A economia alemã, conhecida como o “motor” económico da Europa, vive tempos conturbados e mesmo depois de reconhecida como a terceira maior economia do mundo, na sequência do persistente enfraquecimento do iene japonês, continua sem revelar a pujança e a solidez que lhe granjearam aquele epíteto.
Parece cada vez mais inegável que a situação de guerra na Europa e as sanções económicas aplicadas à Rússia vieram complicar ainda mais a situação de um país que lutava já para manter o ritmo de competitividade imposto pela realidade emergente que são a China e as economias asiáticas, algo plenamente confirmado com as primeiras notícias de que a economia alemã fechara 2023 em recessão, com o PIB a encolher 0,3%.
E esta é uma situação que, sem dúvida, tem tudo para se deteriorar ainda mais, pois até o clima político alemão está progressivamente mais instável, como o confirma o resultado das recentes eleições regionais onde o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) conseguiu o primeiro lugar na Turíngia e o segundo na Saxónia e o recém criado BSW surpreendeu, ultrapassando o Die Linke (Esquerda) e o SPD (Partido Social Democrata) que lidera o actual governo.
Esta nova formação (classificada nos meios conservadores como populista de esquerda, talvez pela recusa de uma imigração descontrolada e por associar a defesa do Estado social à necessidade de o acolhimento dos imigrantes ser acompanhado com políticas culturais que assegurem uma verdadeira integração nas comunidades locais, epíteto que branqueia o racismo da AfD e a deliberada aceitação da vaga de imigrantes que se seguiu às desastrosas intervenções ocidentais no Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria), resultou de uma cisão no Die Linke (o partido de esquerda tradicional que ajudou a criar em 2007, quando Oskar Lafontaine rompeu com o SPD) e pode ser um claro sinal da mudança de posição dos eleitores alemães relativamente a questões como a do apoio ao conflito que decorre na Ucrânia e às políticas ligadas às alterações climáticas.
A crescente impopularidade do apoio do SPD à guerra no leste europeu, tal como a forma como o chanceler Olaf Scholz tem lidado com a estagnação e a deslocalização industrial grandemente provocada pela subida dos custos da energia resultante da interrupção do fornecimento de gás russo, já terá levado a actual coligação governativa (SPD com os Verdes), forte defensora do apoio à Ucrânia e das sanções à Rússia, a anunciar um grande corte nos apoios à Ucrânia.
A completa ausência de reacção à destruição do gasoduto Nordstream (que significou a interrupção imediata de fornecimento de gás russo à economia alemã) e a clara subserviência às políticas norte-americanas que desde 2022 têm sido responsabilizadas pelo contínuo declínio económico da Alemanha, sejam o preço do gás de fracking norte-americano que triplicou os custos energéticos para a indústria alemã, as políticas fiscais e comerciais que têm agora atraído investimentos empresariais alemães para os EUA ou o aumento das tarifas sobre as importações da China para a UE, traduziram-se na degradação dos resultados económicos (bem patentes no comportamento de indicadores como o Índice de Produção Industrial ou a evolução dos Lucros Empresariais) e eleitorais que deixaram a coligação governamental longe da CDU (Democracia Cristã) e dos demais concorrentes.
A dimensão dos estragos na economia alemã está agora particularmente evidente com as recentes notícias que anunciam encerramento de fábricas e despedimentos, alterando a situação da Volkswagen, que de emblema da pujança industrial germânica se está a revelar o espelho do atraso da economia europeia face às rivais americana e chinesa.
O já referido aumento dos custos energéticos (ditado por uma resposta à crise ucraniana completamente desajustada dos interesses europeus) e o crescimento exponencial da concorrência chinesa no sector automóvel – especialmente no domínio dos veículos eléctricos e electrificados – originaram uma espécie de “tempestade perfeita” que ameaça derrubar o gigante de Wolksburg. O pior é que tal como nos anos 60 do século passado se dizia que uma “constipação” da General Motors significava uma eminente “pneumonia” para a globalidade da economia norte-americana, também agora muito se deverá recear da “doença” da congénere alemã que, na ausência de uma estruturada e bem delineada planificação da UE a longo prazo e de estratégias bem definidas, arrisca passar a um papel secundário, no seu sector de actividade e na globalidade da economia.
Depois desta e porque o problema da ausência de coerentes políticas europeias de longo prazo não se resume ao sector automóvel – a falta de visão e de planificação estende-se a todos os sectores económicos, incluindo os mais inovadores e potenciais dinamizadores do resto da economia – não será difícil prever que novas e maiores convulsões atinjam a economia europeia, tanto mais que a situação da Volkswagen será apenas a ponta visível do estado da indústria europeia.
O aumento da dependência europeia face ao “amigo” americano, que tem como corolário o declínio da Alemanha como “motor” económico da Europa (que já é apresentada como a grande economia desenvolvida com o pior desempenho do mundo e a manterem-se os cenários de baixa previsão de crescimento e de deterioração da confiança empresarial), parece cada vez mais o resultado das sanções apresentadas por Washington para “punir” a Rússia, que estão afinal a castigar a UE e a contribuir para o crescimento dos movimentos populistas, numa quase repetição do cenário vivido no continente europeu durante os anos 20 e 30 do século passado, que se traduz já numa primeira vitória eleitoral da extrema-direita alemã vez desde a II Guerra Mundial.