des musulmans qui font ça ». Alors, ce qui l’effraye le plus c’est qu’il y ait là « des gens avec des idées noires, des extrémistes de l’Islam ou d’autres factions ».
Tous les juins (pour la deuxième fois en 2015), un samedi, c’est la fête des voisins dans le quartier. Fin d’après-midi (encore sous le soleil), des tables disposées sous une bâche, des barbecues sont improvisées, chacun ramène ce qu’elle ou il veut et on partage. Les enfants et les jeunes jouent dans la rue. Des gens de toutes générations rient, boivent, en toute convivialité. En novembre il fait frais, 7º, un peu de pluie, le flux de gens et la joie du mois chaud n’y sont pas, les rues sont encore et toujours sous le calme. Et à quelques trois cent cinquante kilomètres du volcan parisien. « Et la vie continue, il faut continuer », Abdel conclut. Si Dieu le veut, oxalá ![1] Inch’allah!
[1] En bon et vieux portugais (en espagnol ojala), l’un des vestiges de l’héritage linguistique (environ 800 mots) des sept siècles de présence arabe-berbère-musulmane dans la Péninsule Ibérique. Mot presque tombé en désuétude, exprime un souhait, un espoir, presque fataliste, lié à un évènement futur, tout en reconnaissant qu’il dépend toujours d’une puissance que l’homme ne maitrise pas, soit divine soit l’hasard. Synonyme de Se Deus quiser (si Dieu le veut). Le fatalisme dit si portugais est-il un mélange d’esprit catholique et musulman ?
Rui Miguel Duarte, em Herserange