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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Reciclar as ideias

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Entre avanços e recuos, hesitações e impulsos, Bruxelas lá vai continuando na senda da economia verde e a promover a economia circular, como se pode confirmar nesta nota difundida pela própria Comissão Europeia:

«Economia circular: melhor concepção e gestão do fim de vida dos automóveis para uma utilização mais eficiente dos recursos

A Comissão propõe hoje medidas para reforçar a circularidade do sector automóvel, abrangendo a concepção, a produção e o tratamento em fim de vida dos veículos. Esta iniciativa melhorará o acesso aos recursos da economia da UE, contribuirá para os objectivos ambientais e climáticos da UE, reforçando simultaneamente o mercado único e contribuindo para enfrentar os desafios associados à transformação em curso da indústria automóvel. As ações propostas deverão gerar receitas líquidas no valor de 1,8 mil milhões de euros até 2035, com a criação de mais postos de trabalho e o aumento dos fluxos de receitas para a indústria da gestão de resíduos e da reciclagem. Além disso, contribuirão para melhorar a segurança rodoviária nos países terceiros, impedindo a exportação de veículos não aptos a circular e reduzindo a poluição nociva e os riscos para a saúde nos países que importam veículos usados da UE. O regulamento proposto, que substitui as actuais directivas relativas aos veículos em fim de vida e à reutilização, reciclagem e valorização, deverá ter benefícios ambientais substanciais, incluindo uma redução anual de 12,3 milhões de toneladas de emissões de CO2 até 2035, uma melhor valorização de 5,4 milhões de toneladas de materiais e uma maior recuperação de matérias-primas essenciais. A aplicação do regulamento conduzirá a poupanças de energia a longo prazo na fase de fabrico, a uma menor dependência das matérias-primas importadas e à promoção de modelos empresariais sustentáveis e circulares.»

que, abundante em promessas de grandes benefícios ambientais, graças aos milhões de toneladas de CO2 poupados, e em grandes receitas para a indústria da reciclagem (mais de mil milhões de euros durante a próxima década), deixa por responder a questão fundamental da ausência de tecnologia adequada para o efeito e não apresenta qualquer ideia significativamente nova.

Sabendo-se que cerca de 6 milhões de veículos são retirados anualmente de circulação nas estradas da UE e pouco ou nenhum dos seus materiais são reciclados, percebe-se a ideia de reduzir o desperdício de matérias-primas – especialmente quando, graças às sanções económicas ditadas pela guerra na Ucrânia, a UE agravou a sua dependência em matérias-primas cruciais para a indústria automóvel – numa opção de política industrial mais amiga do ambiente, mas altamente dependente da cooperação (leia-se, interesse) de todo o sector automóvel europeu.

Com maior ou menor justificação, também surgiram rapidamente as habituais críticas a este tipo de proposta, com a ACEA (associação de construtores do sector automóvel) a criticar o excesso de ambição de Bruxelas, enquanto as associações ambientalistas as classificam como insuficientes.

Mas é esta intenção ou necessidade de cooperação de todo um sector de actividade, que me leva a recuperar uma ideia a que já aludi aqui e a repetir a pergunta: porque não se incentiva a reconversão de veículos com motores de combustão interna em veículos 100% eléctricos, mediante a pura e simples substituição das respectivas motorizações?

A mera simplificação de regras administrativas que facilitassem esta solução significaria uma opção ainda melhor no capítulo da reciclagem (reduzida à mais simples reciclagem dos motores versus a mais complexa e ainda quase impossível reciclagem de uma miríade de componentes e compostos), prolongaria a vida útil de milhões de viaturas e criaria uma nova vertente de trabalho para o sector da reparação e manutenção automóvel. É claro que ela contraria frontalmente a actual estratégia de desperdício, própria do moderno modelo consumista, praticada pela indústria automóvel e que consiste na realização de constantes actualizações aos modelos em produção com o mero objectivo de fomentar o efeito moda numa área de negócio onde o principal foco deveria ser a qualidade e a durabilidade de um produto inegavelmente caro para a bolsa da maioria dos consumidores.

O que a maioria destes necessita são viaturas fiáveis e de utilização simples, mas a indústria insiste em impingir-lhes gadgets como câmaras de visão a 360º ou a condução autónoma que apenas servem para justificar os injustificáveis níveis de preços de venda praticados e as suas elevadas margens de lucro. Situação que se manterá enquanto perdurarem os governos que servem os interesses dos grandes investidores em prejuízo do dos cidadãos.

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