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Quarta-feira, Dezembro 25, 2024

Rangel, a gente não suporta já os “doutores”

João Vasco AlmeidaO país que temos tem ainda a mania de sublinhar a formação académica das pessoas, num serviçal modo de reconhecer ao outro, quando assim se faz, um estatuto que conquistou por ter estudado. Antes, chamava-se mestre a um ancião ou a alguém que soubesse decentemente da sua profissão. Hoje, qualquer pessoa é licenciada – o tal dr. que se escreve assim mas não confere a palavra “doutor” no tratamento.

Ás vezes uma pessoa fica a pensar porque um empregado de tasco chama doutor ao homem de gravata mas não o faz à igualmente licenciada jovem que se senta na mesa ao lado. “O dr. quer sobremesa?” transforma-se no “Diga lá, menina, é o leite creme?”, como a água se transformou em vinho, noutros tempos.

Paulo Rangel, o putativo ex-presidente do PSD, foi ao congresso social democrata dizer estar farto desta lenga-lenga subserviente. Os comentadores logo lhe apontaram o dedo, a dizer que falou de coisas laterais para não se comprometer. Mas Rangel tem toda a razão e o tema é absolutamente central na nossa sociedade. Os espanhóis dizem “senhor Rajoy” quando falam do presidente do Governo. Os norte-americanos dizem Obama, presidente Obama, não não lhe chamam doutor. Doutor são os médicos, no mundo.

Menos cá.

doutor faiscaComo será que um doutor se anuncia? Quando chega ao restaurante diz “chamo-me doutor Faísca”? A partir desse momento todos usam da mesma prosápia? Ou será coisa bichanada, por verem o gordo da gravata ou a gaja de salto alto e saia-casaco sair do prédio com a placa “advogados” à porta? Gritará alguém “eu sou licenciadaaaaaaa!”, para que lhe dêem o mérito?

Rangel tem muito que andar até convencer o seu PSD, o PS, o CDS e toda a gente, na prática, que o tratamento por doutor é coisa trevelha. É que no momento em que formos todos iguais perante o nome e os outros, os doutores que se sentem doutores terão de passar a ser normais, pessoas e educados. E comer leite creme, como a gente.

 

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