Sob uma aparência de paz e de felicidade, muitas das vezes viver assim, nas palavras de Clarice, numa ilusória perspetiva de quem se encontra num estado mental e físico de bem estar e de realização pessoal, além de ser um auto engano, é não se amar, não se valorizar, não se conhecer.
Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma… Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma.”
Estas frases fazem parte das (muitas) cartas de Clarice Lispector para os amigos, o seu marido e a sua irmã Tânia (caso do trecho acima). Foram reunidas em coletânea e publicadas em 2015, no Brasil, num livro a que se deu o nome de “Correspondências”.
Sob uma aparência de paz e de felicidade, muitas das vezes viver assim, nas palavras de Clarice, numa ilusória perspetiva de quem se encontra num estado mental e físico de bem estar e de realização pessoal, além de ser um auto engano, é não se amar, não se valorizar, não se conhecer. Pelo contrário, a fé no futuro, a luta – ativa e tomando a iniciativa da ação – para conseguir vencer o comodismo paralisante que tantas vezes contribuem para alimentar os queixumes patológicos a que nos entregamos, de uma forma mais, ou menos inconscientes.
A meta de todas as vidas humanas é ser feliz. Evitar sê-lo, receando descobrir-se, significa o desprezo por si mesmo. Quando assim se vive, vive-se uma realidade pessoal artificial e mentirosa perante os outros, mas, e sobretudo, e o que mais importa, perante nós mesmos. Não haverá maior solidão do que esta. E quem (mais) consciente é desta realidade, maior a amargura, a insegurança e o desespero.
Uma vida pacífica não é incompatível com uma vida de ação. Nem uma vida de ação, na tentativa de uma vida feliz, é incompatível com uma vida pacífica. Ao contrário, elas se interligam e complementam, num esforço e numa conduta para que haja transformação interior e do ambiente em que estamos inseridos. Se assim fizermos, o ressentimento, a culpa, o desistir de nós mesmos darão lugar ao êxito e à alegria.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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