Embora toda a atenção mediática pareça continuar concentrada na contabilização de infecções e mortes provocadas pela covid-19, já vão surgindo ténues indícios de que estará para breve o regresso dos fantasmas dos défices, das regras orçamentais e, claro, o inevitável espartilho do Pacto de Estabilidade.
Ninguém duvide que se hoje todas as vozes parecem concordantes na necessidade da aplicação de estímulos económicos e no lançamento de grandes programas de despesa pública é porque a crise e a incerteza estão a aumentar os riscos do factor capital e porque a sua perpétua cobertura sempre foram os capitais públicos, mas logo que surjam os primeiros sinais de recuperação na Zona Euro vão regressar os defensores da rigidez orçamental e os apólogos da austeridade, porque é na garantia da limitação dos poderes e influência do investimento público que residem os maiores ganhos do capital privado, ávido de assegurar os resultados do agravamento das desigualdades oferecidos pela covid-19 e, como o demonstrou o desenrolar da crise sistémica de 2008 ou da crise do euro de 2012, a melhor forma de o conseguir é através de uma nova vaga de austeridade que aprofunde a submissão do factor trabalho aos seus interesses.
Inserida na ideia da UE se tornar até 2050 o primeiro continente “neutro em carbono”, pululam um pouco por toda essa Europa grandes planos para a recuperação das economias e quase todos eles incluem pontos relativos à descarbonização das economias e à reforma dos sistemas de transportes que, podendo ser louváveis, não deixam de merecer observação atenta, pois observada com melhor a opção pela electrificação não será tão inócua como geralmente se apresenta.
A substituição dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) constituirá um importante contributo para a redução da poluição, mas a produção de energia eléctrica a partir de fontes renováveis continua a revelar-se bastante ineficiente e a apresentar custos substancialmente mais elevados que deveriam justificar maiores investimentos em pesquisa e desenvolvimento antes de poderem ser apresentadas como alternativas efectivas, além de que soluções para a produção de energia verde, como a eólica, a solar ou até a energia das marés, não são exequíveis em todas as regiões.
À necessidade de redução da poluição está também associada a redução do efeito de estufa, comummente atribuído à vasta emissão de dióxido de carbono (CO2) proveniente da queima de combustíveis fósseis, que é um gás inodoro e essencial para a fotossíntese das plantas, que sendo mais pesado que o ar será um importante poluidor, mas não poderá ser o principal responsável pelo efeito de estufa.
Ainda no capítulo da poluição, ou melhor dizendo do combate à polição ambiental, e invariavelmente esquecida nos “planos verdes” e na abordagem informativa, é a questão da reciclagem, cada vez mais relevante face à práctica recorrente duma indústria crescentemente orientada para a produção de equipamentos com obsolescência programada ou induzida mediante a regular introdução de pequenas alterações (maioritariamente de natureza estética) que as apuradas técnicas de marketing exploram para incentivarem o consumo.
Quanto à reforma dos sistemas de transportes, onde se continua a privilegiar o transporte aéreo e o rodoviário em detrimento do ferroviário (a ligação entre as capitais e as principais cidades europeias deveria ser assegurado por ferrovia) e tem especial destaque a pressão para acabar com os motores de combustão interna (gasolina ou diesel), promovendo a excelência dos veículos eléctricos que recorrem a baterias de iões de lítio, opção que escamoteia a poluição associada à mineração do lítio e à produção e à reciclagem das baterias, levando a que a sua “pegada de carbono” seja afinal equivalente à dos primeiros. Enquanto se promove e apoia a produção e utilização deste tipo de veículos continuam por desenvolver soluções energeticamente mais eficientes, menos poluentes (como a tecnologia fuel cell, que converte energia potencial de um combustível em electricidade através de uma reacção electroquímica) e inegavelmente superiores em termos de autonomia (enquanto os veículos eléctricos proporcionarem autonomias de 200 ou 300 quilómetros com prolongados tempos de recarga dificilmente serão genericamente aceites como alternativa, deixando-os remetidos a uma utilização meramente citadina), logo de melhor utilização prática.
Em nome de uma visão quase tão redutora como a que nega os resultados práticos do agravamento do efeito de estufa, os indefectíveis do “eléctrico” têm condicionado, no pior sentido, o desenvolvimento de outras soluções ou até a exploração transitória de soluções híbridas, que não constituindo uma resposta definitiva devem ser encaradas como um contributo válido para a redução da poluição.
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